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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
09/12/2005 07/12/2005 2 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
143 minuto(s)

As Crônicas de Nárnia: O Leão, a Feiticeira e o Guarda-Roupa
Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch & the Wardrobe, The

Dirigido por Andrew Adamson. Com: Georgie Henley, Skandar Keynes, William Moseley, Anna Popplewell, Tilda Swinton, James McAvoy, Jim Broadbent, James Cosmo, Shane Rangi e as vozes de Ray Winstone, Dawn French, Rupert Everett e Liam Neeson.

Eu não li nenhum dos sete livros da série As Crônicas de Nárnia, concebida pelo irlandês C.S. Lewis, e, portanto, não posso dizer se os diversos problemas que atravessam esta adaptação para o Cinema vieram do material original ou não. Aliás, arrisco-me a dizer que, considerando-se a longevidade e a popularidade da obra, é mais lógico assumir que o desastre tenha ocorrido durante a tradução para as telas, sendo provavelmente causado pelo roteiro escrito a oito mãos e pela direção equivocada de Andrew Adamson. Assim, descrever este filme como um `O Senhor dos Anéis para crianças` (meu impulso inicial) acabaria sendo uma ofensa tanto para a trilogia comandada por Peter Jackson quanto para os espectadores infantis, que, apenas por serem jovens, não merecem produções decepcionantes como esta.

Quando a história tem início, Londres está sofrendo um ataque aéreo por parte de forças nazistas, o que leva a sra. Pevensie a tomar a decisão de enviar seus quatro filhos para o interior do país, onde estariam mais seguros. Já na mansão do recluso professor Kirke, as crianças (Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia, na tradução para o português) entram em um guarda-roupa enquanto fogem da mal-humorada governanta e vão parar em Nárnia (um mundo habitado por criaturas fantásticas como unicórnios, centauros, minotauros, faunos e animais falantes), que vem enfrentando um inverno terrível há cem anos em função do domínio da cruel Feiticeira Branca. Porém, logo eles descobrem que há uma profecia que garante que o reinado da vilã chegará ao fim graças a `dois filhos de Adão e duas filhas de Eva` – e, em seguida, conhecem o sábio leão Aslam (dublado por Liam Neeson, cada vez mais especializado em interpretar mestres), que passa a protegê-los e a orientá-los.

Vividos de forma unidimensional por seus jovens atores (a única que se destaca – e, ainda assim, por seu carisma – é a pequena Georgie Henley, que lembra Drew Barrymore na época de E.T.), os quatro heróis encarnam tipos rigidamente definidos: há o irmão sério que se julga responsável pela segurança dos demais; a adolescente que tenta agir sempre com bom senso e adota uma postura maternal com relação aos mais jovens; o contestador que, revoltado com a morte do pai, assume um comportamento agressivo; e a caçula encantadora que enxerga tudo com olhos repletos de magia. São, portanto, personagens claramente criados para exercerem funções específicas ao longo da trama – e as interações entre os irmãos (particularmente entre Pedro e Edmundo) soam artificiais, como meras convenções narrativas: é preciso que eles briguem para que a eventual reconciliação seja usada como fecho esperado da história.

Esta previsibilidade do roteiro, no entanto, não é o principal equívoco de As Crônicas de Nárnia: O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa, cuja maior fraqueza reside na falta de tensão ao longo da projeção. Desde o início, quando vemos a esquadrilha nazista sobrevoando Londres, o filme assume um clima de inocuidade que mantém o espectador seguro de que nada de mau acontecerá – e o fato de ser voltado para o público infantil não justifica esta atmosfera inofensiva: Branca de Neve e os Sete Anões foi produzido para as crianças da década de 30, muito mais inocentes do que as nossas, mas criava uma tensão autêntica, palpável. Aliás, até mesmo a Feiticeira Branca deste filme empalidece (com o perdão do trocadilho) diante da Bruxa Malvada daquela animação, já que tem seu poder abalado pela simples presença das quatro crianças em Nárnia (o inverno começa a ceder assim que os Pevensie pisam naquele mundo). E mesmo as cenas de batalha falham em nos levar a temer pela segurança dos heróis, que parecem apenas estar brincando de guerreiros, cientes de que ninguém os machucará seriamente.

Enquanto isso, o cineasta Andrew Adamson entrega sua formação de especialista em efeitos visuais ao demonstrar preocupação maior com o visual do que com a narrativa do filme: os efeitos visuais, por exemplo, são impressionantes (os animais digitais são impecáveis) e a direção de arte é suficientemente grandiosa para uma produção deste porte. Por outro lado, a fotografia de Donald McAlpine acaba lembrando demais a da trilogia de Peter Jackson, especialmente na seqüência em que vemos o exército de vilões manufaturando seus armamentos. E se as coreografias das lutas entre bandidos e mocinhos soam nada convincentes (há muitas poses para pouca ação, como pode se observar no duelo entre a Feiticeira e Pedro), a trilha sonora de Harry Gregson-Williams peca pelo excesso desde o início, quando as crianças fogem da governanta ao som de uma música desproporcionalmente tensa e grandiosa – e se a trilha exagera já tão cedo, imaginem onde chega posteriormente (não consigo me lembrar de nenhum instante do filme que não seja acompanhado pela orquestra de Gregson-Williams).

Sim, há elementos interessantes em As Crônicas de Nárnia: é curioso, por exemplo, perceber como as crianças escapam de uma guerra apenas para caírem em outra; e o filme é sutil ao mostrar o olhar que Pedro lança para os soldados britânicos, revelando seu desconforto por não poder lutar por sua pátria (algo que fará apenas em Nárnia). Em contrapartida, é inexplicável perceber que a Feiticeira Branca, em vez de se livrar de seus inimigos mais ferrenhos, apenas os imobiliza, como se quisesse vê-los retornando para prejudicá-la em um momento mais delicado. E quando Pedro pergunta para o general Otmin se este se encontra do seu lado, a resposta (`Até a morte.`) provoca curiosidade; afinal, o que o garoto fez para merecer tamanha devoção? Aliás, dúvida semelhante surge quando determinado personagem é morto pela vilã: além de não sentirmos o impacto daquele sacrifício, ainda estranhamos o sofrimento das duas figuras que choram sobre seu corpo: por que estão tão consternadas se nem sequer conheciam o(a) outro(a) tão bem assim?

Bem mais longo do que o ideal com seus 140 minutos de duração, esta primeira parte de As Crônicas Nárnia é cansativo e nada envolvente. E, embora possa parecer uma reclamação irrelevante, confesso que não me senti confortável ao ver Papai Noel presenteando as quatro crianças (inclusive a caçula!) com armas, alegando que estas não eram `brinquedos, mas sim instrumentos`.

A gente sabe que o mundo acabou de atingir um novo e assustador grau de cinismo e desesperança quando até mesmo o Bom Velhinho passa a distribuir armamentos para seus pequenos fãs.

09 de Dezembro de 2005

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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