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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
16/02/2007 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
141 minuto(s)

Cartas de Iwo Jima
Letters From Iwo Jima

Dirigido por Clint Eastwood. Com: Ken Watanabe, Kazunari Ninomiya, Tsuyoshi Ihara, Ryo Kase, Shido Nakamura, Hiroshi Watanabe, Takumi Bando, Eijiro Ozaki, Ken Kensei, Masashi Nagadoi.

De modo geral, é natural – e lógico - que a maior parte dos filmes de guerra demonstre maior simpatia ou, no mínimo, compreensão pelos ideais de seus personagens principais, retratando o “outro lado” de maneira mais simplista, como meros obstáculos homicidas. Aliás, por mais que um realizador deseje retratar os dois lados de um conflito de maneira mais equilibrada, as próprias limitações de tempo servirão como empecilho a esta tarefa – e, portanto, são raros os exemplos que conseguiram chegar perto deste objetivo (um que me vem à mente é o irregular Tora! Tora! Tora!, de 1970, que aborda o ataque a Pearl Harbor através das perspectivas norte-americana e japonesa, em seqüências dirigidas respectivamente por Richard Fleischer e pela dupla Kinji Fukasaku e Toshio Masuda). Assim, a iniciativa do cineasta Clint Eastwood em comandar duas produções simultaneamente a fim de fazer justiça aos dois países que combateram em Iwo Jima, durante a Segunda Guerra Mundial, é admirável – e não deixa de ser curioso que, entre os dois longas, este Cartas de Iwo Jima, que se concentra nos soldados japoneses, seja claramente superior ao apenas mediano A Conquista da Honra, que se dedicava ao lado norte-americano do conflito.

Escrito pela estreante Iris Yashita (nascida e criada nos Estados Unidos) a partir de argumento concebido em parceria com Paul Haggis, Cartas de Iwo Jima se concentra na preparação das tropas japonesas para a chegada iminente da frota inimiga à ilha, cuja conquista representará uma etapa fundamental do ataque final ao território japonês. Comandados pelo general Tadamichi Kuribayashi (Watanabe), que enfrenta inúmeras dificuldades em função da falta de armamentos e pessoal, os soldados nipônicos passam vários meses cavando um intrincado sistema de túneis por todo o território enquanto sofrem infecções intestinais provocadas pela água e se enfraquecem devido à imensa carga de trabalho e à má alimentação. Como se não bastasse, os planos audaciosos e inovadores de Kuribayashi despertam a desconfiança de vários de seus principais oficiais, dando origem a dissidências na cadeia de comando que se tornarão ainda mais graves devido à estranha noção de “morte honrosa” que estes militares insubordinados impõem às suas tropas.

Estabelecendo ligações ocasionais com A Conquista da Honra através de planos similares que buscam ilustrar o outro lado de incidentes vistos naquele filme (ainda que os dois longas não contem com nenhum personagem em comum), Eastwood já abre Cartas de Iwo Jima enfocando os monumentos erguidos em homenagem aos soldados mortos na batalha, numa transição elegante a partir dos últimos segundos do trabalho anterior, vistos após os créditos finais. Da mesma forma, se antes vimos os soldados norte-americanos se aproximando gradualmente dos bunkers inimigos sem percebê-los, desta vez ficamos dentro dos abrigos ao lado dos atiradores nipônicos, enxergando os ianques como figuras distantes e sem rosto. E se o hasteamento da bandeira dos Estados Unidos no alto do monte Suribachi representou o centro dramático de A Conquista da Honra, desta vez testemunhamos o histórico acontecimento da perspectiva dos japoneses, o que não deixa de ser fascinante.

Sempre uma figura imponente que exala autoridade e inteligência, Ken Watanabe empresta ao general Kuribayashi um carisma fundamental para que possamos nos identificar com personagens que estão obviamente do lado errado da guerra. Ponderado e simpático, o sujeito reconhece a inevitabilidade de sua derrota e logo conclui que deve se empenhar ao máximo para prolongar a batalha, permitindo, assim, que o restante das defesas japonesas possa se preparar melhor para o confronto com os Aliados. Neste sentido, a missão de Kuribayashi se parece bastante com aquela assumida pelo coronel William Travis em 1836, quando este fez de tudo para defender o forte Álamo do ataque mexicano comandado pelo general Santa Anna – em ambos os casos, a morte era uma certeza para os oficiais e foi somente graças à bravura com que estes lideraram seus comandados que as batalhas destinadas a terminar em pouquíssimos dias acabaram durando muito mais tempo.

Porém, em vez de se concentrar nas seqüências de ação, o foco de Clint Eastwood mais uma vez se encontra na dinâmica entre os soldados e na forte camaradagem que surge entre estes. Assim, não interessa ao cineasta que os japoneses estivessem auxiliando direta ou indiretamente os propósitos nazistas - a política restringe-se aos políticos; no campo de batalha, o que interessa é a sobrevivência. Portanto, ao dar rosto aos combatentes nipônicos, Eastwood espera que compreendamos que cada um daqueles inúmeros indivíduos anônimos massacrados em A Conquista da Honra era um ser humano com sentimentos, família e sonhos – e que a guerra, em sua estupidez massificante, sacrifica na maior parte das vezes não aqueles que tomaram as decisões, mas os insignificantes seguidores de ordens.

É claro que esta realidade pavorosa da guerra também é ilustrada através da violência com que o diretor comanda as seqüências de combate: quando a primeira chuva de bombas despenca sobre os japoneses, a surpresa dos personagens (e do espectador) é rapidamente substituída pelo choque provocado pela carnificina que se segue – e, mais tarde, o horror que toma conta dos túneis nos faz lembrar de que não há nada de glamouroso na morte daqueles soldados, inimigos ou não. Enquanto isso, a fotografia absurdamente dessaturada (chegando praticamente ao preto-e-branco em vários momentos) e a trilha sonora esparsa, aliadas à eterna repetição de certos acontecimentos (Kuribayashi recebe notícias negativas; envia mensageiros; alguns soldados japoneses recuam apavorados; muitos morrem; novas mensagens são enviadas), estabelecem uma narrativa ocasionalmente cansativa e entediante que provavelmente tem o propósito justamente de ilustrar a natureza desgastante dos conflitos armados, que envolvem muita espera seguida por um confronto intenso e sangrento.

Infelizmente, Cartas de Iwo Jima acaba decepcionando em seu propósito principal de fazer um contraponto imparcial a A Conquista da Honra: sem resistir ao impulso de humanizar os norte-americanos, o roteiro de Yamashita inclui duas cenas péssimas com este objetivo: aquela em que um soldado capturado pelos japoneses conversa com o sofisticado barão Nishi (Ihara) e outra em que este lê uma carta escrita pela mãe do militar norte-americano. Além de maniqueístas e artificiais, estas cenas tentam fazer pelos combatentes dos Estados Unidos algo que A Conquista da Honra jamais tentou fazer pelos japoneses, desequilibrando a dupla jornada de Eastwood por Iwo Jima (nem mesmo a inclusão de uma cena em que um soldado ianque comete uma terrível crueldade reequilibra a equação, já que ele é claramente retratado como um exemplo isolado, horrorizando até mesmo seu colega de farda).

Ainda assim, apesar dos vários problemas encontrados em ambos os filmes, a empreitada assumida por Clint Eastwood é histórica e digna de aplausos – e não apenas por sua ambição política, mas também por ter sido realizada por um cineasta de 76 anos de idade que conseguiu, com diferença de poucos meses, finalizar e lançar dois longas complexos tanto do ponto de vista técnico quanto narrativo.

15 de Fevereiro de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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