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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/03/2007 01/01/1970 1 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
98 minuto(s)

Número 23
The Number 23

Dirigido por Joel Schumacher. Com: Jim Carrey, Virginia Madsen, Logan Lerman, Danny Huston, Lynn Collins, Rhona Mitra, Mark Pellegrino, Bob Zmuda.

Criar um clima conspiratório eficiente a partir de um número ou de uma seqüência de números é algo perfeitamente possível para uma obra de ficção – e para constatar isso, basta verificar o belo trabalho feito na série de tevê Lost, que conseguiu intrigar milhões de fãs com sua estranha seqüência numérica (na qual, aliás, se encontra o “23”). Infelizmente, se este novo trabalho do diretor Joel Schumacher apresentava possibilidades promissoras em seu conceito, o resultado final beira a comédia involuntária, chegando a apelar para mais uma destas “reviravoltas” que se tornaram totalmente previsíveis na última década, mas que, aqui, surge como apenas mais uma idiotice entre tantas cometidas pelo péssimo roteiro de Fernley Phillips.

Quando o filme tem início, somos apresentados ao apanhador de animais Walter Sparrow (Carrey), que é casado com uma bela confeiteira, Agatha (Madsen), e tem um filho adolescente que parece ser um garoto ajuizado, Robin (Lerman). Certa noite, sua esposa o presenteia com um livro de capa vermelha intitulado “Número 23” e que parece ser a única cópia de uma trama escrita por um certo Topsy Kretts (pfffff!), que incluiu até mesmo notas redigidas à mão em sua obra. Narrando a história do detetive Fingerling (Carrey) e de sua amante Fabrizia (Madsen), o livro traz estranhas referências à vida do próprio Walter, incluindo a presença constante do número 23 nos mais diversos aspectos de seu cotidiano – desde seu nome até as datas mais importantes de seu passado. Cada vez mais perturbado pelas coincidências, Walter se convence de que o “23” representa uma maldição que eventualmente o levará a matar a esposa – o que o leva a tentar descobrir a identidade do autor do livro com a ajuda de sua absurdamente compreensiva família.

Ocupando boa parte do filme, que se encarrega de recriar para o espectador as passagens mais importantes de sua trama, o tal livro mais parece um exemplar dispensável de ficção barata cuja capa sem inspiração (isso para não mencionar o ridículo nome do autor) faz jus ao seu conteúdo. Não é à toa que aquela parece ser a única cópia da obra: com passagens como “A cegonha me deixou nesta cidade” e “Ela tinha um rosto feito para sorrir”, o livro é tolo como o nome de seu personagem principal, o detetive Fingerling – e ter que acompanhar as encenações daquela besteira é algo que ajuda a tornar o longa quase insuportável. Infelizmente, as seqüências ambientadas na “vida real” não se revelam muito melhores: as tais “coincidências” identificadas por Walter beiram o risível (“meu vizinho de infância também tinha um cachorro!”), assim como suas motivações presentes e passadas (o fato do tal cãozinho viver fugindo inspirou Walter a se tornar apanhador de animais, acreditem ou não). Para piorar, a paranóia do protagonista em relação ao número 23 surge de maneira súbita, sem um desenvolvimento narrativo que a torne plausível: em um instante, ele está lendo o livro com certo interesse; em outro, já é um maluco que transforma tudo ao seu redor em números e que acredita estar prestes a se tornar um assassino.

Enquanto isso, as seqüências que ilustram o conteúdo do livro jamais conseguem evocar o clima de tensão e sensualidade pretendido, surgindo como um embaraçoso pastiche de filme noir que, apesar de compreender (mesmo que superficialmente) o conceito de femme fatale, parece se confundir quanto a todo o resto. Aliás, na dúvida, o roteiro recorre desesperadamente aos clichês, mesmo que estes enfraqueçam ainda mais a já capenga narrativa: para constatar isso, basta observar a cena em que a esposa de Walter (uma confeiteira, pelo amor de Deus!) decide investigar sozinha um hospício abandonado em busca de mais pistas. Chega a ser um milagre que Virginia Madsen consiga dizer suas falas sem desmaiar de vergonha.

Já Jim Carrey, coitado, não tem a mesma sorte. Depois de oferecer performances dramáticas brilhantes em Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças e O Mundo de Andy, ele se perde completamente em Número 23, não conseguindo parecer à vontade nem mesmo em planos nos quais seu personagem simplesmente lê o livro: percebam, por exemplo, como ele faz freqüentes pausas “pensativas” durante a leitura, desviando os olhos das páginas, numa equivocada convenção de interpretação que se torna ainda mais ridícula em função da péssima montagem, que inclui estas pausas em momentos totalmente inapropriados (aliás, é igualmente ridículo vê-lo caminhar enquanto lê com profunda concentração; outro clichê cinematográfico para tentar imprimir ritmo a uma cena na qual nada parece estar acontecendo). E já que estou discutindo a leitura do personagem, é impossível deixar de comentar sua lentidão para terminar o livro; embora perceba que sua própria vida está em jogo, ele leva dias para ler uma centena de páginas que poderiam ser concluídas em - no máximo! - três ou quatro horas. Como se não bastasse, Carrey ainda procura fazer gracinhas que servem apenas para tornar Walter menos crível do ponto de vista dramático, já que nos fazem lembrar do lado comediante de seu intérprete. Finalmente, a cena protagonizada por Carrey e Madsen num quarto de hotel, já no terceiro ato da projeção, traz o primeiro em um festival de exageros que suplanta até mesmo sua performance caricatural na série Ace Ventura.

Tornando-se cada vez mais um sinônimo de “lixo”, o cineasta Joel Schumacher falha grotescamente ao não conseguir criar o clima conspiratório tão importante para a narrativa. Em vez disso, cria enquadramentos e movimentos de câmera constrangedoramente ruins – e devo destacar o contra-zoom no close de um cachorro que, confesso, me levou às risadas (se Hitchcock soubesse que o efeito ótico que criou foi utilizado desta maneira, certamente se reviraria no túmulo). Por outro lado, a fotografia concebida por Matthew Libatique surge como único ponto interessante da produção: embora o visual estilizado da infância de Fingerling peque por tentar evocar um conto de fadas, a contraposição entre a dessaturação, a granulação e a superexposição pontual empregadas na história do detetive e o aspecto realista das seqüências protagonizadas por Walter é algo digno de nota – especialmente quando os dois universos começam a se aproximar esteticamente um do outro, à medida que Walter mergulha cada vez mais em sua paranóia. Pena que esta lógica visual inteligente seja empregada em uma história tão imbecil.

Sem conseguir convencer o espectador do básico (a onipresença do número 23), o roteiro chega a apelar para absurdos para tentar provar sua lógica tortuosa – e o cúmulo do ridículo é alcançado quando o filme cita o número do uniforme de Al Capone na prisão. Desta maneira, o longa falha não apenas como exemplar do gênero suspense, mas até mesmo como mera curiosidade para os numerologistas. E não creio que seria necessário muito esforço para despertar o interesse daqueles que já acreditam que os homens são influenciados por dígitos, não é mesmo?

Observação: O porteiro grisalho (e com uma mancha no rosto) do hotel no qual o personagem de Jim Carrey se hospeda é interpretado por Bob Zmuda, antigo parceiro de Andy Kaufman e que, em O Mundo de Andy, foi vivido por Paul Giamatti.

24 de Março de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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