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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
30/03/2007 01/01/1970 4 / 5 3 / 5
Distribuidora

300
300

Dirigido por Zack Snyder. Com: Gerard Butler, Rodrigo Santoro, Lena Headey, Dominic West, David Wenham, Vincent Regan, Michael Fassbender, Andrew Tiernan.

É impossível olhar para um dos quadros finais de 300, que enfoca o exército do Rei Leônidas em um belo plano plongé, sem que a iconografia clássica relativa a São Sebastião, preso a um poste e com flechas fincadas no corpo, nos venha à mente – e, de certa maneira, esta referência óbvia não deixa de ser ironicamente apropriada, considerando-se o status homoerótico que a imagem semi-nua e torturada do santo (considerado pela comunidade gay como seu patrono) atingiu ao longo dos últimos séculos. E “homoerótico” é um adjetivo inevitável ao analisar 300, com seu exército de homens de torsos nus e depilados, sungas de couro e capas vermelhas esvoaçantes – um visual que, imagino, logo começará a ser explorado por dançarinos “exóticos” (troque o “x” pelo “r”) e por sexshops em todo o mundo. Aliás, se o Village People ainda existisse, sou capaz de apostar que o policial, o operário, o índio e o marinheiro logo ganhariam um companheiro espartano (que poderia sinalizar a letra “A” do “Y.M.C.A.”).

Adaptação da graphic novel de Frank Miller, o filme reconta de maneira fantasiosa a célebre Batalha das Termópilas, durante a qual um pequeno exército grego (com cerca de 7 mil homens) enfrentou um inimigo numericamente muito superior (as estimativas variam entre 250 mil e alguns milhões de soldados persas comandados pelo Rei Xerxes). Liderados pelo Rei Leônidas de Esparta (e os 300 integrantes de sua guarda pessoal), os gregos conseguiram provocar milhares de baixas no inimigo, atrasando sua invasão em alguns dias e desmoralizando-o por sua dificuldade em derrotar um grupo tão reduzido de combatentes – uma história que deu origem à fraca produção Os 300 de Esparta, dirigida por Rudolph Maté e protagonizada por Richard Egan em 1962 (e que inspirou Miller a escrever sua graphic novel).

Porém, enquanto o filme de Maté buscava narrar a batalha de maneira mais realista e fiel aos fatos, esta nova produção tem, como interesse principal, funcionar como uma verdadeira ode à virilidade: para 300, ser “homem” significa exercer a força bruta, ter sede de sangue, rir das adversidade, estabelecer laços de companheirismo com outros machos, meter com força e em várias posições (transformando as mulheres em eternas aliadas através do seu talento na cama) e, finalmente, exibir um lado sensível com relação à família (esposa e filhos). E se a virilidade é o tema da produção, seu refrão é a violência, que é filmada pelo diretor Zack Snyder (do ótimo Madrugada dos Mortos) e pelo fotógrafo Larry Fong com uma beleza moralmente reprovável, mas ainda assim inegavelmente contagiante: cada esguicho de sangue vermelho-escuro é realçado pela freqüente câmera lenta e todas as amputações e decapitações ganham destaque pela insistência do diretor em praticamente congelar a tela para que possamos apreciar a força dos golpes (algo sempre embalado pela ótima trilha metal de Tyler Bates).

A beleza dos quadros criados por Snyder (claramente inspirado nas imagens concebidas por Frank Miller) é tamanha que vários deles poderiam perfeitamente ser impressos e pendurados na parede – e, além do plano plongé citado no início deste texto, confesso ter ficado encantado com a majestosa (e bizarra) “árvore de cadáveres”; com a belíssima Oráculo em uma sensual dança flutuante; com a imagem das dezenas de persas caindo em um despenhadeiro depois de empurrados pelos bravos espartanos; e, finalmente, com o simbolismo elegante do plano em que o jovem Leônidas estende sua lança em direção a um lobo cuja sombra pode ser vista ao fundo, cobrindo-o e indicando a ferocidade de seu mundo interior.

