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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/03/2008 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora

Ponto de Vista
Vantage Point

Dirigido por Pete Travis. Com: Dennis Quaid, William Hurt, Forest Whitaker, Matthew Fox, Sigourney Weaver, Eduardo Noriega, Bruce McGill, Edgar Ramirez, Saïd Taghmaoui, Zoe Saldana, Ayelet Zurer, Alicia Zapien.

 

Apesar das inúmeras comparações com o clássico Rashômon, dirigido em 1950 pelo mestre Akira Kurosawa, Ponto de Vista está mais para filmes como Nove Vidas e Magnólia (mas sem o brilhantismo destes), já que depende muito mais do entrecruzamento de personagens (e de suas subtramas) do que das interpretações que cada um deles faz dos mesmos acontecimentos: afinal, enquanto os personagens-testemunhas do longa de Kurosawa se confrontavam justamente por apresentarem versões diferentes para o mesmo incidente, aqui o problema reside no fato de que cada indivíduo possui apenas uma parte do quebra-cabeça – e somente quando descobrimos o que todos sabem é que conseguimos compreender o que realmente ocorreu. Aliás, considerando que a maior parte destas descobertas é feita através de imagens gravadas em vídeo, a subjetividade tão importante em Rashômon já é descartada de cara, já que, ao contrário dos seres humanos, a câmera não mente jamais.

 

Escrita pelo estreante Barry Levy, a história é ambientada em Salamanca, na Espanha, onde o presidente dos Estados Unidos (Hurt) participará de uma importante conferência anti-terrorismo. Vaiado pela população local, que carrega cartazes que o acusam der ser o “terrorista número 1 (numa referência clara à Bush Jr.), o presidente sobe no palco montado na bela Plaza Mayor e acaba sendo atingido por dois tiros. Enquanto os agentes do Serviço Secreto tentam localizar o atirador, uma explosão é ouvida à distância e, logo depois, uma bomba é detonada sob o palco, causando imenso caos. Determinado a encontrar o responsável pelo atentado, o veterano agente Thomas Barnes (Quaid) se dirige ao caminhão no qual funciona o switcher (sala de controle) de uma emissora norte-americana e, num dos monitores, vê algo que o faz sair em disparada. Neste instante, a narrativa retrocede 23 minutos e passamos a acompanhar os eventos a partir do ponto de vista de outro personagem – num processo que se repetirá mais cinco vezes ao longo da projeção.

 

Interessante como conceito narrativo, a estrutura adotada por Ponto de Vista infelizmente revela-se falha em sua execução. Para início de conversa, o roteiro busca contornar sua natureza obviamente episódica ao incluir pequenas reviravoltas no fim de cada “capítulo”, como num livro de Dan Brown – e o problema é que, no processo, acaba traindo seu próprio conceito, já que nega ao espectador informações cruciais que deveriam logicamente ser reveladas sob o ponto de vista dos personagens que funcionam como referência em cada “episódio”. Assim, o longa se transforma num similar de literatura barata justamente por não confiar na força de sua própria estrutura, revelando gradualmente uma trama que, apesar de se acreditar surpreendente, é bem mais óbvia do que deveria.

 

Da mesma maneira, Levy falha ao não criar justificativas relevantes para a presença da maioria dos personagens: nada do que o turista vivido por Forest Whitaker testemunha, por exemplo, é realmente importante para a compreensão do plano dos terroristas – e toda a subtrama envolvendo a garotinha Anna é absolutamente dispensável, servindo apenas para criar um drama rasteiro e irritante. Como se não bastasse, o roteiro depende excessivamente da capacidade dos personagens de encontrarem uns aos outros no meio de uma multidão composta por milhares de pessoas: o policial Enrique (Noriega) vê a namorada (Zurer) em um momento-chave; Whitaker percebe que Anna corre o risco de ser pisoteada durante a confusão que antecede a explosão; e Quaid parece ter um radar natural ao perseguir um dos vilões. Mas o mais frustrante, em Ponto de Vista, é constatar a propensão de Levy em resolver os problemas do roteiro através de coincidências que se apresentam cada vez mais implausíveis – e o clímax da narrativa chega a reunir praticamente todos os personagens num mesmo ponto da cidade, o que é no mínimo absurdo.

 

Ainda assim, o filme se mostra eficiente como thriller graças à boa direção do estreante Pete Travis: demonstrando talento especialmente ao criar um clima crescente de confusão à medida que os ataques terroristas vão se intensificando, Travis encara um desafio complicado já em seu primeiro trabalho como cineasta, já que manter a coesão da narrativa em seus vários saltos cronológicos não é uma tarefa fácil – e, apesar de seus vários problemas, Ponto de Vista definitivamente não é um filme confuso. Além disso, ele se sai admiravelmente bem na longa e intensa seqüência de perseguição que ocorre no terceiro ato, embora (sejamos honestos) isto provavelmente se deva mais à experiência do diretor de segunda unidade, Spiro Razatos, que tem um vasto currículo justamente nesta área (seus créditos incluem O Implacável, Alta Velocidade, Bad Boys 2 e Ricky Bobby: A Toda Velocidade).

 

Surgindo como o integrante do elenco com mais tempo na tela, Dennis Quaid conseqüentemente também se estabelece como o único com chance de criar um personagem mais desenvolvido: balançado pela experiência recente de ter sido alvejado ao defender o Presidente, Barnes retorna ao serviço ainda com certa insegurança, o que o leva a demonstrar zelo excessivo ao mesmo tempo em que se questiona sobre a própria paranóia (observem como ele hesita antes de transmitir certa informação pelo rádio). Infelizmente, os esforços do roteiro para criar uma figura tridimensional param por aí, já que logo Barnes se transforma num sujeito aparentemente indestrutível ao sobreviver a tiros, explosões e batidas de automóvel – e a observação dos tremores das mãos do agente é o mais próximo que o filme chega de um arco dramático. Enquanto isso, Sigourney Weaver aparece em uma participação que se revela pouco mais do que uma ponta, sendo tão desperdiçada quanto William Hurt, Forest Whitaker e Eduardo Noriega, que mereciam papéis dignos de seus talentos.

 

Tentando fazer um comentário político crítico sobre arrogância e a falta de visão do governo Bush, que desperdiçou a solidariedade mundial no pós-11 de Setembro ao investir numa campanha bélica estúpida, Ponto de Vista volta a tropeçar ao tentar transformar o Presidente vivido por Hurt em uma versão de Bush Jr. (ele é odiado pelo mundo) ao mesmo tempo em que o retrata como um indivíduo sensato e íntegro (algo necessário para que torçamos por ele) – o que resulta num amálgama contraditório e nada convincente.

 

Por sorte, a curta duração e o ritmo constantemente frenético do filme mantêm o espectador atento e interessado, mesmo que o objeto de tanta atenção não faça muito sentido em retrospecto.

 

Observação: ao longo da projeção, a interjeição “Christ!” foi traduzida para o português como “Credo!” e “Cruzes!” – uma mais ridícula do que a outra. Qual seria o problema com o literal “Cristo!”?

 

15 de Março de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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