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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
30/05/2008 01/01/1970 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
144 minuto(s)

As Crônicas de Nárnia: Príncipe Caspian
The Chronicles of Narnia: Prince Caspian

Dirigido por Andrew Adamson. Com: William Moseley, Ben Barnes, Georgie Henley, Skandar Keynes, Anna Popplewell, Sergio Castellitto, Peter Dinklage, Warwick Davis, Vincent Grass, Pierfrancesco Favino, Damián Alcázar e Tilda Swinton. Com as vozes de Liam Neeson, Eddie Izzard e Ken Stott.

Ao contrário da atmosfera inofensiva do primeiro As Crônicas de Nárnia, lançado em 2005, este Príncipe Caspian certamente ganha pontos por criar um tom mais urgente, de tensão, em determinados momentos de sua narrativa. Porém, não é apenas o clima de perigo que se tornou mais intenso neste segundo capítulo; a própria alegoria cristã supostamente presente nos livros de C.S. Lewis (que não li) surge de maneira infinitamente mais óbvia desta vez, transformando a relação entre os quatro jovens heróis e o leão Aslan numa pequena e válida discussão sobre a natureza da Fé.

Escrito por Christopher Markus, Stephen McFeely e pelo diretor Andrew Adamson (também responsáveis pelo filme anterior; a quarta roteirista daquele projeto, Ann Peacock, não retornou), Príncipe Caspian tem início um ano depois do retorno dos irmãos Pevensie a Londres. Certo dia, enquanto se encontram numa estação do metrô, eles são novamente transportados a Nárnia e descobrem que mil anos se passaram naquele universo e que todos os seus velhos amigos agora se encontram mortos. E pior: Nárnia foi conquistada pelos Telmarines, cujo novo líder, o cruel Rei Miraz (Castellitto), pretende matar o justo príncipe Caspian (Barnes) e exterminar de vez as criaturas mágicas que antes dominavam aquele mundo.

Infelizmente, um dos pontos fracos do longa original, resultado de um grave erro de julgamento dos produtores, mostra-se intocável nesta continuação: a falta de carisma do elenco principal, que, ao contrário do trio de protagonistas da franquia Harry Potter (para citar uma série similar), jamais consegue transformar os personagens em figuras realmente interessantes ou multidimensionais. Em vez disso, o que vemos são modelos de comportamento que visam torná-los mais complexos, mas sem sucesso – e se antes as brigas entre Pedro e Edmundo davam o tom da dinâmica entre os irmãos, a função agora é transferida para os confrontos entre Pedro e Caspian, que servem apenas para ressaltar a natureza antipática, arrogante e imatura do primeiro. E se considerarmos que Pedro deveria supostamente surgir como grande herói do filme, o problema se revela grave – e a falta de expressividade do ator William Moseley impossibilita qualquer reversão deste quadro.

Por outro lado, o veterano italiano Sergio Castellitto consegue uma verdadeira proeza: evitar que o vilão Miraz se transforme numa caricatura grotesca, conferindo ao sujeito um sentimento de vulnerabilidade e insegurança que o tornam mais humano, além de, claro, jamais tentar estabelecer sua maldade através de caretas antipáticas ou gritos insistentes – e para testemunhar como este tipo de papel geralmente dá origem a performances embaraçosas, basta vermos os trabalhos dos geralmente talentosos Brian Cox e Stellan Skarsgård em Tróia e Rei Arthur, respectivamente. Enquanto isso, o sempre ótimo Peter Dinklage confere intensidade e carisma ao anão Trumpkin mesmo sob os quilos de maquiagem que, ao menos, não conseguem ocultar seu olhar sempre forte. E se o trabalho vocal feito por Eddie Izzard, Ken Stott e Liam Neeson se revelam apropriados, ainda mais impressionantes se revelam os efeitos visuais utilizados para trazerem seus personagens à vida, já que o rato duelista, o texugo sensato e o leão divino são criaturas absolutamente verossímeis em seus movimentos, expressões faciais e na forma com que articulam as palavras.

Menos bem-sucedida, porém, é a tentativa de encontrar um equilíbrio entre toda a violência exigida pela história de Lewis e o desejo de alcançar uma censura leve para o projeto. O resultado é no mínimo estranho: vemos espadas atravessando corpos sem deixar qualquer vestígio de sangue; flechas que derrubam soldados de maneira estranhamente asséptica; e, claro, um rato assassino que aparentemente mata seus inimigos apenas ao saltar sobre estes (sempre depois de fazer uma piadinha, claro). Com isso, Príncipe Caspian acaba se tornando um exemplo perigoso para o público mais jovem, já que parece transmitir a idéia de que toda aquela violência não traz conseqüências reais – e, neste sentido, o filme se torna ainda mais reprovável ao insistir na imagem trágica de crianças envolvendo-se em batalhas e matando inúmeros oponentes (lembrem-se de que, no original, ainda víamos Papai Noel presenteando os pequenos com armas). Para piorar, o longa claramente justifica os atos assassinos de seus jovens heróis ao apresentá-los como algo honroso, já que os inimigos Telmarines são obviamente um povo “infiel” que merece a punição.

