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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/10/2016 07/10/2016 1 / 5 1 / 5
Distribuidora
Imagem
Duração do filme
85 minuto(s)

É Fada!
É Fada!

Dirigido por Cris D’Amato. Roteiro de Fernando Ceylão, Sylvio Gonçalves e Barbara Duvivier. Com: Kéfera Buchmann, Klara Castanho, Bruna Griphão, Silvio Guindane, Isabella Moreira, Christian Monassa, Aramis Trindade, Carla Daniel, Clara Tiezzi, Charles Paraventi.

O Cinema não costuma desperdiçar muitas oportunidades comerciais. Assim, ao longo de sua História, raramente hesitou em tentar capitalizar a fama de astros do esporte, da música e da televisão em projetos para a tela grande, criando, no processo, bons e maus filmes que traziam figuras como O.J. Simpson ou Pelé, Elvis Presley ou Roberto Carlos e Oprah Winfrey ou Faustão, Xuxa e Angélica. Algumas destas produções renderam bons frutos (8 Mile, com Eminem); outros... nem tanto (Glitter, com Mariah Carey). Em outras palavras: não há nada de estranho ou lamentável no conceito de um longa estrelado por uma YouTubber como Kéfera Buchmann; carisma é um dom raro e, considerando o número de seguidores alcançado pela moça, poucos poderiam questionar que ela o possui.


Mas carisma não faz milagre. E mesmo que fizesse, duvido que até mesmo o maior deles pudesse salvar É Fada!, uma obra tão atroz que, em certo momento, compreendi perfeitamente a lógica do passageiro que incendiava o próprio corpo ao ter que ouvir as histórias aborrecidas do herói de Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu! (e esta será a única vez que compararei, neste texto, É Fada! a qualquer outro filme que preste).

Partindo de um roteiro creditado a (notem que não usei a expressão “escrito por”) Fernando Ceylão, Sylvio Gonçalves e Barbara Duvivier, este desastre acompanha os esforços da fada Geraldine (Buchmann), que, depois de perder as asas ao não conseguir evitar os 7 a 1 da Alemanha, recebe uma última chance de recuperá-las, sendo destacada para ajudar a adolescente Luna (Castanho), uma garota criada apenas pelo pai (Guindane) depois que sua mãe (Moreira) mudou de país basicamente para tentar enriquecer. Matriculada em uma nova escola povoada por alunos ricos, Luna enfrenta as dificuldades esperadas em uma história do tipo, sendo hostilizada pelas caricaturas locais, buscando atrair a atenção do aspirante a galã e se encantando pelo único estudante pobre da instituição, já que dinheiro não traz felicidade, coisa e tal.

E como Geraldine, interpretada pela atriz adorada por milhões de adolescentes brasileiros, tenta resolver os dilemas de Luna? Ora, é óbvio: alisando seu cabelo, tentando evitar que ela engorde e sugerindo que comprima os seios para que pareçam mais volumosos. Sim, há um esforço brevíssimo e sem qualquer sinceridade para explicar que estas prioridades estão erradas e que julgar alguém pela aparência é um ato de estupidez, mas considerando que isto ocorre num péssimo rap cantado pela protagonista (juro!) por menos de um minuto no meio de um número de dança maior, acho justo supor que não pode ser considerado como o fechamento de um arco temático realmente planejado pelos roteiristas.

Não que Luna seja melhor, já que suas primeiras atitudes na nova escola são de pura agressividade e egoísmo, atingindo seu auge na cena em que ela esquec... não, mentira: abandona os pertences de um amigo na praia – uma atitude que É Fada! prontamente utiliza para criar uma passagem na qual a escrotice da PM brasileira e sua propensão a oprimir jovens pobres é utilizada (de novo: juro) para criar um draminha pessoal do tipo “oh, o que foi que eu fiz?”. Mas tom não é algo que os gênios responsáveis pelo filme parecem compreender, já que não sabem sequer que tipo de narrativa querem desenvolver, atirando desesperadamente para todos os lados: alguns dos personagens, por exemplo, têm caracterizações (penteados, adereços, figurinos, comportamento) saídas diretamente de uma fábula, enquanto outros são retratados de maneira mais realista, ao passo que certas cenas têm um peso conflitante com uma comédia adolescente (como a imagem da PM revistando alguns jovens ou o desespero de Luna ao julgar que vai cair alguns metros).

