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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
04/10/2015 04/11/2015 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
190 minuto(s)

Direção

Frederick Wiseman

Produção

Frederick Wiseman

Fotografia

John Davey

Montagem

Frederick Wiseman

Em Jackson Heights
In Jackson Heights

Dirigido por Frederick Wiseman.

Novo trabalho do veterano documentarista Frederick Wiseman, Em Jackson Heights é um filme que inspira humanidade e expira empatia. Oferecendo um recorte sempre fascinante sobre um bairro de Nova York conhecido por seu multiculturalismo (de acordo com um dos personagens, nada menos do que 167 idiomas são falados ali), o longa demonstra uma curiosidade tocante sobre o cotidiano de pessoas comuns que normalmente só atrairiam a atenção de cineastas sensíveis como Wiseman, os irmãos Maysles e o mestre Eduardo Coutinho.


Sem se preocupar em eleger um protagonista ou discutir um tema específico, a obra, que dura 190 minutos, é daquelas que reconhecem a curiosidade natural que temos por histórias – e, assim, basta acompanhar uma reunião de ativistas latinos por alguns minutos, por exemplo, para que fiquemos interessados pelo que têm a dizer e pelos obstáculos que enfrentam. Neste sentido, é notável o conforto que os habitantes da comunidade demonstram diante das câmeras de Wiseman e sua equipe, expondo questões profundamente pessoais e vulnerabilidades que possivelmente jamais haviam exibido nem mesmo perto de amigos próximos – algo para o qual a parede/escudo propiciado pela lente provavelmente contribui.

Visitando escolas, mercadinhos, sinagogas/madraças/igrejas, debates públicos e eventos artísticos, Em Jackson Heights mergulha o espectador de tal maneira na atmosfera local que logo nos tornamos mais do que simples visitantes, mas quase residentes. Da mesma maneira, ao enfocar alguns dos problemas que ameaçam a vizinhança, a obra logo nos leva a uma forte identificação, expondo a universalidade de questões como a falta de (ou má) representação política, o abuso policial, a fragilidade econômica e a prática predatória das grandes corporações, que destroem os pequenos comerciantes locais enquanto expandem suas filiais impessoais pelo bairro.

Além disso, a montagem (do próprio Wiseman, como de hábito) pontua a projeção com breves transições que se concentram em fachadas de prédios ou lojas, capturando não só o ritmo da vida da região, mas belos vislumbres de “figurantes” marcantes – como a velhinha que, encurvada pelo tempo a ponto de parecer prestes a se partir, caminha lentamente pela rua enquanto carrega uma sacola de compras. Já em outro instante, apenas ao capturar o suspiro cansado da assistente de um vereador ao discutir ao telefone, o diretor leva o público a perceber como a mulher certamente já manteve conversas similares milhares de vezes, despertando nossa simpatia diante de sua exaustão.

Esta habilidade em sugerir vivências (e em despertar nossa curiosidade por elas) é a maior virtude de Em Jackson Heights. Não à toa, o realizador frequentemente povoa a tela com os closes de dezenas de indivíduos – e cada ruga, cada olhar perdido, cada sorriso e cada inclinar de cabeça evocam personalidades, trajetórias e dores. Em determinado momento, por exemplo, Wiseman acompanha três imigrantes que, enquanto se preparam para o teste de naturalização, lutam com o inglês ao tentarem explicar por que querem o visto de residente e, naquele instante, ainda que tenhamos acabado de conhecê-los, percebemos as décadas de sofrimento até que ali chegassem.

Conhecido pela força de sua comunidade LGBT, Jackson Heights é, também, um exemplo de inclusão e respeito às diferenças: grupos compostos por gays na terceira idade se reúnem na sinagoga local, o vereador mais querido da região é homossexual e um ato de homofobia logo inspira solidariedade e protestos. Ao mesmo tempo, o filme não comete o erro de idealizar uma vida de tranquilidade para estas minorias, expondo como, mesmo ali, há uma intolerância difícil de extinguir – e um dos pontos mais reveladores da projeção é aquele no qual uma transexual negra confessa se sentir menos discriminada desde que assumiu sua identidade feminina, já que passou a sofrer menos com o racismo. E quando constatamos que ainda vivemos num mundo no qual alguém celebra por sofrer o menor de dois tipos de intolerância... bom, é porque ainda temos muito a evoluir.

Oferecendo também sequências tomadas pela leveza de crianças brincando num parquinho ou de senhorinhas tricotando enquanto fofocam sobre a sexualidade de celebridades há muito mortas, Em Jackson Heights comove simplesmente ao enfocar a humanidade em seu estado mais prosaico: durante cortes de cabelo, cochilos na missa, jogos infantis e em olhos que se fecham ao receber um cafuné.

Breve em seus 190 minutos, este documentário me fez lembrar de algo que outro mestre repleto de empatia, Roger Ebert, disse certa vez: “Nenhum bom filme é longo o bastante e nenhum filme ruim é suficientemente curto”.

Seguindo esta lógica, Em Jackson Heights parece um curta-metragem.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival do Rio 2015.

04 de Outubro de 2015

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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