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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
17/09/2015 13/05/2015 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Mares Filmes
Duração do filme
120 minuto(s)

De Cabeça Erguida
La tête haute

Dirigido por Emmanuelle Bercot. Roteiro de Bercot e Marcia Romano. Com: Rod Paradot, Catherine Deneuve, Benoît Magimel, Sara Forestier, Ludovic Berthillot e Diane Rouxel.

De Cabeça Erguida é um filme construído a partir de pequenos momentos, de reações sutis dos personagens e de planos-detalhe que, com sensibilidade, capturam um toque gentil aqui, uma mão que se abre lentamente ali ou um suspiro exausto dado acolá. É o retrato de um jovem que já nasceu condenado por suas circunstâncias e cuja raiva diante do mundo que lhe hostilizou desde a infância acaba se expressando através de um imenso impulso de autodestruição.


Dirigido pela atriz Emmanuelle Bercot sem qualquer traço de melodrama ou desejo de tornar a experiência do espectador mais fácil, o filme acompanha a trajetória de Malony (Paradot) desde os seis anos de idade, quando o descuido de sua mãe o levou ao encontro da juíza de menores Florence Blaque (Deneuve). Quando reencontramos o garoto dez anos depois, percebemos que o estrago já havia sido feito àquela altura e passamos a acompanhar suas entradas e saídas de centros de reabilitação pelos dois anos seguintes até o instante no qual ele já se encontra prestes a se tornar maior de idade e, portanto, um sério candidato ao sistema penitenciário.

A sequência que abre o longa, diga-se de passagem, é fundamental para sua eficácia: concentrando-se nos rostos das crianças e deixando os dos adultos fora de campo, Bercot imediatamente nos coloca na posição de identificação com os pequenos – especialmente por manter a câmera na altura de seus olhos e, assim, numa condição de fragilidade diante do mundo. Além disso, a câmera na mão, sempre parecendo em busca de uma reação espontânea, confere um tom documental à narrativa, aumentando a impressão de realidade daquela trágica situação. Com isso, ao reencontrarmos Malony uma década depois, não só já o conhecemos como tivemos nossos corações partidos por seu drama, o que nos torna mais compreensivos diante do jovem agressivo e raivoso que passamos a ter diante de nós.

Neste aspecto, De Cabeça Erguida é uma evidência admirável da capacidade que o Cinema tem de despertar empatia e de levar o público a enxergar o mundo através dos olhos dos outros: se tudo o que os demais personagens enxergam são as ações estúpidas de Malony, o espectador tem acesso a momentos reveladores de vulnerabilidade, como ao chorar sozinho em sua primeira sentença no centro de reabilitação ou seu olhar quebrado quando, depois de só exibir seu lado explosivo, vê a mãe chorar e demonstra dor por ter provocado suas lágrimas. Da mesma maneira, ao mostrar rapidamente o bocejo da mãe do rapaz durante um encontro com a juíza, Bercot revela mais sobre o descaso que destruiu Malony do que se tivesse rodado páginas e páginas de diálogos sobre a questão.

A diretora, aliás, demonstra um talento invejável para ilustrar sentimentos complexos visualmente – como, por exemplo, no plano que traz dois companheiros de detenção do protagonista fumando entre lixeiras enquanto, no extremo oposto do quadro, o rapaz relaxa sob uma árvore iluminada pelo sol, demonstrando sua intenção (ao menos temporária) de se afastar dos erros passados. Claro que, para isso, também contribui imensamente a performance visceral e reveladora do estreante Rod Paradot, que, fisicamente remetendo a um jovem Brad Dourif, encarna Malony quase como um animal selvagem resistente ao toque humano e refratário até mesmo a demonstrações verbais de afeto. Capaz de explodir a qualquer sinal de estar sob julgamento (o que revela muito sobre sua personalidade), o garoto obviamente deseja melhorar, sendo sabotado pelo colossal depósito de raiva, decepções e bordoadas acumuladas ao longo de sua curta vida – e é por isso que é tão tocante acompanhar os esforços de Yann (Magimel, brilhante) para ajudá-lo, já que sua identificação com a história do outro é clara.

Pecando apenas por retratar o sistema penal francês como um mundo povoado exclusivamente por figuras benignas e pacientes – da juíza ao promotor, passando até mesmo pelo diretor de um presídio -, o filme ainda assim é fundamental ao demonstrar que todo esforço é válido no sentido de trazer os jovens de volta ao convívio social e que simplesmente despachá-los para uma penitenciária e considerar o assunto resolvido (como pregam os defensores da redução da maioridade legal) é apenas um modo de criar criminosos ainda mais raivosos e experientes.

Sim, é fácil julgar Malony (e tantos jovens como ele) e dizer que “no lugar dele, eu faria algo diferente e aproveitaria imediatamente a ajuda que me oferecessem”. Isto, no entanto, seria uma conclusão arrogante e egocêntrica, já que estaríamos aplicando nossa visão de mundo às circunstâncias do outro – uma visão construída com o privilégio de jamais termos tido que lidar com aquelas situações e com todas as profundas feridas emocionais por elas deixadas.

E o que De Cabeça Erguida compreende é que, antes de tentarmos “consertar” alguém, é preciso convencê-lo de que, ao contrário do que tudo pode demonstrar, realmente nos importamos com sua felicidade, com sua vida e com seu futuro.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2015.

13 de Maio de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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