Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/06/2007 01/01/1970 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
160 minuto(s)

Zodíaco
Zodiac

Dirigido por David Fincher. Com: Jake Gyllenhaal, Robert Downey Jr., Mark Ruffalo, Anthony Edwards, Brian Cox, John Carroll Lynch, Chloë Sevigny, Elias Koteas, Dermot Mulroney, Donal Logue, Philip Baker Hall, Adam Goldberg, Clea DuVall.

Ao longo das quase três horas de duração de Zodíaco, nova obra-prima do sempre instigante David Fincher, pouca ou nenhuma atenção é dedicada às possíveis motivações do lendário personagem-título, um serial killer que fez suas primeiras vítimas no final da década de 60, na Califórnia, originando uma investigação que atravessaria décadas e envolveria o trabalho de detetives, jornalistas e – o mais importante neste caso – de um cartunista que viria a se tornar o maior especialista sobre estes crimes. Aliás, é justamente o processo investigativo que fascina o diretor, que cria, aqui, uma narrativa obcecada com os detalhes de cada etapa dos trabalhos de todos os envolvidos na perseguição ao Zodíaco – e, neste sentido, o filme não é muito diferente de um outro longa espetacular famoso por recontar uma longa e complexa investigação: Todos os Homens do Presidente.


Escrito com impressionante disciplina e acurácia por James Vanderbilt a partir de dois livros escritos por Robert Graysmith, o roteiro tem início em 4 de julho de 1969, quando o assassino fez suas (possivelmente) terceira e quarta vítimas.  Porém, a constatação de que o crime fora obra de um serial killer é feita somente cerca de um mês depois, quando este envia cartas para três jornais da Califórnia assumindo a autoria dos assassinatos e informando que também matara um casal de namorados vários meses antes. A partir daí, acompanhamos a obsessão crescente de três homens pelo mistério: o repórter policial Paul Avery (Downey Jr.), o detetive David Toschi (Ruffalo) e o cartunista Robert Graysmith (Gyllenhaal) – e além de testemunharmos suas vitórias e tropeços durante seus trabalhos, constatamos também o efeito destrutivo que as investigações exercem sobre suas vidas pessoais.

Recriando as diversas épocas vistas ao longo da narrativa com extremo cuidado, o filme não apenas conta com uma direção de arte impecável como também procura simular, na própria fotografia, os artefatos visuais típicos daquele período (algo que Scorsese também fez em O Aviador): observem, por exemplo, a cintilação provocada nas lentes pelas fontes de luz em certos planos – um elemento inserido digitalmente na pós-produção para recriar o efeito da luz sobre as lentes anamórficas. Além disso, as limitações tecnológicas da época exercem importante papel na trama, já que a dificuldade em coordenar as investigações nas várias cidades envolvidas (muitas delegacias ainda não tinham aparelho de fax) representou um obstáculo contínuo para os detetives, que acabavam interrogando testemunhas e suspeitos apenas para descobrir que aquela pessoa já fora abordada meses antes por investigadores de outro distrito.

Aliás, ao contrário da maioria dos filmes policiais do gênero, Zodíaco se preocupa em ilustrar com clareza o caminho tortuoso de uma investigação complexa como esta, em que nem sempre as pistas mais promissoras resultam em descobertas importantes. Da mesma maneira, não basta que os detetives “saibam” (ou acreditem saber) quem é o criminoso que procuram; ao contrário de Dirty Harry, que simplesmente faz justiça com as próprias mãos, na vida real os policiais precisam montar um caso embasado, repleto de provas sólidas, para permitir que o culpado seja preso e julgado – e o esforço do filme em ilustrar os problemas enfrentados para conseguir um mero mandado de busca é algo que o torna ainda mais verossímil e eficaz. Finalmente, o belo roteiro de Vanderbilt procura incluir até mesmo as pistas falsas seguidas pelos investigadores e também os suspeitos “secundários” que, por um motivo ou outro, jamais foram oficialmente relacionados aos crimes.

