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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
30/07/2004 25/06/2004 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
122 minuto(s)

Direção

Michael Moore

Roteiro

Michael Moore

Produção

Michael Moore

Música

Jeff Gibbs

Montagem

Kurt Engfehr

Direção de Arte

Dina Varano

Fahrenheit 11 de Setembro
Fahrenheit 9/11

Dirigido por Michael Moore.

Se você costuma acompanhar meus artigos, sabe que tenho uma antipatia especial pelo governo Bush, que já critiquei em minhas análises sobre Tiros em Columbine, Osama, Poder de Fogo, As Invasões Bárbaras e até mesmo O Dia Depois de Amanhã. Assim, já seria de se esperar que um filme crítico a esta gestão teria grandes chances de me agradar – como, de fato, agradou. O que talvez você não esperasse ler neste espaço é que, durante seus vinte minutos iniciais, Fahrenheit 11 de Setembro conseguiu me fazer sentir certa simpatia por George W. Bush. Uma coisa posso garantir: eu certamente não esperava por isso.

Explico: ao recapitular a trajetória política de Bush Jr., o cineasta Michael Moore reúne uma série de imagens de arquivo que deixam evidente o desejo sempre presente do sujeito em seguir as pegadas do pai, o ex-presidente George H. Bush. Infelizmente para Júnior, seu Q.I. nunca foi dos maiores e, assim, todas as suas empreitadas comerciais resultavam em fracasso – e até mesmo depois de `eleito` presidente (em um processo repleto de irregularidades), Bushinho se encarregou de destruir a economia norte-americana, de perder o controle do Congresso para os Democratas e de provocar uma queda vertiginosa em sua própria popularidade. Ainda assim, agindo como um adolescente irresponsável, ele preferia ignorar os problemas e ir pescar em seu rancho, chegando a passar nada menos do que 42% de seus oito primeiros meses de mandato em férias. E que tipo de explicação ele fornecia quando alguém questionava sua ausência de Washington? `Eu estou trabalhando em algumas coisas!`. Ora, até uma criança de sete anos de idade conseguiria dar uma resposta melhor – e esta sua imaturidade emocional e intelectual é refletida até mesmo em sua risada desengonçada. E é por isso que, ao vê-lo visivelmente confuso e assustado ao ser informado sobre os ataques de 11 de Setembro, senti pena do sujeito: naquele momento, ele parecia um moleque que, sozinho em casa, amedronta-se ao perceber que alguém arrombou a porta da sala.

Infelizmente, esta imagem de `pobre ingênuo` se desfaz a partir do momento em que Bush constata que aquele ataque foi a melhor coisa que poderia ter lhe acontecido: de presidente medíocre, ele pôde se transformar em um cowboy perigoso que, no lugar de um .38, carrega em seu coldre um arsenal nuclear capaz de dizimar o planeta. Preocupado com os interesses de sua família e de seus amigos, Dubya (como ele é ironicamente chamado por alguns, já que é assim que pronuncia o `W` de seu sobrenome) passou a investir em uma autêntica `cultura do medo`, utilizando a mídia para incutir na mente dos americanos a necessidade `vital` de apoiarem seu `líder` em todos os momentos – e, sob a desculpa esfarrapada de manter o `Inimigo` no escuro, o sujeito chegou ao absurdo de tentar sabotar comissões formadas para investigar os atentados terroristas.

Sem economizar golpes, Michael Moore ilustra, em Fahrenheit 11 de Setembro, a longa relação comercial entre a família de Bush e a de Osama bin Laden – uma parceria tão complexa que, por incrível que pareça, o terrorista ainda conseguiu lucrar com os investimentos feitos pelo governo americano em novos aparatos de defesa... contra o terrorismo! Além disso, o diretor aniquila a retórica belicista de Dubya ao revelar que, ao mesmo tempo em que pregava a necessidade de enviar mais tropas para a guerra, o hipócrita era capaz de propor cortes nos salários dos militares, como se esperasse que eles morressem sem incomodá-lo muito.

