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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
25/02/2011 01/01/1970 2 / 5 / 5
Distribuidora

Desconhecido
Unknown / Unknown White Male

Dirigido por Jaume Collet-Serra. Com: Liam Neeson, Diane Kruger, January Jones, Sebastian Koch, Aidan Quinn, Bruno Ganz, Frank Langella.

Nos últimos anos, o ator irlandês Liam Neeson vem investindo especialmente em dois tipos de papéis: o do guru repleto de saber (Batman Begins, As Crônicas de Nárnia e, voltando um pouco mais, Star Wars: A Ameaça Fantasma) e o de herói de ação de meia-idade (Busca Implacávele Esquadrão Classe A) – e é nesta segunda categoria que este Desconhecido se encaixa, alcançando um resultado ligeiramente superior aos de seus companheiros embora, ainda assim, seja o tipo de filme que, ao acabar, deixa no espectador a sensação de “o que foi que eu acabei de ver mesmo?”.

Escrito por Oliver Butcher e Stephen Cornwell a partir do livro de Didier Van Cauwelaert, o roteiro divide importantes características de sua trama principal com o jovem clássico Busca Frenética(e só): chegando a uma cidade com a qual não está familiarizado e cuja língua não compreende bem, o doutor Martin Harris (Neeson) é acompanhado pela esposa Liz (Jones) enquanto se prepara para dar uma palestra em uma convenção. Depois que uma confusão envolvendo sua maleta o obriga a retornar ao aeroporto, ele sofre um acidente e permanece em coma durante quatro dias, descobrindo, ao recobrar a consciência, que um impostor (Quinn) parece ter assumido seu lugar. Auxiliado por uma bela jovem que acabou de conhecer (Kruger), ele passa a ser perseguido enquanto percebe estar no meio de uma perigosa conspiração.

Os temas da “identidade trocada”, do “homem errado” e da “conspiração misteriosa” já renderam, claro, diversas obras de qualidade no Cinema – e Hitchcock, por exemplo, construiu sua carreira brincando com elementos do gênero. No entanto, se o diretor britânico investiria num suspense cuidadoso capaz de deixar o espectador agarrado à poltrona, o cineasta espanhol Jaume Collet-Serra opta por apostar na ação contínua, acreditando que as seqüências de lutas e tiroteios, bem como as perseguições de carro repletas de planos-detalhe de velocímetros e de mudanças de marcha, serão o bastante para manter a atenção de seu público – e de certa forma são, embora também garantam que o filme se estabeleça como um passatempo esquecível.

Responsável pelos medíocres A Casa de Cera (aquele que tentou transformar Paris Hilton em atriz) e A Órfã (aquele que tentou transformar nossos cérebros em pudim), Collet-Serra desta vez não pode ser responsabilizado pelos problemas do longa, já que, do ponto de vista técnico, Desconhecido demonstra relativa competência: os planos inclinados e a câmera subjetiva pontual evocam a atmosfera de incerteza e paranóia do protagonista; a câmera na mão e os cortes rápidos conferem certa tensão à ação; os flashbacks granulados e desfocados ilustram a memória confusa do herói; e os sons abafados aqui e ali estabelecem a exaustão do sujeito. Não há grandes esforços narrativos por parte do diretor, é verdade, mas ele faz o arroz-com-feijão básico que transforma o longa numa experiência relativamente indolor, mesmo que, vez por outra, acabe cometendo erros grosseiros – como o vilão que, depois de observar pela janela de um prédio os heróis se afastando de carro, subitamente surge diante deles algumas quadras depois, num feito que provocaria inveja no Papa-Léguas.

Ainda assim, é mesmo o roteiro de Butcher e Cornwell que compromete mais o filme: como justificar, por exemplo, que Martin seja facilmente liberado do hospital depois de quatro dias em coma mesmo sem ter documento algum – nem mesmo um passaporte que permita sua estada no país? E por que a polícia jamais é vista mesmo quando o herói e os vilões aparentemente tentam destruir Berlim? Além disso, não é excessivamente conveniente que, ao final de uma perseguição, o casal principal se veja diante de uma boate cujo porteiro é coincidentemente amigo da taxista vivida por Kruger? E o mais importante: que tipo de amnésia é esta que acomete Martin, já que ele parece se lembrar do suficiente para se meter em confusões, mas jamais de detalhes importantes que esclareçam a situação? (Resposta: o termo técnico é “memória seletiva de roteirista picareta”.)

Claro que estas não são as únicas perguntas despertadas pelo roteiro, já que, durante a projeção, somos levados a questionar por que ninguém tenta verificar com cuidado a identidade de Martin através da Internet em vez de se limitar a uma única e facilmente manipulável página (e dizer que há “400 mil Martin Harris” não é desculpa, já que basta adicionar o termo “biotecnologia” para reduzir consideravelmente os resultados)? E como os dois “Martin Harris” (Neeson e Quinn) podem dizer exatamente as mesmas frases enquanto tentam convencer o cientista vivido por Koch acerca de suas identidades? E não é (mais uma vez) conveniente demais que uma das únicas lembranças de Harris – a foto tirada com a esposa no colo – seja exatamente aquela confrontada por um retrato? Sim, algumas destas últimas perguntas acabam sendo respondidas ao final do terceiro ato, mas várias outras acabam surgindo em seu lugar – e, além disso, as respostas só fazem sentido se aceitarmos que são idiotas e absurdas, ainda que divertidas.

Exibindo o carisma de sempre, Liam Neeson cria um protagonista vulnerável e corretamente confuso, embora não possa fazer muito mais do que isso, formando um bom par com Diane Kruger, que é sempre um colírio (mesmo que limitada como atriz). Enquanto isso, January Jones (da série Mad Men) surge absurdamente inexpressiva, como se tivesse decidido compor sua personagem como uma mulher cujo rosto foi mergulhado numa bacia de botox, ao passo que Aidan Quinn, que andava sumido, continua desaparecido, já que aqui pouco tem a fazer. Desta maneira, o destaque fica por conta dos veteranos Bruno Ganz e Frank Langella, que elevam o filme sempre que se encontram em cena – e a conversa protagonizada pelos dois em uma pequena sala representa sem dúvida alguma o ponto alto da narrativa (e o fato de não envolver o protagonista é o sinal inequívoco da fragilidade do longa).

Parcialmente salvo pelas revelações (repito: absurdas, mas divertidas) do terceiro ato, Desconhecido é um projeto que talvez fizesse mais sentido caso trouxesse alguém como Jean-Claude Van Damme, Cuba Gooding Jr., Dolph Lundgren ou Wesley Snipes no papel principal. Em outras palavras: embora talentoso, Liam Neeson está começando a se afastar do território de “astro do Cinema” e a se aproximar do perigoso limbo dos “atores de produções lançadas diretamente em DVD”.

Talvez seja hora de encontrar um guru como aqueles que se especializou em interpretar nas telonas.

25 de Fevereiro de 2011

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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