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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
12/10/2007 08/02/2007 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
140 minuto(s)

Piaf - Um Hino ao Amor
La Môme / La Vie en Rose

Dirigido por Olivier Dahan. Com: Marion Cotillard, Sylvie Testud, Pascal Greggory, Emmanuelle Seigner, Jean-Paul Rouve, Jean-Pierre Martins, Manon Chevallier, Pauline Burlet, Marie-Armelle Deguy, Marc Barbé e Gérard Depardieu.

Mais uma cinebiografia de um ícone da música, Piaf – Um Hino ao Amor vem juntar-se a filmes como Ray, Johnny & June, Cazuza e The Doors no rol de produções que, apesar de inegavelmente falhas, trazem atuações absolutamente inesquecíveis de seus protagonistas – e arrisco-me a dizer (embora seja cedo para previsões deste tipo) que a jovem atriz francesa Marion Cotillard é um nome certo entre as indicadas ao prêmio de Melhor Atriz no Oscar, Globo de Ouro e demais eventos do gênero que acontecerão entre dezembro de 2007 e fevereiro de 2008.

Escrito por Isabelle Sobelman e pelo cineasta Olivier Dahan, o roteiro resgata alguns dos principais momentos da vida da cantora Edith Piaf, cuja trajetória neste planeta é repleta de incidentes potencialmente cinematográficos: abandonada pela mãe cantora, a pequena Edith é levada pelo pai para morar com a avó cafetina, tornando-se protegida das prostitutas locais. Depois de enfrentar uma cegueira temporária, ela vai morar num circo com o pai contorcionista e, mais tarde, torna-se cantora de rua. Encontrando o sucesso de forma quase inesperada, ela não deixa de levar uma existência conturbada graças aos seus amores impossíveis e sua dependência do álcool e da morfina.

Encabeçando um elenco que conta também com um Gérard Depardieu caloroso como improvável figura paterna, Cotillard oferece uma daquelas performances que já nascem lendárias, a começar por seu impecável trabalho de expressão corporal: 22 centímetros mais alta do que a diminuta Piaf, a atriz consegue a proeza de encolher em cena, assumindo a postura nem sempre elegante da cantora com suas costas encurvadas e, posteriormente, assimilando também o gestual marcante da personagem. Fazendo muito mais do que uma simples imitação, Cotillard captura a insegurança esperada em uma mulher que, durante boa parte da juventude, passou por graves dificuldades financeiras e de saúde – e, assim, em suas primeiras apresentações públicas, a cantora olha temerosa para a platéia, como se esperasse por uma chuva de tomates e ovos (e observem como ela esbarra desajeitadamente no microfone, denunciando sua falta de intimidade com o palco). Aos poucos, porém, Piaf converte-se numa diva repleta de vontades e exigências, tornando-se absolutamente segura de seu talento - e mesmo quando já se encontra com a saúde debilidade, a fragilidade em sua voz desaparece assim que se encontra diante do microfone, o que é notável.

Auxiliada pelo brilhante trabalho de maquiagem feito por Didier Lavergne (responsável pelo visual de Ben Kingsley em Oliver Twist), Marion Cotillard envelhece de maneira espetacular diante de nossos olhos, num trabalho de composição que me fez lembrar do velho Salieri vivido por F. Murray Abraham em Amadeus. Aliás, mesmo nas seqüências em que retrata a juventude da cantora, Cotillard tem sua beleza disfarçada por Lavergne, que aumenta a testa da atriz e utiliza próteses para tornar sua arcada dentária superior mais proeminente, já que Piaf não era a mais bela das mulheres. Da mesma maneira, o diretor de fotografia Tetsuo Nagata reforça o efeito em determinados momentos, como ao mergulhar o rosto da moça em sombras pouco lisonjeiras na cena em que ela se apresenta pela primeira vez para o personagem de Depardieu (Nagata também acerta nos tons frios e dessaturados das seqüências que narram a juventude miserável de Edith e que se tornam mais quentes à medida que ela ganha prestígio – retornando à falta de cores intensas em sua fase final).

Infelizmente, todas as virtudes técnicas e as ótimas atuações acabam sendo irremediavelmente boicotadas pela estrutura narrativa caótica adotada por Olivier Dahan, que, talvez com o intuito de criar contrastes instantâneos entre a juventude vivaz de Piaf e sua deprimente decadência, investe numa cronologia excessivamente fluida que, com saltos ilógicos no tempo (que podem ser de dias, meses ou anos), consegue apenas impedir que o espectador crie uma identificação maior com a protagonista, já que esta surge diferente de um momento para outro. Para piorar, Dahan não se preocupa com as várias pontas soltas que esta estrutura deixa para trás: o que realmente aconteceu com “papai” Leplée? Como a briga com Simone (Testud, ótima) é resolvida, já que, depois de manifestar sua intenção de se afastar de Edith, ela ressurge pouco depois como se nada tivesse acontecido? E, por falar em Simone, por que o filme jamais revela que esta era meia-irmã de Piaf? Aliás, ainda mais grave: por que as atividades da protagonista durante a Segunda Guerra são solenemente ignoradas, já que representam um dos pontos mais discutidos de sua vida (alguns alegam que ela era “cordial” demais com os alemães; outros – a maioria – afirmam que ela ajudou a Resistência francesa)?

Porém, o equívoco mais grave de Piaf – Um Hino ao Amor (este subtítulo brasileiro faz referência a uma de suas canções mais famosas) diz respeito à desonestidade com que o filme lida com um fato importantíssimo da biografia da cantora: a curta vida de sua filha Marcelle, morta aos três anos de idade. Provavelmente temendo que o descaso de Piaf para com a menina acabasse afastando o espectador, o cineasta mantém a informação em segredo, jogando-a casualmente na narrativa apenas quando esta já se encontra próxima ao fim – numa insinuação ofensivamente frágil de que talvez Marcelle fosse o “Rosebud” de Edith Piaf, explicando suas ações e seu desequilíbrio emocional.

Mas é lamentável que, mesmo redimindo-se parcialmente graças ao belo plano-seqüência de quatro minutos de duração que acompanha Edith enquanto esta recebe uma notícia particularmente trágica (e que termina em uma nota poética ao introduzir uma de suas mais lindas canções), Piaf – Um Hino ao Amor acabe funcionando mais como atestado do talento de sua protagonista, Marion Cotillard, do que como um tributo digno da magnífica cantora que esta interpreta.

11 de Outubro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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