Mas o filme não se limita a expor as falhas de caráter (perdoem-me pelo eufemismo) de George W. Bush: toda a corja que o cerca é impiedosamente dissecada por Moore, de Donald Rumsfeld (um canalha mentiroso capaz de inventar disparates sobre o Iraque a fim de justificar o bilionário orçamento de sua pasta) ao vice-presidente Dick Cheney, cujas ligações empresariais foram beneficiadas pelo novo governo implantado pelos americanos no Afeganistão. Aliás, somente um governo repleto de figuras sombrias como estas teria o sangue-frio de criar algo tão hediondo quanto o infame Ato Patriótico, que, na prática, transformou os Estados Unidos em uma `república das bananas`, capaz até mesmo de reprimir cidadãos cujo único crime foi criticar o presidente.

Porém, o segmento mais importante de Fahrenheit 11 de Setembro é aquele que conta com imagens feitas no Iraque e que mostram as conseqüências dos bombardeios autorizados por Bush: habituado a ouvir notícias diárias sobre `baixas civis` e `danos colaterais`, o povo americano (melhor: o mundo) precisava ver a realidade por trás daquelas palavras: bebês mortos, famílias destruídas e o sofrimento de inocentes. Assim, quando alguém pergunta `Por que os iraquianos nos odeiam, já que estamos querendo apenas ajudá-los?`, a indagação torna-se reflexo da ignorância daquele que a fez, e não da suposta `ingratidão` do povo do Iraque – afinal, a pergunta certa deveria ser: `Como não odiar-nos?`. Neste sentido, cada cidadão norte-americano deveria se sentir tão envergonhado quanto aqueles soldados desprezíveis que acham `um barato` aniquilar vidas inocentes enquanto escutam um rock pesado em seus rádio-transmissores. Aquele não é um crime apenas de Bush, mas de todos que ficaram calados enquanto este fazia seus discursos vazios na televisão ou que compraram um CD de Britney Spears mesmo depois de ouvi-la defender o presidente enquanto mascava seu chicletinho e usava seu colarzinho egocêntrico com um pingente em forma de `B` (e antes que alguém diga que estou sendo cruel com a `pobre` cantora, defendo-me: como ídolo teen, ela deveria saber que suas palavras influenciam um grande número de pessoas - não me perguntem por quê - e, portanto, deveria ter muito mais cuidado antes de falar sobre assuntos sobre os quais obviamente nada entende).

Provando ser capaz de enxergar os defeitos de seus próprios `aliados`, Moore ainda volta sua lente para o Partido Democrata, cuja covardia recorrente representa uma das maiores armas dos Republicanos: onde estavam os liberais, por exemplo, quando diversos congressistas levantaram suas vozes contra a `eleição` de Bush? Como o filme explica, bastava a assinatura de um senador para que o processo fosse oficialmente contestado e, no entanto, ninguém se ofereceu para apoiar a causa – nem mesmo John Kerry, que hoje disputa a presidência com o mesmo George W. Bush. Não é à toa que os democratas são um alvo tão fácil para as inescrupulosas armadilhas republicanas, como retrata tão bem o ótimo documentário The Hunting of the President.

Mostrando-se bem mais contido do que em seus trabalhos anteriores, Michael Moore procura se manter fora da tela, limitando sua participação à ácida locução que atravessa o filme – e mesmo quando surge em cena, organizando seus irreverentes protestos, o diretor exibe uma postura bastante diferente daquela que o popularizou em filmes como Roger & Eu e Tiros em Columbine, o que talvez seja um reflexo das fortes críticas que recebeu após seu histérico discurso durante o Oscar 2003. (De todo modo, os fãs do bom humor do cineasta não ficarão desapontados: Fahrenheit 11 de Setembro é repleto de momentos engraçadíssimos.)

É uma pena que, apesar de sua importante missão (impedir a reeleição de Bush), o longa falhe em apresentar novas evidências contra o genocida: tudo o que aparece ao longo da projeção já foi discutido, em um momento ou outro, pela mídia internacional ou pelo último livro de Moore, Cara, Cadê Meu País?. Além disso, ao assumir uma posição excessivamente panfletária, pouco objetiva, Fahrenheit 11 de Setembro pode afastar justamente aqueles que mais deveriam assisti-lo: os eleitores indecisos e aqueles que simpatizam com Bush. Ao contrário de Tiros em Columbine, este novo trabalho do diretor opta pela pregação em vez de simplesmente procurar estimular o debate – e assim, mesmo que suas afirmações sejam verdadeiras e relevantes, há o risco de que sejam atribuídas ao desprezo que Moore sente por Dubya, quando, na realidade, são apenas uma questão de justiça e de bom senso.
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30 de Julho de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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