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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/05/2015 14/05/2015 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Warner

Mad Max: Estrada da Fúria
Mad Max: Fury Road

Dirigido por George Miller. Roteiro de Miller, Brendan McCarthy e Nick Lathouris. Com: Tom Hardy, Charlize Theron, Nicholas Hoult, Hugh Keays-Byrne, Nathan Jones, Zoë Kravitz, Rosie Huntington-Whiteley, Riley Keough, Abbey Lee, Courtney Eaton.

Para saber como seria um filme que tomou ácido e cheirou cocaína, basta assistir a Mad Max: Estrada da Fúria. Louco como o personagem-título, este retorno do veterano cineasta George Miller à série que consagrou Mel Gibson é uma overdose sensorial, um longa de ação ao mesmo tempo clássico em sua abordagem e extremamente contemporâneo em sua energia.


Com roteiro escrito por Miller ao lado dos estreantes Brendan McCarthy e Nick Lathouris, Estrada da Fúria se passa num universo pós-apocalíptico no qual o combustível e a água são líquidos preciosos e que parece ter se transformado num imenso deserto. Trazendo referências periféricas aos longas anteriores, esta nova produção não pode ser considerada continuação, refilmagem ou reboot: aqui, Max (Hardy) já perdeu sua família há alguns anos, mas o mundo no qual habita não é exatamente aquele do original. Além disso, a trama é o que menos importa desta vez, já que o projeto se resume a longas sequências de ação que trazem o protagonista sendo perseguido pelo vilão Immortan Joe (Keays-Byrne, que também viveu um dos vilões do original), que encontra-se determinado a capturar a guerreira Imperator Furiosa (Theron), que fugiu de sua fortaleza levando seu harém particular.

Comprovando que a falta de uma trama elaborada não compromete necessariamente o resultado final de uma produção cinematográfica, já que esta é uma arte visual na qual a narrativa é mais importante do que a história, Estrada da Fúria diverte graças ao absurdo do universo que constrói e que abriga não só personagens com nomes como Rictus e... ora... Imperator Furiosa, mas também conceitos como o do Doador Universal (que aqui ganha contornos extremos), guerreiros kamikazes que anseiam se sacrificar em nome de Immortan Joe (cujo visual é uma mistura de Bane e Beetlejuice) e uma sociedade que idolatra o automobilismo, entregando-se a cânticos de “V8!” e usando expressões como “Isso é muito cromo!”.

Aliás, a imaginação de George Miller ganha vida graças ao excepcional trabalho de design de produção de Colin Gibson (candidato sério aos principais prêmios do ano), que confere personalidade até mesmo aos veículos empregados pelos personagens – e meus favoritos são aqueles que trazem a carroceria de um carro sobre a base de um tanque, aquele que parece um porco-espinho e, claro, um terceiro que inclui imensas caixas de som e um guitarrista em sua estrutura. Chegando mesmo a fazer referência visual ao clássico Metrópolis ao trazer uma máquina gigantesca que incorpora elementos humanos em seus mecanismos, Gibson é beneficiado também pela parceria com o diretor de fotografia John Seale (mais um que merece indicações), que evita a paleta cinza e dessaturada da maior parte dos filmes pós-apocalípticos e opta por investir em cores intensas que tendem a valorizar o contraste esteticamente agradável entre o laranja das cenas diurnas e o azul das noturnas (e o trabalho de correção de cores que ocorre na pós-produção permite ressaltar contrastes em um mesmo plano, como aquele que traz Max e Furiosa no banco da frente, mergulhados em azul, e as garotas que resgatam logo no banco de trás banhadas em laranja).

No entanto, o que realmente torna Estrada da Fúria magnífico é a energia impressionante de suas sequências de ação – e a principal delas toma (sem exagero) praticamente toda a primeira hora de projeção, sendo fabuloso constatar como George Miller sustenta o ritmo ao torná-la cada vez mais insana em sua concepção, começando com uma simples perseguição e culminando em tempestades de areia, motocicletas que atiram bombas durante saltos, brigas que trazem oponentes acorrentados um ao outro e assim por diante. Mas mais importante do que isso é constatar como o septuagenário Miller dá uma surra de câmera (copyright meu) em diretores bem mais jovens como Joss Whedon (nem vou citar Michael Bay, pois seria covardia) ao demonstrar como não é necessário tornar a ação incompreensível para conferir tensão, energia e dinamismo ao que vemos na tela. Sem depender de cortar a cada milésimo de segundo e jamais movimentando o quadro como se o operador da câmera tivesse Mal de Parkinson, Miller permite que o espectador sempre saiba onde estão os personagens, em que direção se movimentam, suas relações espaciais uns com os outros e com a geografia que os cerca, chegando mesmo a empregar algo cada vez mais raro em longas do gênero: planos conjuntos que se detêm alguns longos segundos antes de darem lugar a outros mais fechados.

Para completar, o cineasta toma uma decisão narrativa curiosa que tinha tudo para dar errado, mas acaba funcionando apesar do estranhamento que provoca inicialmente: o uso, durante as sequências de ação, de um frame rate mais baixo do que os 24 quadros por segundo habituais e que provocam uma sensação de movimento acelerado (algo como ocorre quando vemos, hoje em dia, os filmes da época do Cinema mudo, rodados a 16fps). Assim, é como se o próprio longa entrasse em modo turbo sempre que os personagens partem para o confronto, o que também é eficaz ao estabelecer um contraponto às cenas mais calmas, nas quais estes apenas conversam em tom baixo e cuidadoso. (E por falar em conversas, é bom reparar que Estrada da Fúria passaria até mesmo no famoso teste de Bechdel, já que suas personagens femininas se mostram independentes e discutem questões que fogem muito de sua relação com os homens. Homens que, por sinal, elas salvam repetidas vezes ao longo da jornada.)

Trazendo tanta ação que pode se dar até mesmo ao luxo de, em certo momento, mostrar o protagonista partindo para um confronto e voltando segundos depois com sinais de ter protagonizado uma luta feroz (que jamais vemos), Estrada da Fúria certamente morreria de overdose caso fosse uma pessoa. Como não é, porém, podemos apreciar sua viagem alucinada sem culpa ou preocupação alguma – e torcer para que Miller retorne ao narguilé mais algumas vezes.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do 68º. Festival de Cannes.

14 de Maio de 2015

Update: Originalmente, o texto trazia uma menção a Michael J. Fox numa piada tola que, depois de criticada (justamente) por vários leitores, optei por retirar. Pior do que cometer um erro é não admiti-lo e, por orgulho tolo, insistir em mantê-lo vivo.

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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