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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
03/09/2004 30/07/2004 2 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
108 minuto(s)

A Vila
The Village

Dirigido por M. Night Shyamalan. Com: Joaquin Phoenix, Bryce Dallas Howard, Adrien Brody, William Hurt, Sigourney Weaver, Brendan Gleeson, Cherry Jones, Celia Weston, Judy Greer, Michael Pitt.

M. Night Shyamalan é um diretor que sabe como criar uma eficaz atmosfera de suspense e, em A Vila, utiliza todos os truques que conhece a fim de mergulhar o espectador em um quase insuportável clima de tensão: sombras que atravessam a tela rapidamente, ruídos que parecem se aproximar por trás da platéia e, é claro, os longos momentos de silêncio que diferenciam seus trabalhos de 90% do lixo que o gênero `terror` produz atualmente.


Infelizmente, como roteirista, o diretor de origem indiana vem se enfraquecendo a cada novo projeto: preso a uma armadilha que criou para si mesmo (a `obrigação` de criar `finais surpreendentes`), Shyamalan transforma A Vila em um filme que simplesmente não sobrevive a uma releitura: se o espectador decidir repassar a história em sua mente depois da projeção, certamente perceberá que, ao contrário do que acontecia em O Sexto Sentido e Corpo Fechado, a trama não faz o menor sentido – e o que é pior: verá que o cineasta insulta nossa inteligência ao acreditar que não iríamos perceber isto.

Porém, antes de me aprofundar na tal `reviravolta` (não se preocupe; avisarei antes de discuti-la), vamos a uma breve sinopse: ambientada durante o que parece ser o final do século 19 (o ano exato surge em uma inscrição no início do filme, mas não consegui guardá-lo), a história envolve um pequeno vilarejo cercado por uma imensa floresta. De acordo com os líderes da comunidade, criaturas aterrorizantes habitam a mata e só não atacam os humanos em função de um acordo silencioso estabelecido há muitos anos: tudo o que os moradores da vila devem fazer é atirar grandes nacos de carne para as criaturas de tempos em tempos e, é claro, evitar a cor vermelha. No entanto, certo dia a trégua é rompida e os `monstros` parecem determinados a atacar seus vizinhos – e, depois que um certo personagem é gravemente ferido, outro é obrigado a entrar na floresta a fim de buscar auxílio externo (não posso falar mais do que isso).

Durante a primeira hora de projeção, Shyamalan faz aquilo que se tornou sua especialidade: não só mantém o público na beira da poltrona, como o deixa curioso para saber o que acontecerá em seguida. É claro que, assim como em Sinais, ele cria alguns planos que, apesar de belos, não fazem muito sentido, como aquele em que três personagens conversam enquanto se encontram parados um ao lado do outro, olhando sempre para a frente – mas este é um pecadilho: o resultado estético compensa o absurdo da marcação de cena. Da mesma forma, a seqüência noturna na qual vemos os habitantes caminhando em fila indiana, carregando lampiões, é de tirar o fôlego. Além disso, esta primeira parte da trama inclui cenas que são provas incontestes do talento do diretor: aquela em que a jovem protagonista cega se encontra na varanda de sua casa enquanto as criaturas se aproximam é absolutamente impecável e merece constar de qualquer antologia de `melhores momentos do ano`.

E é justamente por isso que Shyamalan deveria abandonar a carreira de roteirista e dedicar-se apenas à de diretor: seu talento é grande demais para ser desperdiçado em tramas cada vez piores. Aliás, ele é um cineasta tão competente que quase consegue nos fazer ignorar a fragilidade de seu roteiro – e estou certo de que muitos espectadores vão sair do cinema tão satisfeitos com o `medo` que sentiram que se tornarão defensores ferrenhos do longa. Ora, há bons elementos em A Vila, é verdade: particularmente, gostei do comportamento contido de Lucius Hunt, vivido com talento por Joaquin Phoenix, e da presença iluminada de Ivy, interpretada pela estreante Bryce Dallas Howard (filha de Ron Howard e grande revelação do projeto). Por outro lado, é impossível ignorar que o suposto envolvimento entre os personagens de William Hurt e Sigourney Weaver é mera encheção de lingüiça (a atriz é desperdiçada pelo filme, já que nada faz de importante) e que as supostas `reviravoltas` são, além de previsíveis, injustificáveis, já que a própria lógica do roteiro as contradiz.

E é aqui que entro em `terreno proibido` (portanto, se você ainda não assistiu ao filme, sugiro que interrompa a leitura e só a retome depois que voltar do cinema): o fato é que, ao longo dos 108 minutos de A Vila, há apenas um elemento bem-sucedido que pode ser creditado exclusivamente ao roteiro: a descoberta de que aquele que julgávamos ser o protagonista não o é – uma surpresa digna de Psicose. Este, porém, é um mero detalhe: para Shyamalan, o grande `segredo` de seu longa ainda está por vir – um `segredo` que a distribuidora brasileira solicitou aos críticos que não fosse discutido, na esperança de que: a) ao citar o pedido em seus artigos, estes aumentassem a curiosidade dos espectadores; ou b) a imbecilidade da `reviravolta` não fosse evidenciada pela análise destes profissionais. No entanto, como deixar de lado justamente o ponto mais importante do projeto?

