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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
04/06/2010 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora

O Golpista do Ano
I Love You Phillip Morris

Dirigido por Glenn Ficarra e John Requa. Com: Jim Carrey, Ewan McGregor, Rodrigo Santoro, Leslie Mann, Annie Golden, Antoni Corone.

Logo nos créditos iniciais de O Golpista do Ano, os diretores-roteiristas Glenn Ficarra e John Requa, cientes dos absurdos da trama que virá a seguir, fazem questão de incluir um letreiro que afirma categoricamente: “Isto realmente aconteceu. Mesmo.” – o que, considerando os avisos similares existentes nos inteiramente fictícios Fargo e Contatos de 4º. Grau, poderia despertar mais dúvidas do que a certeza da veracidade da história. No entanto, embora muitas de suas passagens possam mesmo testar nossa boa fé, o fato é que a maior parte do que o longa apresenta em seus 102 minutos de projeção realmente segue de perto as trapaças inacreditáveis do norte-americano Steven Jay Russell descritas no livro que dá título a este projeto – e que poderia ser descrito como uma espécie de Prenda-me Se For Capaz gay.

Ex-policial que levava uma vida pacata ao lado da esposa carola (Mann) e da filha, Steven Russell (Carrey) é um sujeito inteligente e carismático que, certo dia, decide assumir sua homossexualidade e levar uma existência de confortos materiais. Preso depois de ter seus golpes iniciais descobertos, ele acaba conhecendo na penitenciária o frágil Phillip Morris (McGregor), decidindo imediatamente usar todos os seus recursos para viver ao lado do rapaz – e, assim, com suas penas já cumpridas, eles se mudam para um lar luxuoso enquanto Russell volta a empregar seus esquemas de enriquecimento ilícito sem parecer se preocupar com as conseqüências. Como resultado, ele é novamente enviado para a prisão e passa os anos seguintes planejando novas fugas e golpes enquanto tenta reconquistar Morris, que, desapontado com as mentiras do namorado, sente-se traído também por se ver involuntariamente envolvido nas trapaças deste.

Adotando o humor como uma forma clara de suavizar seu conteúdo homossexual e, com isso, não afastar o espectador médio (o que não deixa de ser uma forma velada de preconceito), O Golpista do Ano peca por tentar incluir piadinhas sempre que o casal principal se entrega a beijos apaixonados ou ao sexo – como na cena em que um colega de prisão insiste em tocar uma fita romântica por ter dado sua palavra que o faria ou no instante em que Russell reage de maneira exagerada às ações do amante que se encontra fora de nosso campo de visão. Ainda assim, o que evita que o longa se torne repulsivo em função de sua covardia é justamente a sensibilidade com que retrata a aproximação dos dois homens: desenvolvida com cuidado pelos cineastas, a relação entre Russell e Morris se estabelece com delicadeza, começando com uma conversa casual e passando por uma breve troca de cartas até finalmente se consumar – e é graças também à química entre Carrey e McGregor que compreendemos por que o protagonista se sente tão compelido a fazer o impossível para agradar o namorado.

Não que Morris se mostre um amante exigente do ponto de vista financeiro: interpretado por Ewan McGregor com mais delicadeza do que afetação, o sujeito se apresenta incrivelmente vulnerável desde sua primeira aparição, estabelecendo uma fragilidade que toca Russell e leva-o ao crime como forma de “mimar” o parceiro. Ainda assim, quando Morris afirma não se importar com dinheiro, o espectador acredita em suas palavras por perceber sua natureza romântica, já que o rapaz chega a suspirar apenas ao ouvir o protagonista afirmar que quer apenas protegê-lo. Entregando-se com inteligência à ingenuidade do personagem, McGregor comove também por deixar claro que, ainda que Russell realmente ame o namorado, suas ações provocam um sofrimento profundo em Morris – algo importante para que o espectador não seja compelido a justificar e “perdoar”, consciente ou inconscientemente, os crimes do anti-herói.

Enquanto isso, Jim Carrey encarna Steven Russell como um homem de pensamento rápido e que, por ser também um bom observador, encontra-se sempre preparado para decifrar e manipular as pessoas à sua volta. Esta característica, porém, se contrapõe à óbvia imaturidade de um homem que, percebendo ter chamado a atenção da Lei, exibe total incapacidade de lidar com as conseqüências de seus atos. O curioso é que Carrey é hábil ao combinar este aspecto dramático de sua composição com uma faceta cômica que resulta não só do humor físico (como nos golpes dados por Russell em seguradoras), mas também da confiança inabalável de um homem que se julga mais inteligente do que todos que o cercam. Fechando o elenco, Leslie Mann e Rodrigo Santoro exploram com talento suas poucas cenas, conseguindo construir personagens interessantes que se mostram fundamentais na trajetória do protagonista mesmo que tenham escassos minutos na tela.

Eficientes na construção de uma narrativa leve a partir de uma história que poderia facilmente se apresentar como uma experiência pesada e deprimente, Ficarra e Requa ainda assim forçam a mão ao tentarem estabelecer o céu azulado onipresente no filme como uma metáfora do espírito “livre” de seu protagonista (embora este simbolismo se encerre com elegância no instante em que Russell observa um céu – agora pintado – no teto do fórum) – mas este pecadilho pode ser perdoado se observarmos o talento da dupla na concepção de momentos de surpreendente humor (como o plano que revela a homossexualidade do herói).

Assim sendo, não deixa de ser uma imensa decepção que o último plano de O Golpista do Ano se mostre tão ofensivo em seu esforço claro (e desonesto) de tentar enviar o espectador para fora da sala de exibição com uma sensação artificial de “final feliz”, traindo não só a inteligência da narrativa, mas também o tão destacado aviso de que “tudo” que vimos ali realmente teria acontecido.

Mas como eu disse no início deste texto, raramente podemos confiar neste tipo de afirmação quando se trata da patologicamente mentirosa Hollywood.

05 de Junho de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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