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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
27/01/2012 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Paris Filmes
Duração do filme
112 minuto(s)

Direção

Lynne Ramsay

Elenco

Ezra Miller , Tilda Swinton , John C. Reilly , Jasper Newell

Produção

Jennifer Fox , Luc Roeg , Robert Salerno

Fotografia

Seamus McGarvey

Música

Jonny Greenwood

Montagem

Joe Bini

Design de Produção

Judy Becker

Figurino

Catherine George

Direção de Arte

Charles Kulsziski

Precisamos Falar Sobre o Kevin
We Need To Talk About Kevin

Dirigido por Lynne Ramsay. Com: Tilda Swinton, John C. Reilly, Ezra Miller, Ashley Gerasimovich, Jasper Newell.

Desde sua primeira infância, Kevin mostrou-se diferente, seja negando-se a brincar com a mãe, Eva, quando bebê ou insistindo em usar fraldas até os seis ou sete anos de idade, quando claramente já era capaz de controlar suas funções fisiológicas. Exibindo uma determinação assustadora em confrontar e provocar aquela que lhe deu à luz, o garoto confere uma nova dimensão à palavra “detestável” – e sua postura agressiva acaba se apresentando não como um caso para terapia, mas para exorcismo.

Não que Eva (Swinton) represente um modelo de maternidade: impaciente com o choro constante do filho recém-nascido, ela chega a encontrar conforto no som ensurdecedor de uma betoneira – e por mais que Kevin seja de fato uma criatura irritante, nada justifica a violência com que o trata em determinado momento, mesmo que num incidente isolado. Assim, como o roteiro oscila entre o crescimento do garoto e a vida de sua mãe anos depois, quando se tornou uma pária em função de alguma tragédia que facilmente imaginamos, o espectador consegue construir a relação entre causas e consequências de forma natural e interessante à medida que o filme caminha para um clímax que antecipamos e tememos na mesma medida.

Vivido por Jasper Newell na infância e por Ezra Miller na adolescência, Kevin é – naquela que talvez seja a grande falha do filme - uma criatura unidimensional: cruel e calculista desde o berço, ele é capaz, mesmo criança, de ocultar do pai uma determinada atitude da mãe apenas por saber que isto lhe dará algum poder sobre esta. Ciente também de que o pai (Reilly) é um sujeito crédulo e que pouca atenção presta à família, levando meses para perceber que a esposa encontra-se grávida, por exemplo, Kevin não encontra dificuldades para enganá-lo enquanto posa de filho exemplar – mesmo que, diante da mãe, não se esforce para disfarçar nem mesmo as pequenas crueldades que inflige à irmã caçula.

O mais interessante, porém, é perceber como o roteiro escrito pela diretora Lynne Ramsay e por Rory Kinnear a partir do livro de Lionel Shriver estabelece uma dependência quase patológica entre mãe e filho – algo que a cineasta ressalta através de diversas rimas visuais e transições que criam paralelos entre os dois (como no instante em que Eva mergulha o rosto na água e o montador Joe Bini imediatamente corta para um plano similar de Kevin, transformando-a magicamente no garoto). Chega a ser comovente, por exemplo, observar como Tilda Swinton, em mais uma belíssima performance, retrata a alegria de Eva em um raro momento de comunhão com o garoto, denotando sua esperança de criar um laço afetivo real com o filho – e mais tarde, mesmo quando tudo já entrou em colapso, ela não consegue se desligar de Kevin, que se torna, ao seu próprio modo, a prisão da mãe.

A montagem do longa, aliás, destaca-se também ao saltar de maneira orgânica entre as diferentes linhas temporais através do uso de cortes secos (como aquele entre o plano que traz Eva caminhando grávida e outro no qual surge andando no corredor de uma certa instituição) e de raccords – especialmente sonoros – que ligam passado e presente através de ruídos ou diálogos. Além disso, a trilha de Jonny Greenwood investe em melodias incômodas, quase dissonantes, que refletem a natureza angustiante daquele universo, ao passo que a fotografia de Seamus McGarvey acerta, por exemplo, ao retratar o namoro de Eva e Franklin através de imagens trêmulas e desfocadas que sugerem a destruição daquelas memórias agradáveis em função das tragédias que vieram em seguida.

Divertindo-se como realizadora ao conceber uma recorrência significativa do vermelho para compor um simbolismo que, mesmo nada sutil, é apropriado à narrativa, Lynne Ramsay já inicia a projeção trazendo Eva mergulhada naquela cor – e tampouco é um acaso que ela passe boa parte do filme limpando um ato de vandalismo que cobriu sua casa e seu carro de tinta vermelha, já que aquilo reflete justamente o que tem buscado fazer com sua vida ao lavar seu passado de violência.

Uma violência, que, diga-se de passagem, diz muito sobre a ligação entre Eva e Kevin (e não leia o restante deste parágrafo caso ainda não tenha visto o filme): afinal, por que o rapaz, mesmo aparentemente odiando a mãe, decide poupá-la de seus atos finais de crueldade? Sim, é possível que tirar sua família seja sua tortura definitiva, mas é igualmente provável que, de certa maneira, ele simplesmente a tenha poupado porque precisa de Eva – e, neste sentido, eliminar o pai e a irmã seria a manifestação de um complexo de Édipo que finalmente encontrou sua resolução de maneira extremada e absurda.

Seja como for, o fato é que o olhar de vulnerabilidade inédito e final do garoto para a mãe, nos momentos finais de We Need to Talk About Kevin, traz em si ao mesmo tempo uma resolução apropriada para a ótima narrativa e a sugestão de que, afinal, talvez houvesse muito mais do que imagináramos por trás daquela caricatura de vilão. 

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio de 2011.

18 de Outubro de 2011

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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