Pois bem: a verdade é que (pare de ler, já avisei!) a trama de A Vila se passa nos dias atuais. Cansados da violência que tomou conta da sociedade moderna, os `anciões` do lugarejo decidiram se isolar do mundo, criando uma vila de `faz-de-conta` na qual pudessem viver tranqüilamente – e as tais `criaturas` são apenas um recurso que estes utilizam para manter os jovens presos na vila (e, conseqüentemente, longe de qualquer elemento que possa destruir a farsa). O conceito, apesar de nada plausível (mas `homens indestrutíveis` também não são), é até interessante; o problema é que o roteiro de Shyamalan jamais consegue justificá-lo: quem assiste a O Sexto Sentido pela segunda vez, constata que as pistas acerca de seu mistério estavam lá o tempo todo, e o filme sobrevive às análises posteriores. Já em A Vila, a partir do momento em que repensamos a trama, esta desmorona: em primeiro lugar, por que o líder interpretado por William Hurt permite que sua filha entre na floresta em vez de se encarregar da viagem ele mesmo? Se seu objetivo era preservar o segredo, faria bem mais sentido que ele se `arriscasse` a sair da vila – algo que seria justificado por sua posição de `prefeito` - e sua `promessa do passado`, um fraco artifício empregado por Shyamalan para obrigar Ivy a partir, nada representaria diante de seus `cúmplices`, que certamente concordariam que seria melhor que ele fosse, em vez de sua filha cega.

E já que mencionei a cegueira de Ivy, qual era o propósito do cineasta ao incluir elementos claramente sobrenaturais no comportamento da garota? Ora, sua capacidade de enxergar a `aura` das pessoas poderia até fazer sentido em um contexto no qual o sobrenatural imperasse, mas não é isto que acontece em A Vila – e é ridículo vê-la correr com segurança sem o auxílio de um guia durante a maior parte do filme, já que, mais tarde, ela passa a caminhar com dificuldade quando isto se torna importante para os propósitos de Shyamalan. E, afinal de contas, por que os `anciões` da aldeia tentam convencer os jovens de que as `criaturas` decidiram romper a trégua? Isto não seria prejudicial aos seus propósitos? Afinal, já que a vila está sob ataque, não resta outra coisa a fazer a não ser enfrentar os monstros, não é mesmo? (E alguém certamente chegaria a esta conclusão mais cedo ou mais tarde.)

Aparentemente, Shyamalan concebeu o `segredo` antes de ter uma história definida e, assim, dedica-se a surpreender a platéia sem se importar com as conseqüências da `reviravolta` – o que o obriga a ser desonesto com o espectador, quando, no passado, era apenas nossa perspectiva que se alterava, não a `realidade` da trama. Qual é a explicação, por exemplo, para a cena em que Hurt e Weaver conversam sobre as marcas vermelhas nas paredes? Lembrem-se de que eles sabem que as criaturas não existem. `Ah!`, poderá dizer alguém, `Mas eles explicam que um dos veteranos deve ter enlouquecido, já que vem matando vários animais!`. Muito bem: não vou nem discutir a mediocridade deste recurso utilizado por Shyamalan para tapar os buracos de seu próprio roteiro, já que ele próprio parece esquecer este fato (o tal `veterano` jamais é desmascarado). Porém, reflita sobre aquela conversa entre os dois personagens: não faz o menor sentido, dentro da lógica do filme, que Weaver comente que `as marcas são altas demais para terem sido feitas por um coiote`, como se esta fosse uma hipótese sequer admissível. Naquelas circunstâncias, ela certamente diria algo como `temos que descobrir quem está fazendo isso` ou `isto está indo longe demais`, mas a `solução` encontrada pelo cineasta simplesmente não é aceitável. Além disso, já que o propósito das criaturas é assustar os jovens da vila, por que os mais velhos insistem em atribuir os acontecimentos à ação de `coiotes`?

Mas Shyamalan desta vez não está preocupado com a plausibilidade da história: afinal, por que Edward Walker, ao explicar a situação para a filha, introduz o assunto dizendo `não ter palavras` para expor a questão? Por que ela a obriga a tocar a `criatura`? Simples: porque, desta maneira, o cineasta conta com uma desculpa para criar suspense, e só. E o pior é que, segundos depois de revelar que as criaturas eram pura invenção dos anciões, ele ainda tenta nos convencer de que elas realmente existem, o que evidencia não apenas sua imensa arrogância como sua opinião de que somos irremediavelmente tolos. (Aliás, ele comete um erro de edição básico no terceiro ato do filme: o flashback da conversa entre Edward e a filha deveria ter sido incluído depois da perseguição final, e não antes – algo que aumentaria a tensão da seqüência e o impacto da revelação feita pelo prefeito).

É claro que muitos defenderão A Vila em função de suas supostas `mensagens` sobre a `cultura do medo` desenvolvida pelo governo Bush e sobre a impossibilidade de fugirmos da violência – algo inerente ao próprio Homem. Porém, confesso que apreciaria mais estas mensagens caso viessem embaladas em um filme melhor, e não em uma produção que poderia perfeitamente ter se transformado em um episódio de Scooby-Doo (em certo momento, pensei que Ivy fosse tirar a máscara de uma das criaturas e gritar: `Vejam! É o velho Smith, zelador do parque de diversões!`).

Com A Vila, M. Night Shyamalan continua a cair em meu conceito: depois das 5 estrelas de O Sexto Sentido, vieram as 4 estrelas do ótimo Corpo Fechado e as 3 de Sinais. Pelo jeito, o próximo filme do diretor será um desastre monumental.

Espero que - com o perdão do trocadilho - ele me surpreenda.

03 de Setembro de 2004

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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