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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/11/2008 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
85 minuto(s)

[REC]
[REC]

Dirigido por Jaume Balagueró, Paco Plaza. Com: Manuela Velasco, Martha Carbonell, Vicente Gil, Ferran Terraza, Carlos Vicente, Claudia Font, Carlos Lasarte.

 

Seguindo a estratégia narrativa de filmes como A Bruxa de Blair, A Cena do Crime, Offscreen e O Olho que Tudo Vê (Cloverfield foi rodado depois, embora já tenha sido lançado no Brasil há meses), o terror espanhol [REC] é um esforço que impressiona pelo ritmo, pelas atuações, pela intensidade e pela excepcional edição de som, revelando-se sempre tenso e, nos melhores momentos, absolutamente assustador.

 

Quando a projeção tem início, somos apresentados à bela repórter Ângela Vidal (Velasco), que, num posto do corpo de bombeiros, prepara uma matéria sobre a rotina daqueles profissionais para seu programa “Enquanto Você Dorme”. À medida que a moça tropeça no texto, pede para reiniciar a gravação, aguarda a passagem de um carro barulhento para não encobrir sua locução e pede orientações ao seu cinegrafista Pablo (que jamais vemos), percebemos que aquela será a abordagem visual dos diretores Jaume Balagueró e Paco Plaza e que acompanharemos todos os acontecimentos a partir do olhar subjetivo da câmera, que, ao contrário do que ocorre de modo geral no Cinema, se apresenta como parte do universo diegético do filme e não como uma entidade à parte, fora do mundo ficcional da história. Ansiosa para que algo interessante ocorra, a jornalista comemora quando os bombeiros são chamados para atender uma ocorrência em um prédio envolvendo uma senhora aparentemente histérica. Minutos depois de chegarem ao local, porém, os bombeiros, uma dupla de policiais, Ângela e seu cinegrafista se deparam com uma situação pavorosa que se torna ainda pior quando o prédio é isolado pelo governo sob a justificativa de evitar a propagação de uma estranha epidemia.

 

Escrito pelos diretores ao lado de Luis Berdejo, o roteiro aposta no realismo ao desenvolver sua narrativa e, para isso, o filme descarta qualquer utilização de uma trilha sonora convencional e de uma montagem que empregue cortes e transições mais “sofisticados”; em vez disso, os sons naturais, diegéticos, ganham um destaque absoluto – e é neste aspecto que o design sonoro se torna fundamental não só ao estabelecer a verossimilhança exigida pela história, mas também ao evocar todo o terror necessário. Felizmente, [REC] conta com o experiente Oriol Tarragó (O Orfanato), que, ao lado do editor de som e sonoplasta Edgar Vidal, expande o universo do longa através de efeitos que, óbvios ou sutis, transportam o espectador para aquele ambiente, ressaltando desde a movimentação externa ao prédio (com sirenes, comunicações por rádio, gritos, etc) até o horror que aguarda os personagens em cada canto do edifício (ruídos, rangidos, grunhidos e por aí afora). E o mais importante: o som é tratado de maneira específica para parecer ter sido captado pelo microfone embutido na câmera de Pablo, embora, claro, aqui e ali demonstre um apuro e uma clareza muito maiores do que o convencional a fim de permitir que efeitos determinados sejam alcançados.

 

Esta abordagem continua também na fotografia de Pablo Rosso (não é à toa que o “cinegrafista” – o próprio diretor de fotografia – tem este nome), que busca passar a idéia de ter utilizado basicamente o foco de luz presente na própria câmera ao manter pontos mais fortes de iluminação nos rostos dos atores e ao permitir que vejamos o reflexo do refletor em superfícies de vidro, como a janela do caminhão dos bombeiros ou nos espelhos presentes no prédio. Por outro lado, Rosso toma o cuidado necessário para não exagerar nesta estratégia, já que isto poderia criar uma fotografia chapada e feia que prejudicaria o elenco sem conseguir criar a atmosfera necessária ao deixar tudo excessivamente escuro – o que não ocorre. (E reparem, também, como ele investe – aí, sim – em fachos limitados de luz para manter as beiradas do quadro na escuridão em seqüências específicas que amedrontam justamente por não permitirem que divisemos o horror que pode estar a centímetros dos personagens.) Para completar, o montador David Gallart, mesmo preso aos cortes secos que condizem com a idéia de estarmos assistindo ao material bruto capturado por um cinegrafista, acerta na maneira com que emprega as elipses para manter a fluidez da narrativa e o ritmo de tensão crescente.

 

Enquanto isso, Balagueró e Plaza exploram com inteligência o talentoso elenco, utilizando o próprio formato “documental” na apresentação dos personagens – e há algo digno dos melhores momentos de Eduardo Coutinho na cena em que Ângela entrevista o vaidoso César (Lasarte), que, depois de pentear os cabelos sem perceber que está sendo gravado, ainda encontra tempo para flertar sutilmente com o cinegrafista antes de finalmente expor o preconceito direcionado aos imigrantes japoneses que residem no prédio. Porém, é mesmo a performance repleta de energia e intensidade da encantadora Manuela Velasco que serve como âncora do filme, já que ela representa o próprio espectador ao manifestar sua curiosidade, seu espanto e, posteriormente, seu pânico absoluto.

 

E se normalmente considero o zoom (in ou out, não importa) como um recurso deselegante, aqui ele é empregado de maneira perfeita ao recriar a linguagem improvisada do jornalismo, que muitas vezes tem que buscar no susto a imagem-chave de um incidente. Além disso, é admirável que Pablo Rosso e os dois diretores consigam transmitir a impressão de que tudo foi capturado no calor do momento quando, na realidade, cada movimento de câmera e a própria mise-en-scène foram cuidadosamente planejados – como podemos constatar no momento brilhante em que “Pablo” (refiro-me ao personagem, não ao seu intérprete) aponta a câmera para baixo, focando o vão da escadaria do prédio, e vários monstros enfiam a cabeça no quadro em uma coreografia precisa, deixando que o mais recente “infectado” surja por último, num choque final de desespero.

 

Pecando apenas pela exposição desnecessária feita em uma cena artificial que emprega recortes de jornal e uma narração clichê deixada em um gravador de rolo, [REC] não precisava explicar a natureza de seu terror para ser eficaz – e ao menos este tropeço é rapidamente deixado para trás para que o filme possa retornar àquilo que faz tão bem: apavorar o espectador.

 

14 de Novembro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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