Este caos narrativo, por sinal, resulta do descaso completo até mesmo para com a lógica da fada que dá título ao longa: quando Geraldine assume o lugar de alguém (e os produtores claramente acham que os efeitos de maquiagem são ótimos), o que realmente acontece? Onde a pessoa “substituída” vai parar? Como em nenhum momento vemos qualquer reação dos “possuídos” depois que a fada desaparece, tudo soa apenas arbitrário, como se o roteiro se preocupasse apenas em tentar criar um momento cômico sem ter que lidar com suas consequências. Da mesma maneira, Geraldine afirma não poder ser vista por ninguém, mas quando se encontra num ônibus com Luna, esta conversa normalmente com sua “madrinha”, sendo questionada apenas uma vez – e artificialmente – por um outro passageiro. Para piorar, a cena termina com a fada sentada ao lado de Luna quando há outros ocupantes do ônibus viajando em pé, o que não faz o men...

Esqueçam. Não faz sentido buscar coerência em um projeto que, mesmo concebido para promover uma personalidade, não hesita em levá-la a viver uma personagem absolutamente insuportável e cujo “humor” soaria datado mesmo em um filme do Casseta & Planeta, resumindo-se a palavrões, caretas (notem o número de cortes feitos exclusivamente para mostrar Kéfera contorcendo o rosto) e detalhes inexplicáveis como o fato de Geraldine guardar sua varinha no ânus (yep), chegando a cheirá-la após removê-la pela primeira vez. Ok, mesmo aceitando que este seria um local adequado para a função, por que diabos ela cheiraria a varinha após tirá-la do...

Esqueçam. Por que tentar entender as escolhas da personagem-título se o restante da produção é igualmente absurdo? Como Pedro pode dizer a Luna que julgava “conhecê-la” se haviam se encontrado pela primeira vez há poucos dias? Por que a mãe da garota, que é rica, insiste para que ela se vista “melhor”, mas se recusa a pagar pelo vestido que a filha pede, descartando a questão com um mero “isso você conversa com seu pai” (que ela sabe não ter dinheiro)? E como podemos torcer por uma pessoa que age com um nível de idiotia que rivaliza com o dos heróis de Débi & Lóide, caindo na mais estúpida das armadilhas preparada pela mais estúpida das vilãs? Ora, se ela sabia qu...

Esqueçam. Se Cris D’Amato, diretora da obra, não se importou com o que criava, por que eu deveria? D’Amato, por sinal, parece ter descoberto recentemente recursos inovadores como a câmera lenta, que emprega sem qualquer parcimônia (ou função), demonstrando também seu encantamento com o uso de drones para criar planos aéreos dispensáveis – e confesso ter rido uma vez em É Fada! ao perceber que a cineasta decidira empregar um contrazoom numa cena que traz Luna caminhando na rua, usando o efeito criado por Hitchcock em Um Corpo que Cai basicamente porque sabia fazê-lo. (Não é complicado; difícil é saber utilizá-lo bem.) Da mesma maneira, a realizadora inclui uma inexplicável trilha de ação quando Luna e a vilã Veronica (Griphão) correm pelo colégio, buscando também criar uma atmosfera de terror antes do primeiro encontro da protagonista com a fada em seu quarto, quando já sabemos quem está ali e o porqu...

Esqueçam. Afinal, quando achamos que É Fada! não pode piorar, o filme encontra tempo para tentar brincar de Pequena Miss Sunshine em uma dança que envolve personagens agindo de maneira completamente oposta aos seus comportamentos anteriores apenas para sugerir uma redenção artificial – e se achei que este havia sido o fundo do poço, pouco depois percebi meu engano, pois se os responsáveis por este trabalho têm algum talento, este é o da escavação. E assim, os créditos finais trazem a jovem estrela Kéfera Buchmann cantando uma música cuja principal virtude artística reside em notar que as palavras “Essa fada” podem soar como “É safada”. Uma sacada q...

Esqueçam.

07 de Outubro de 2016

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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