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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
19/07/2016 01/07/2016 2 / 5 2 / 5
Distribuidora
Warner
Duração do filme
110 minuto(s)

A Lenda de Tarzan
The Legend of Tarzan

Dirigido por David Yates. Roteiro de Adam Cozad e Craig Brewer. Com: Alexander Skarsgård, Samuel L. Jackson, Margot Robbie, Christoph Waltz, Djimon Hounsou, Simon Russell Beale, Ben Chaplin, Rory J. Saper, Christian Stevens, Sidney Ralitsoele e Jim Broadbent.

Desde que o escritor norte-americano Edgar Rice Burroughs publicou a primeira história protagonizada por Tarzan, em 1912, o “Rei da Selva” passou a despertar a imaginação de leitores em todo o mundo, tornando-se popular a ponto de gerar cerca de duzentas adaptações em curtas e longas-metragens, em animações, em projetos para a TV e em games – e parte significativa do apelo do personagem certamente se deve à maneira como representa o primitivo em cada um de nós. Criado como macaco desde que era bebê, Tarzan é um humano livre de imposições sociais e de regras de comportamento, mas ainda assim tem um senso moral inegável, mesmo que esteja longe de ser alguém que consideraríamos “civilizado”. Por outro lado, o próprio conceito de “civilização” é relativo, sendo difícil defender, por exemplo, uma sociedade que permite que parcela considerável de seus membros congele nas ruas, seja submetido ao trabalho escravo ou sofra com a fome.


Esta dicotomia entre o “selvagem” e o “civilizado” é algo que Tarzan (Skarsgård) vivencia principalmente ao retornar à sua Inglaterra natal, já depois de adulto, e ao assumir o título de Lorde Greystoke – e é justamente neste ponto que encontramos o personagem no início deste filme roteirizado por Adam Cozad e Craig Brewer: casado com Jane (Robbie) e famoso pelo período que passou nas selvas da África, ele é convidado pelo Rei Leopoldo da Bélgica a retornar ao continente para uma visita. Inicialmente relutante, o herói acaba aceitando graças aos argumentos de George Washington Williams (Jackson), ex-soldado norte-americano (real, por sinal) que pede sua ajuda para provar que o monarca vem escravizando os nativos do Congo. O que Tarzan não sabe é que o convite do rei é, na verdade, uma armadilha preparada pelo inescrupuloso Leon Rom (Waltz), que prometeu entregá-lo ao líder de uma tribo de canibais (Hounsou) em troca das pedras preciosas da região.

Dirigido por David Yates, responsável pelos quatro últimos longas da série Harry Potter, A Lenda de Tarzan sugere que o cineasta continua preso à estratégia visual concebida para aqueles trabalhos, já que a Londres vista aqui é tão cinza e dessaturada quanto o universo sombrio do jovem bruxo – e a contraposição às cores quentes que tomam conta da tela quando apreciamos as belas paisagens africanas cria um contraste enfraquecido pela falta de sutileza. Para piorar, os matte paintings digitais que complementam grande parte dos cenários (isto quando não representam sua totalidade) são tão artificiais que frequentemente tornam impossível a suspensão da descrença por parte do público.

O mesmo, aliás, se aplica ao Tarzan digital que substitui o real sempre que este executa qualquer movimento um pouco mais “radical” ou salta de um cipó a outro, o que só aumenta minha admiração pelos dublês das versões produzidas na era dos efeitos analógicos e que podiam até não “voar” como este, mas convenciam muito mais (e o fato de o protagonista agora parecer indestrutível também elimina qualquer resquício de preocupação que poderíamos ter com relação ao seu destino). Em contrapartida, os animais criados em computador são impecáveis, o que não apenas permite criar interações fabulosas com o herói (como no instante em que este revê uma família de tigres ao chegar ao Congo) como ainda evita a brutalidade normalmente envolvida quando bichos reais são trazidos aos sets de filmagem.

O frustrante é que Alexander Skarsgård tinha tudo para superar aquele que é considerado por muitos o melhor intérprete do personagem, Johnny Weissmuller (embora eu também goste de Weissmuller, meu favorito – talvez por ter sido o primeiro que vi encarnar Tarzan – permanece Gordon Scott) – e se não consegue é porque o filme ao seu redor é frágil demais (algo similar ocorreu com Pierce Brosnan e seus longas como James Bond). Buscando ressaltar o esforço do sujeito para se adaptar à vida de aristocrata ao renegar o antigo nome e ao adotar modos afetados – notem como ergue o dedo mindinho ao beber chá -, Skarsgård exibe um físico imponente quando a história retorna à selva, acrescentando também um forte tom de melancolia à sua composição através do olhar frequentemente triste. E se seu grito não se iguala ao clássico de Weissmuller (como poderia?), ao menos a obra reconhece isto ao incluir um comentário divertido feito pelo vilão ao ouvi-lo: “Ele soa diferente do que eu pensava”.

Christoph Waltz, por sinal, faz o competente trabalho de hábito ao encarnar um tipo que virou sua especialidade: chegando a divertir-se com a própria vilania, Leon Rom é o oposto de Tarzan, o que se mostra tematicamente apropriado. Assim, enquanto o “rei da selva” é um homem essencialmente decente por baixo de sua superfície “selvagem”, Rom oculta sua selvageria e sua falta de caráter sob um verniz de civilidade, chegando a vestir ternos impecavelmente brancos que buscam afastar a mínima sombra que poderia denunciar sua verdadeira natureza. E se Samuel L. Jackson traz a intensidade de costume em sua performance (embora esteja se mostrando cada vez mais repetitivo e preguiçoso em suas caracterizações), a bela Margot Robbie confere força a Jane, empenhando-se em afastá-la da caricatura da “donzela em apuros” – e gosto particularmente de sua reação de descaso ao ouvir o vilão sugerir que irá matá-la.

Claro que o esforço da atriz é traído pelo roteiro, que, na prática, realmente a usa como mero artifício dramático para impelir a jornada do herói, que, por sua vez, tem sua urgência reduzida pela necessidade do filme de alcançar uma baixa classificação indicativa, o que obriga Yates a suavizar toda a violência presente na história, tornando-a praticamente inócua. Além disso, a estrutura da narrativa, que intercala flashbacks desnecessários que revelam a “origem” do protagonista (a esta altura, quem não a conhece?), contribui para tornar o ritmo do longa irregular, fracassando também ao criar imensa expectativa com relação ao confronto entre Skarsgård e Hounsou apenas para torná-la um anticlímax.

Caótico em suas sequências de ação, que são montadas de maneira ininteligível para disfarçar a fraca coreografia, A Lenda de Tarzan representa também um péssimo uso do 3D, já que a fotografia já escura, associada aos cortes rápidos e à pequena profundidade de campo, denuncia a parca compreensão de Yates acerca da linguagem da tecnologia que emprega – e prefiro nem lembrar de sua tentativa de criar alguma tensão ao investir em irritantes travellings circulares em torno de Skarsgård e Jackson enquanto estes discutem o que fazer em um vilarejo.

Mas o mais frustrante é mesmo chegar ao final da projeção com a sensação de ter visto algo que não consegue justificar a própria necessidade de existir, já que, sem trazer qualquer elemento novo para a mitologia desta criação de Burroughs, A Lenda de Tarzan só não soa totalmente anacrônico em função de seus efeitos digitais.

E que estes sejam tão irregulares é a bofetada final.

19 de Julho de 2016

Assista também ao videocast (sem spoilers) sobre o filme:

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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