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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/06/2016 23/06/2016 3 / 5 2 / 5
Distribuidora
Europa
Duração do filme
88 minuto(s)

O Caseiro
O Caseiro

Dirigido por Julio Santi. Roteiro de Julio Santi e João Segall. Com: Bruno Garcia, Malu Rodrigues, Bianca Batista, Annalara Prates, Leopoldo Pacheco, Victória Leister, Fabio Takeo, Roberto Arduin, Pedro Bosnich e Denise Weinberg.

O Cinema brasileiro não tem tradição em fazer filmes de gênero que não se enquadrem em “drama” ou “comédia”. Parte disso vem de ambições temáticas próprias, o que é sadio e constrói a personalidade cinematográfica de um pais; por outro lado, é inegável que muitas das tentativas de realizar, digamos, uma ficção científica, um suspense ou um longa de ação fracassaram ou por falta de orçamento ou por inadequação de linguagem. Sim, aqui e ali tivemos um O Homem do Futuro, um Isolados ou um Alemão, mas mesmo estes se destacaram (em maior ou menor grau) não apesar da “brasilidade” neles presente, mas sim graças a ela.


Com o terror não é diferente: com as exceções de cineastas pontuais que por paixão mergulharam no gênero apesar de todos os obstáculos (o maior destes realizadores, claro, é o mestre José Mojica Marins), pouco o exploramos, sendo deixados para trás (ao lado do resto do mundo) pelos japoneses, tailandeses e sul-coreanos, que se tornaram seus melhores expoentes. Sim, o termo “fantasma” inspira em português mais risinhos sarcásticos do que horror – e não há como contornar a língua e suas peculiaridades -, mas é para isto que o Cinema desenvolveu sua gramática: para provocar efeitos através da imagem e do som, não necessariamente da palavra.

O que nos traz a O Caseiro, escrito pelo diretor Julio Santi ao lado de João Segall: determinado a contar uma história de fantasmas clássica, o filme nos apresenta ao professor Davi (Garcia), autor de um livro supostamente inspirado em fatos reais que gira em torno de um garoto que via o espírito do pai, vencendo a assombração com o passar dos anos. Abordado pela jovem Renata (Rodrigues), ele é convencido a visitar o sítio no qual a família da garota vive para investigar a origem dos misteriosos ferimentos surgidos no corpo da irmã mais nova da moça, Júlia (Batista), e que são atribuídos pelo pai da menina (Pacheco) à ação cruel do fantasma do caseiro (Arduin) que se suicidou no local décadas antes. Inicialmente cético, Davi gradualmente se convence de que realmente há algo estranho ocorrendo ali e que pode estar relacionado não só à Júlia, mas também à igualmente frágil Lili (Prates).

Abrindo a narrativa com uma imagem evocativa que traz um homem em pé num bote que se encontra no meio de um lago sob a chuva, O Caseiro demonstra conhecer, ao menos em teoria, a lógica visual do gênero: a câmera inquieta do diretor de fotografia Ulrich Burtin parece sempre prestes a revelar algo no canto dos quadros, as sombras duras que cobrem boa parte dos ambientes sugerem ameaças ocultas e, de modo geral, a narrativa estabelece uma atmosfera lúgubre que mantém o espectador inquieto, mesmo que não amedrontado ou mesmo tenso. O jovem diretor Julio Santi, aliás, demonstra reconhecer que nada é mais assustador do que aquilo que imaginamos e, assim, abandona aparições súbitas e sustos artificiais por um tom de inquietude interessante, sendo acompanhado nesta estratégia por Burtin, que aposta numa paleta acinzentada, dessaturada e triste para refletir a personalidade igualmente melancólica, séria e sem vida de seu protagonista.

Esta abordagem de Bruno Garcia, vale apontar, é acertada ao permitir que o público projete em sua performance as próprias ansiedades – e se posso afirmar que sua inexpressividade é proposital, isto se deve ao fato de tê-lo visto em excelentes performances em obras como Saneamento Básico, Dom e Lisbela e o Prisioneiro (e que, no caso destes dois últimos, eram melhores do que os filmes em si). Ainda assim, a partir de certo momento nem mesmo Garcia consegue salvar seu personagem das fragilidades do roteiro e que o obrigam, por exemplo, a recitar falas absolutamente ridículas como “Ainda falta uma peça para solucionar este caso”, que não funcionariam nem em um desenho do Scooby-Doo. Enquanto isso, a bela Malu Rodrigues faz o que pode com uma personagem criada mais para funcionar como recurso de exposição do que como uma personalidade multifacetada, ao passo que as pequenas Bianca Batista e Annalara Prates se mostram vivazes e apropriadamente vulneráveis. Já Victória Leister, como a irmã restante, é sabotada por interpretar uma personagem que, sejamos honestos, foi concebida apenas para permitir o uso do plural em “irmãs”.

Gravemente prejudicado por um terceiro ato caótico no qual a montagem se mostra confusa a ponto de trazer indivíduos saltando de um ponto a outro sem lógica aparente, O Caseiro ainda naufraga graças à obviedade de seus mistérios – e não vejo como alguém poderia não antecipar suas revelações já de imediato (particularmente – e não leia o restante deste parêntese caso não tenha visto o filme -, percebi ambas já ao ouvir Davi falando sobre seu livro em sua primeira cena e ao ver o prato vazio diante de Lili).

A pergunta é: será que o filme funcionaria mais caso houvesse conseguido me enganar até seus minutos finais? É possível, mas, honestamente, não vejo como poderia fazê-lo, já que seus mistérios são, convenhamos, grandes clichês do gênero.

Mais triste do que assustador, O Caseiro não é uma obra ruim – e Santi certamente demonstra talento -, mas tampouco alcança os resultados que claramente busca. Seja como for, me deixou curioso quanto aos rumos da carreira de seu diretor, o que não é nada ruim.

24 de Junho de 2016

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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