Ao mesmo tempo, o roteirista desenvolve com delicadeza seus personagens, permitindo que percebamos os efeitos que as investigações exercem sobre estes, a começar pelo repórter Paul Avery: admirado pelos colegas (percebam como sua primeira aparição no filme se encarrega de retratá-lo sentado displicentemente em sua cadeira e cercado por outros jornalistas), o sujeito gradualmente mergulha na bebida e na cocaína, tornando-se um pálido retrato do profissional confiante que conhecêramos inicialmente – uma decadência vivida com perfeição pelo sempre ótimo Downey Jr.. Da mesma forma, Mark Ruffalo merece aplausos por sua performance como o detetive David Toschi, que assume o caso depois do assassinato do taxista Paul Stine. Inicialmente exibindo a segurança típica que poderíamos esperar de alguém famoso por ter servido de inspiração para o personagem-título de Bullitt (onde foi interpretado por Steve McQueen), Toschi também sucumbe aos efeitos da longa investigação e do desgaste provocado em sua imagem por um caso célebre e não resolvido, mal conseguindo ocultar sua imensa frustração – que se torna ainda mais patente com o lançamento de Perseguidor Implacável, que se baseava nos crimes do Zodíaco e trazia Clint Eastwood alcançando o sucesso que escapara ao detetive (num contraponto a Bullitt que certamente deve ter sido amargo para Toschi). Enquanto isso, Jake Gyllenhaal ganha a oportunidade de encarnar aquele que eventualmente se torna o protagonista do projeto, o cartunista Robert Graysmith: jovem sério e retraído (do tipo que responde à pergunta “Você fuma?” com um sério “Uma vez, na escola”), Robert jamais se sente como parte da equipe do jornal, sendo tratado como um intruso por seus colegas. Assim, é fascinante acompanhar o crescimento do sujeito ao longo da narrativa, já que, mesmo sem perder sua eterna timidez (algo ilustrado também pela postura encurvada e insegura de Gyllenhaal), ele assume um papel cada vez mais ativo na trama, passando de observador curioso a dedicado investigador.

Construindo um clima sempre tenso, David Fincher se mostra infinitamente mais contido do que em seus trabalhos anteriores, evitando movimentos floreados de câmera (algo que condenei em O Quarto do Pânico) e buscando manter a narrativa sempre em foco – algo fundamental em um filme com um roteiro que traz tantos detalhes. Ainda assim, aqui e ali o cineasta se permite brincar um pouco mais na concepção de seus planos quando percebe que isto não irá desviar a atenção do espectador – como no plano plongé que segue a trajetória de um táxi pelas ruas de San Francisco. Da mesma maneira, a idéia de ilustrar a passagem do tempo através de uma seqüência em time lapse na qual acompanhamos a construção de um prédio pode não ser original, mas é mais do que apropriada para os propósitos do cineasta, que também pontua o filme com elementos bem humorados que servem para quebrar a tensão constante (e, mesmo então, mantendo-se fiel aos fatos, como no caso dos broches usados pelos jornalistas do “San Francisco Chronicle” e que se revelam a piada mais divertida do longa). Como se não bastasse, Fincher também demonstra sua inteligência ao usar atores e vozes diferentes para retratar o Zodíaco em vários momentos, salientando a natureza misteriosa de sua identidade.

Iniciando o filme com a bela canção “Easy to be Hard” (do emblemático musical Hair), o diretor também utiliza o caso do Zodíaco como um símbolo da mudança experimentada pelos Estados Unidos naquele período, da era ingênua dos hippies ao cinismo crescente da sociedade diante do fracasso no Vietnã e do escândalo de Watergate – e se os versos daquela música servem como ponto de partida perfeito para a narrativa, não menos apropriada é a melancólica “Hurdy Gurdy Man” como seu desfecho, comprovando o talento do cineasta não apenas na concepção visual de seu filme, mas também na lógica de sua trilha musical.

Em uma carreira incrivelmente consistente (e que já inclui os fabulosos Se7en e Clube da Luta), Zodíaco representa mais um esforço brilhante de um diretor que inexplicavelmente ainda não alcançou o amplo reconhecimento que já merece há muitos anos.
 

30 de Maio de 2007

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!