Mas se o aspecto de “cruzada” já seria suficiente para estabelecer uma relação entre os acontecimentos de Príncipe Caspian e a história da religião no mundo (e de todas as incontáveis mortes já provocadas “em nome da Fé”, seja esta qual for), o caráter religioso – especificamente cristão – do filme se torna ainda mais patente graças à maneira com que o leão Aslan é visto aqui: se, antes, sua presença o tornava uma figura palpável, “real”, seu distanciamento durante a maior parte desta continuação contribui para transformá-lo num ser realmente mítico, com aspectos de divindade. Não é à toa que Pedro lamenta, em certo ponto, por Aslan não lhe enviar mais “provas” de que continua presente – e, neste sentido, o filme propõe uma alegoria interessante sobre como, para os seguidores de uma religião, a Fé implica na simples devoção a um conceito puramente abstrato. É claro que, sendo um cristão tradicional, Lewis recompensa a crença de seus personagens com a prova definitiva de que esta foi bem aplicada, já que eventualmente o dublê leonino de Cristo representado por Aslan surge em carne, osso e pêlos para auxiliar seus seguidores.

A demora no retorno do personagem, porém, representa justamente um dos grandes problemas deste Príncipe Caspian: por que, afinal de contas, Aslan permite que a situação se torne tão grave e simplesmente não corre em auxílio de seus “Reis” como fizera antes? “As coisas nunca devem acontecer da mesma maneira duas vezes”, explica o leão ao ouvir exatamente esta indagação de Lúcia – e se a resposta foi suficientemente satisfatória para uma criança de nove ou dez anos, devo dizer que, sendo um pouquinho mais velho do que isso (mas não muito), mal pude acreditar na estupidez do argumento (e não deixa de ser irônico que Aslan repita a frase duas vezes, criando uma exceção imediata à sua regra imbecil). Ora, então ele deixa que praticamente todos os “narnianos” (“narnienses”?) sejam exterminados pelos Telmarines e que os aliados dos Pevensie sejam emboscados e mortos apenas em função de uma regra idiota que ele aparentemente criou apenas para exercer algum tipo de poder celestial? E seus seguidores ainda gritam “Por Aslan!” durante todas as batalhas?! Se eu estivesse naquele conflito, soltaria um “Foda-se Aslan!” gigantesco e imediatamente fundaria uma religião concorrente: a Igreja Septagonal do Reino de Nárnia, cobrando dízimos, vendendo CDs com músicas gospel e montando uma emissora de tevê para transmitir sermões sobre a bondade do Tigre Paxá.

Mas divago. De todo modo, Príncipe Caspian ao menos é eficiente em suas várias seqüências de ação, embora os inúmeros planos aéreos que enquadram os personagens cavalgando continuem a soar como uma cópia barata de O Senhor dos Anéis, estabelecendo uma comparação que, mais uma vez, apenas prejudica o filme (mas, aparentemente, cada fantasia tem o Peter Jackson que merece). Além disso, o compositor Harry Gregson-Williams continua a demonstrar uma alarmante tendência ao exagero, criando trilhas que buscam conferir importância excessiva a seqüências que não a merecem – algo que fica claro no “duelo” entre Edmundo e Trumpkin, que, claramente disputado num tom de quase brincadeira, ganha um tema inadequadamente pesado que tenta criar um suspense absurdo e estranho à lógica da cena. Como se não bastasse, o filme se revela longo, já que, em sua auto-indulgência, inclui até mesmo uma participação absolutamente dispensável da Feiticeira Branca (Swinton) do capítulo anterior.

Trapaceando ao criar um bom suspense envolvendo os Telmarines apenas para resolvê-lo de maneira artificial, Príncipe Caspian pode até acreditar que a maneira com que utiliza seu “Cristo com juba” é honesta (e, por favor, não me condenem por usar esta expressão, já que o conceito foi criado por um cristão e deu origem a uma série amada pelos católicos!), mas o fato é que ela nada mais é do que um exemplo lamentável de um simples e insatisfatório deus ex machina.

Ou, para manter a coerência com o universo de C.S. Lewis, eu deveria dizer “aslan ex machina”?

30 de Maio de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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