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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/02/2008 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora

Jogos do Poder
Charlie Wilson´s War

Dirigido por Mike Nichols. Com: Tom Hanks, Philip Seymour Hoffman, Julia Roberts, Amy Adams, Brian Markinson, Om Puri, Denis O’Hare, Ken Stott, Ned Beatty.

 

Em certo momento de Jogos do Poder, o congressista Charlie Wilson é descrito como um político cujo maior feito em seis mandatos foi conseguir ser reeleito cinco vezes – algo em que acreditamos com facilidade, já que ele parece encarar seu cargo apenas como uma forma de facilitar seu acesso a festas e mulheres. Assim, não deixa de ser surpreendente que Wilson tenha sido uma das principais (se não a principal) forças nos bastidores de Washington para que os Estados Unidos se envolvessem veladamente na guerra dos afegãos contra o exército russo invasor, num conflito cuja resolução está associada ao fim definitivo da Guerra Fria que manteve o mundo sob tensão durante mais de quatro décadas.

 

Baseado na biografia escrita por George Crile, o filme já abre com uma imagem alarmante, ainda que divertida, quando encontramos o político mergulhado numa banheira ao lado de várias strippers numa festa regada a álcool e cocaína. Com a atenção despertada por uma reportagem acerca dos refugiados afegãos desde o início da guerra daquele país com a União Soviética, Wilson decide dobrar a verba da CIA no que diz respeito a operações no Afeganistão, mas, percebendo que isto ainda seria insuficiente para fazer qualquer diferença, dá início a uma longa estratégia que viria a resultar no investimento de centenas de milhões de dólares no projeto de fornecer armas clandestinamente aos mujahedin (guerreiros) afegãos sem atrair a atenção dos russos. Mulherengo a ponto de trabalhar num escritório exclusivamente povoado por belas e jovens secretárias, o congressista é auxiliado em seus propósitos pelo analista da CIA Gust Avrakotos (Hoffman) e pela socialite Joanne Herring (Roberts), que enxerga, no Afeganistão, um possível alvo para sua cruzada religiosa.

 

Mais conhecido por seu consistente trabalho em séries de televisão (ele foi co-criador de The West Wing e da ótima, mas comercialmente fracassada Studio 60), o roteirista Aaron Sorkin confere, a Jogos do Poder, o mesmo estilo “metralhadora verbal” de seus projetos para a tela pequena: assim, freqüentemente os personagens são vistos trocando diálogos afiados de maneira rápida – e o melhor exemplo disto pode ser encontrado na brilhante cena que marca o primeiro encontro entre Wilson e Avrokatos, quando a dinâmica estabelecida entre os atores, incluindo a coreografia precisa de entradas e saídas dos personagens, remete à fluidez hilária das screwball comedies das décadas de 30 e 40. Dono de uma filmografia breve, mas respeitável (Questão de Honra, Malícia e Meu Querido Presidente), Sorkin exibe particular talento na construção de diálogos – algo que fica claro no momento em que Wilson pede auxílio estratégico a um contato israelense para que este trabalhe em parceria com o Egito, a Arábia Saudita e o Paquistão em prol do Afeganistão e ouve a seguinte resposta, que ilustra com elegância a complexidade da tarefa:

 

O Paquistão e o Afeganistão não reconhecem nosso direito de existir; acabamos de sair de uma guerra com o Egito; e todos aqueles que já tentaram me matar ou matar minha família foram treinados na Arábia Saudita.

 

Mas se isto já seria o bastante para render aplausos, Sorkin não se contenta e emenda uma fala ácida do personagem de Philip Seymour Hoffman, concluindo a troca de farpas com um humor eficiente que retrata, ainda, a ambigüidade moral do governo norte-americano ao lidar com seus aliados. Aliás, Hoffman surge mais uma vez impecável em Jogos do Poder, criando uma figura paranóica que, sem qualquer traquejo social, funciona simultaneamente como alívio cômico e como janela para que conheçamos um pouco da lógica perversa e pragmática da CIA – e suas cenas representam possivelmente os melhores momentos do filme (e sua versatilidade pode ser constatada através das gigantescas diferenças entre seus três brilhantes trabalhos em 2007, que incluem ainda o drama Família Savage e a tragédia neo noir Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto). E se Amy Adams surge carismática como o braço-direito do protagonista, Julia Roberts oferece uma performance no mais puro piloto automático, representando o elo fraco do elenco – e não é à toa que seu relacionamento com Wilson soa tão artificial, comprometendo a narrativa.

 

Felizmente, Jogos do Poder conta, ainda, com o sempre competente Tom Hanks, que compensa, com sua simpatia habitual, os equívocos no desenvolvimento de seu personagem pelo roteiro – entre estes, a insistência em limpar a imagem de Charles Wilson, que é retratado mais como um bon vivant inofensivo do que como o cocainômano alcoólatra que realmente era naquele período. Aliás, seu contato com as drogas é praticamente eliminado do filme, enquanto seu alcoolismo é ilustrado de maneira quase casual: aqui e ali vemos o sujeito guardando garrafas vazias ou chorando sozinho em seu apartamento – e mesmo que Hanks faça o possível para conferir tridimensionalidade ao personagem, seus esforços são parcialmente comprometidos pela covardia do longa, que não percebe que estes traços menos nobres do caráter de Wilson o tornariam ainda mais complexo e, conseqüentemente, interessante. (E, justiça seja feita, o roteiro de Sorkin trazia estes elementos, que aparentemente foram descartados pelo estúdio.)

 

Dirigido com energia pelo veterano Mike Nichols (que, em certo instante, faz referência ao plano clássico de seu A Primeira Noite de um Homem, quando víamos Dustin Hoffman emoldurado pela perna de Anne Bancroft), Jogos do Poder é seu segundo longa depois de ter ultrapassado os 70 anos de vida (em 2004, ele comandou o excelente Closer - Perto Demais) – e, curiosamente, o cineasta exibe, nestes dois trabalhos, uma consistência que lhe escapou em boa parte de sua incrivelmente irregular carreira. Combinando o peso narrativo das imagens de arquivos com um senso de humor muitas vezes apresentado de forma sutil (como o plano das botas de couro sobre a mesa de centro), Nichols merece créditos por conduzir o filme com segurança mesmo quando mudanças abruptas na personalidade do protagonista são exigidas pela narrativa.

 

Assim, é decepcionante que, aqui e ali, o filme apele para a caricatura ao enfocar, por exemplo, dois pilotos russos comentando casualmente suas relações pessoais enquanto massacram civis – algo totalmente dispensável, já que as ações brutais do exército soviético no Afeganistão falariam por si mesmas, sem a necessidade de que monstros unidimensionais fossem criados para isto. Por outro lado, Jogos do Poder se sai um pouco melhor ao comentar a estratégia habitual norte-americana em suas invasões militares, que jamais inclui uma preocupação com a situação pós-guerra da população atingida – e é impossível negar, por exemplo, que foram os próprios norte-americanos que praticamente criaram todas as condições possíveis para que o cruel talibã subisse ao poder no Afeganistão na década de 90.

 

De todo modo, apesar de suas falhas, Jogos do Poder é suficientemente interessante para figurar entre os diversos trabalhos que fizeram de 2007 um ano tão forte para o Cinema norte-americano.

 

29 de Fevereiro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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