Dito isso, não há absolutamente nada de revolucionário na realização de 300, ao contrário do que vários imbecis andam propagando por aí depois de comprarem esta tese dos publicitários da Warner. Infelizmente, nos dias de hoje, quando qualquer um pode se apresentar como “crítico de cinema” e publicar seus textos em sites voltados para a “cultura pop” (eufemismo para “qualquer coisa que possa nos render dinheiro”), os estúdios têm conseguido cada vez mais transformar estes espaços em verdadeiras extensões de seus departamentos de marketing – e já se foi o tempo em que podíamos acreditar na célebre frase de Pauline Kael: “Nas Artes, a única fonte confiável de informações é o Crítico. O resto é publicidade”. Pois o fato é que, do ponto de vista técnico, 300 usa basicamente a mesma tecnologia já utilizada em obras como Casshern, Immortel (ad vitam), Capitão Sky e o Mundo de Amanhã e, é claro, Sin City (também de Frank Miller). A diferença é que, enquanto estes dois últimos empregavam os cenários digitais como homenagem às cinesséries do passado e ao noir, respectivamente, este 300 investe em uma estilização de videoclipe (o que não é necessariamente ruim), mergulhando seu universo em tons dessaturados que oscilam entre o cinza e o sépia. Fora isso, no entanto, Zack Snyder não consegue alcançar a fluidez visual dos filmes anteriores, já que, provavelmente inibido pelo greenscreen, praticamente se limita a manter sua câmera na altura dos olhos e quase sempre diretamente perpendicular à ação, o que o obriga a criar inúmeros planos nos quais vemos os personagens em contraluz – o que, apesar de belo, eventualmente pode se tornar monótono.

Já do ponto de vista histórico, não é surpresa alguma que 300 tome tantas liberdades, praticamente ignorando a presença dos exércitos enviados por outras cidades gregas e, principalmente, os vários navios de guerra atenienses (sempre com o objetivo de transformar seus 300 personagens-título em heróis solitários). Além disso, para suavizar a imagem dos espartanos, retratando-os como “defensores da liberdade”, o filme convenientemente deixa de citar o imenso número de escravos mantidos em Esparta (o que se torna mais irônico quando constatamos que Leônidas critica a escravidão persa) e transforma o rito de passagem do jovem rei em uma inofensiva missão para caçar um lobo, quando, na realidade, Leônidas provou seu “amadurecimento” ao matar um escravo. Feitas estas ressalvas (que sempre faço questão de incluir, como já devem saber), o fato é que as alterações introduzidas pelos roteiristas funcionam justamente ao simplificarem a H(h)istória, já que 300 pretende ser um filme de ação, não um épico fiel aos fatos – e a complexidade da política grega naquele período apenas enfraqueceria o projeto (vide Os 300 de Esparta).

Por outro lado, a subtrama envolvendo a rainha Gorgo é fraca e dispensável, consumindo muito tempo e interrompendo a narrativa sempre que toma conta do filme. Além disso, o roteiro falha ao não conseguir levar o espectador a se importar com quem quer que seja: acompanhamos a luta dos espartanos, mas não lamentamos sua sorte, o que cria um vazio emocional que não consegue ser compensado pela enxurrada de testosterona promovida por Snyder. Aliás, a “macheza” exagerada de Leônidas o transforma em uma figura pouco razoável e comandada por seu orgulho (em certo momento, ele lamenta ter tão “poucos” soldados para sacrificar), o que leva o espectador a concluir que grande parte de seus problemas deve-se à sua própria estupidez – e, em determinado instante, ao ouvir uma oferta feita pelo vilão vivido por Rodrigo Santoro (intenso em seus exageros divertidos), admito que pensei: “Até que esse Xerxes é um camarada razoável”.

Lançado em meio a uma intensa discussão sobre suas conotações políticas (George Bush seria Xerxes ou Leônidas?), 300 tem uma narrativa rasa demais para justificar tamanha polêmica – e duvido que esta questão tenha sequer cruzado a mente dos realizadores. Infinitamente mais preocupante – e pouco discutido – é o preconceito claro com que o filme retrata as minorias: todos os seus “heróis” são homens jovens e brancos; enquanto isso, negros, pardos, asiáticos, deficientes físicos, mulheres, idosos e homossexuais são vistos como criaturas traiçoeiras, covardes, cruéis ou fracas (Gorgo, que quase foge à regra, acaba se entregando ao feio Theron – ah, sim: por que os “feios” também são desprezíveis). E nem preciso dizer que, no caso dos homossexuais, a ironia torna-se gigantesca quando levamos em consideração a natureza homerótica de todo o filme.

Longe de ser uma obra perfeita, 300 é moralmente repreensível e narrativamente frágil. Ainda assim, é um filme contagiante cuja beleza plástica chega quase a compensar por todos os seus demais problemas. E quem dera se todas as produções problemáticas de Hollywood pudessem ser tão bonitas.

30 de Março de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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