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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
10/11/2016 07/10/2016 3 / 5 2 / 5
Distribuidora
Fox
Duração do filme
120 minuto(s)

O Nascimento de uma Nação (2016)
The Birth of a Nation (2016)

Dirigido e roteirizado por Nate Parker. Com: Nate Parker, Armie Hammer, Penelope Ann Miller, Jackie Earle Haley, Mark Boone Junior, Aja Naomi King, Colman Domingo, Aunjanue Ellis, Dwight Henry, Esther Scott e Gabrielle Union.

Lançado em 1915, O Nascimento de uma Nação é um dos filmes mais importantes da História do Cinema, mas também um dos mais repulsivos, empregando suas várias inovações narrativas e tecnológicas para contar uma história cujo racismo chocava já em sua época. Assim, há um brilhantismo inegável na decisão do roteirista e diretor estreante Nate Parker de empregar o mesmo título neste seu projeto, buscando ressignificá-lo ao oferecer uma espécie de resposta histórica ao clássico de D.W. Griffith.


Faltou apenas ser suficientemente bom para cumprir seu objetivo.

Resgatando a trajetória de Nat Turner (o próprio Parker), um escravo que liderou uma rebelião em 1831, este novo longa reconhece a relevância de uma figura emblemática que, possivelmente em função da brutalidade de sua breve e sangrenta revolta, é pouco conhecida fora da comunidade negra norte-americana. Aliás, a dificuldade em lidar com o personagem se torna patente na abordagem confusa do realizador, que parece não saber como conciliar as várias facetas do homem cuja vida pretende homenagear.

Não por acaso, os problemas de O Nascimento de uma Nação já começam em seus primeiros segundos, que procuram apresentar Turner como um predestinado que trazia no corpo marcas sagradas que profetizavam seu destino – um elemento que a narrativa praticamente abandona depois de introduzi-lo, ignorando convenientemente que o protagonista realmente se considerava um “escolhido”, justificando desta maneira a obrigação de todos em segui-lo. Trata-se, como não é difícil imaginar, de um componente delicado da biografia de Turner, sendo compreensível a tentativa do filme de minimizá-lo; porém, por que então inclui-lo no prólogo e em brevíssimas referências no terceiro ato?

Este esforço do diretor/roteirista/ator para tornar seu personagem mais palatável para o grande público se estende, aliás, para a forma como os atos de Turner e seus seguidores são retratados durante a rebelião em si, quando Parker mantém a violência fora de campo ou a atenua ao cortar em momentos-chave – uma estratégia no mínimo covarde que tenta simplificar, pela omissão, questões que mereciam uma discussão mais complexa. Ora, as ações dos escravos rebelados foram inquestionavelmente pavorosas (e seria fundamental vermos isto representado na tela), mas isto não significa que foram gratuitas ou injustificadas. Sim, com o distanciamento que quase 200 anos (e o fato de ser branco) me oferecem, é fácil dizer que nada torna a execução de seres humanos aceitável (e esta é minha convicção), mas isto não implica em uma incapacidade de compreender como um massacre soaria como uma resposta razoável para homens habituados à opressão e aos abusos contínuos por parte dos escravagistas. Neste sentido, é preciso reconhecer a capacidade de um realizador como Mel Gibson de perceber, em obras como Coração Valente e Apocalypto, como a violência pode funcionar para instigar debates sobre a moralidade (ou falta de) por trás de posturas bárbaras.

Mas os equívocos do jovem cineasta não param por aí: em vez de perceber que a grande vilã de seu filme deveria ser a escravidão em si, Nate Parker adota o fácil recurso narrativo de criar um antagonista de carne-e-osso para simbolizar a natureza odiosa do sistema, usando, para isso, o caçador de escravos vivido por Jackie Earle Haley. Porém, ao personalizar a questão, O Nascimento de uma Nação inevitavelmente a simplifica, transformando um ajuste de contas particular em uma catarse que sugere uma “resolução” emocional instintiva que, ao satisfazer o espectador como drama, fragiliza a discussão maior que o longa parecia propor. Além disso, ao se mostrar mais interessado em retratar Turner como mártir do que como revolucionário, a obra acaba por trair aquele que se propõe a celebrar.

Como diretor, diga-se de passagem, Parker parece estar sempre tentando emular realizadores mais talentosos, desde os impactantes contrastes entre a beleza das plantações de algodão e as punições aos escravos que nelas trabalham (como em 12 Anos de Escravidão) até a inesquecível transição cronológica ancorada no olhar de um personagem vista em O Resgate do Soldado Ryan – e nenhuma destas comparações é lisonjeira para com o rapaz. Já como ator, ele sai bem melhor ao construir Turner como um homem de olhar gentil cujas pregações em nada lembram a raiva contagiosa de Malcolm X ou o fervor retórico de Martin Luther King, embora, ao seu próprio modo, ele posteriormente acabe se tornando um precursor de ambos. Da mesma forma, sua dinâmica com Armie Hammer é essencial para o impacto do terceiro ato e, neste aspecto, a performance deste último também merece créditos, já que ele compõe Samuel Turner como um homem que tenta agir com moderada compaixão ao lidar com seus escravos, sendo limitado em suas boas intenções por ser instável, fraco, alcoólatra e, claro, dono de escravos.

De todo modo, tropeços à parte, O Nascimento de uma Nação é capaz de despertar reflexões nem que seja apenas pela própria natureza do tema que aborda. É impossível, por exemplo, ouvir a esposa de Turner dizer que a matança de negros não irá ser interrompida até que ele seja capturado sem pensar que ela não cessará mesmo duzentos anos depois disso. Além disso, o fato de o protagonista ter seus dons como pregador utilizados para “pacificar” escravos potencialmente revoltosos é algo que funciona como um comentário importante sobre as táticas empregadas para manter os oprimidos em uma condição de passividade – entre elas, a religião, que tem o poder de gerar conformidade ao transformar o sofrimento em virtude e ao prometer uma recompensa que chegará ainda que após a morte.

Pois se há algo que as elites sempre temeram, temem e temerão é o momento em que os explorados se revoltarão – um temor que, claro, não as impede de seguirem explorando-os em nome dos próprios privilégios. O que elas parecem continuamente se esquecer, contudo, é que há um número limitado de chicotadas suportadas pelos oprimidos até que estes se deem conta de que não irão parar de apanhar apenas resignando-se.

E, como eventos como a rebelião liderada por Nat Turner recorrentemente nos lembram, o ajuste de contas pode não provocar mudanças estruturalmente permanentes, mas tampouco resultam em carícias.

Observação: o lançamento de O Nascimento de uma Nação foi precedido por uma intensa controvérsia acerca de seu diretor e de um escândalo em seu passado. Embora isto tenha provocado debates relevantes sobre violência sexual e a cultura do estupro, estas questões não se encontram refletidas no longa e, portanto, não cabem numa apreciação deste, já que minha função é a de analisar a obra, não o caráter de seu criador

11 de Novembro de 2016

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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