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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
20/03/2009 01/01/1970 2 / 5 4 / 5
Distribuidora

Gran Torino
Gran Torino

Dirigido por Clint Eastwood. Com: Clint Eastwood, Bee Vang, Ahney Her, Christopher Carley, John Carroll Lynch, Brian Haley, Geraldine Hughes, Brian Howe, Dreama Walker.

Não deixa de ser curioso que Gran Torino, novo filme de Clint Eastwood, estréie nos cinemas brasileiros ao lado de The Spirit, já que ambos são vitimados por um problema similar: tons conflitantes em suas narrativas que acabam prejudicando irremediavelmente seus esforços. Pois se Frank Miller não consegue se decidir entre o camp e o noir, ficando num meio-termo bizarro e ineficaz, Eastwood parece se atrapalhar entre a vontade de contar uma história protagonizada por uma versão envelhecida de seu Dirty Harry e outra na qual aparentemente interpreta o pobre Sr. Wilson, vizinho e vítima de Dennis, o Pimentinha (e que no cinema ganhou o rosto de Walter Matthau).


Escrito por Nick Schenk a partir de história concebida ao lado de Dave Johannson, o roteiro tem início com o velório da esposa de Walt Kowalski (Eastwood), um veterano da Guerra da Coréia que mal consegue conter a repulsa diante dos piercings e dos modos de seus jovens netos – uma postura crítica que também fez com que seus próprios filhos passassem a encará-lo com frieza e distanciamento. Agora vivendo sozinho em sua casa situada num bairro tomado por imigrantes asiáticos (que ele despreza), Walt acaba se aproximando de dois adolescentes hmong (uma etnia originária do sudeste da Ásia) quando estes se vêem no meio de um conflito entre duas gangues locais.

Levando ao extremo os tipos mal-humorados que se habituou a interpretar e que se tornaram especialmente marcantes neste terceiro ato de sua fértil carreira como ator e diretor, Eastwood encarna Walt não apenas como um velho irritadiço, mas como uma quase caricatura, já que mantém a expressão congelada num misto de repulsa e desprezo por tudo que o cerca ao mesmo tempo em que parece se comunicar apenas através de grunhidos. Sim, grunhidos - como se fosse um personagem de animação. Aliás, confesso que, ao ouvir o sujeito ordenando que os vizinhos saíssem de cima de seu gramado, não pude deixar de pensar no velhinho de A Casa Monstro, o que obviamente não é um bom sinal em um longa carregado de propósitos dramáticos. Da mesma maneira, Eastwood (ator e diretor) força o tom dos comentários racistas feitos por Walt com o claro propósito de torná-los inócuos através do exagero, levando o espectador não a repudiar o preconceito do protagonista, mas a rir de sua falta de tato – o que acaba funcionando. Neste sentido, a performance do veterano ator é inteligente justamente por conseguir transformar uma criatura repulsiva como Walt num ser que parece ser apenas ranzinza (quando é muito mais do que isso) – e quando a câmera se aproxima do sujeito num rápido travelling, quando este se encontra prestes a explodir diante dos presentes ofensivos do filho, fica difícil negar que o cineasta tenha realmente propósitos cômicos em mente.

Mas é aí que Walt começa a tossir sangue (um clichê cujo significado todos conhecemos) e a estabelecer um relacionamento com a jovem Sue (Her), dando as costas de vez aos seus elementos de comédia e mergulhando num drama frágil que remete diretamente à dinâmica entre o treinador Frankie e a boxeadora Maggie em Menina de Ouro – e, a partir daí, a narrativa se torna cada vez mais artificial, já que a amizade entre o velho xenófobo e a jovem de família imigrante se desenvolve de maneira rápida demais: em um momento, Walt olha para a garota e seu irmão Thao (Vang) com desconfiança e nojo; no segundo seguinte, já está oferecendo conselhos românticos ao rapaz e sendo chamado de “Wally” pela moça. Para piorar, Eastwood exagera na ironia de cenas como aquela em que a neta do protagonista pergunta se poderá ficar com seu carro(-título) quando ele morrer (numa obviedade ofensiva), perdendo a mão também ao estender-se excessivamente na cena em que Walt tenta ensinar Thao a “falar como homem”.

Como se não bastasse, Gran Torino conta com um dos piores elencos com os quais o diretor já trabalhou: do péssimo Christopher Carley, que não consegue dizer uma única fala do padre Janovich com convicção, à caricata Dreama Walker, que transforma a neta de Walt numa piada ambulante, o longa é constantemente sabotado por suas terríveis performances. Mas nada é pior, porém, do que as “atuações” dos estreantes Bee Vang e Ahney Her: enquanto o primeiro transforma Thao num quase deficiente mental, a segunda realiza a façanha de não conseguir sequer andar de maneira natural. E se o restante do elenco secundário é obrigado a encarnar estereótipos da cultura oriental, ao menos o sempre confiável John Carroll Lynch não se embaraça em suas poucas cenas como o barbeiro amigo do protagonista.

E é então que chegamos ao terceiro ato da projeção e Clint Eastwood revela as verdadeiras intenções melodramáticas da história que está contando (e não leia o restante deste parágrafo caso ainda não tenha assistido ao filme): neste ponto, compreendemos por que Walt está “condenado” pela Medicina, já que sua saúde precária é utilizada para amenizar o choque de seu sacrifício e para impedir que o espectador saia do cinema muito deprimido. Para piorar, o roteiro apela para o absurdo a fim de construir o confronto do clímax, já que não há razão alguma para que os policiais forcem o padre Janovich a abandonar sua vigília – a não ser, claro, a simples necessidade de permitir que Walt se aproxime da casa dos marginais sem ser interceptado. E o que dizer da cena em que o advogado do herói, ao ler seu testamento, cria um suspense ridículo ao fazer uma longa pausa antes de revelar quem ficará com o Gran Torino?

Chega a ser incompreensível que o mesmo cineasta responsável por obras tão sólidas quanto Sobre Meninos e Lobos, Cartas de Iwo Jima e Menina de Ouro também consiga criar obras absurdamente falhas como Dívida de Sangue, Poder Absoluto e, claro, este decepcionante Gran Torino.

 Observação: o jovem de boné que acompanha Sue em certa cena e acaba sendo intimidado por três marginais é interpretado por Scott Eastwood, filho de Clint.

 20 de Março de 2009

 

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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