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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
24/09/2004 09/01/2004 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
126 minuto(s)

Casa de Areia e Névoa
House of Sand and Fog

Dirigido por Vadim Perelman. Com: Jennifer Connelly, Ben Kingsley, Ron Eldard, Shohreh Aghdashloo, Jonathan Ahdout, Frances Fisher, Kim Dickens, Navi Rawat, Carlos Gómez.

Enquanto pensava na melhor maneira de iniciar esta análise sobre Casa de Areia e Névoa, surpreendi-me ao constatar algo que já deveria ter percebido há algum tempo: se há um tema predominante entre as principais produções de 2003, este tema é `família` e os dramas referentes ao conflito entre pais e filhos ou mesmo à perda de alguém próximo. De Hulk a Procurando Nemo, passando por 21 Gramas, Sobre Meninos e Lobos, Terra de Sonhos, O Caminho das Nuvens, As Invasões Bárbaras Na Captura dos Friedmans, 2003 trouxe para os cinéfilos uma série de dramas que se revelavam intimistas mesmo quando enfocados em meio a grandes explosões ou efeitos visuais.

Neste longa-metragem de estréia do russo (radicado nos Estados Unidos) Vadim Perelman, o conceito de `família` volta a assumir importante lugar na narrativa, que gira em torno de Kathy (Connelly), uma ex-viciada que, depois de ser abandonada pelo marido, é surpreendida por uma notificação de que sua casa será leiloada a fim de pagar impostos referentes à sua empresa. O problema é que Kathy não possui empresa alguma – mas, antes que possa esclarecer o equívoco, o imóvel é vendido para um imigrante iraniano (Kingsley) por um valor muito abaixo do preço de mercado. Sem ter onde dormir, a moça recebe a ajuda de Lester (Eldard), um dos policiais responsáveis por seu despejo, que lhe recomenda uma advogada. Infelizmente, para resolver o impasse, o novo dono da casa teria que revendê-la para a Prefeitura pelo mesmo valor pago no leilão – algo que ele se recusa a fazer. A partir daí, Kathy e Behrani (o imigrante) dão início a uma verdadeira batalha psicológica que resulta em dor e sofrimento para todos os envolvidos.

Aliás, a beleza deste projeto (adaptado do livro homônimo de Andre Dubus III) começa já em seu título: ao identificar a casa que se torna o centro da disputa como sendo de `Areia e Névoa`, o filme (e o livro, claro) resume, de forma poética, o verdadeiro significado da propriedade, que, para Kathy e Behrani, representa mais do que um simples bem material. Para a garota, a casa é, ao mesmo tempo, um ícone de seu passado (já que a herdou do pai) e um símbolo de sua recuperação. Manter o imóvel é um sinal de maturidade, de responsabilidade cumprida – e perdê-lo seria mais uma prova de sua incapacidade de tomar conta de si mesma. Já para Behrani, o lugar representa, em primeiro lugar, um bom investimento – e, conseqüentemente, a possibilidade de recobrar parte do luxuoso estilo de vida com o qual se habituou no Irã, onde era um militar influente no governo. Além disso, o imigrante conta com o dinheiro que irá ganhar com a venda do imóvel para poder bancar os estudos do filho caçula e, como se não bastasse, ainda enxerga, na propriedade, um reflexo de sua antiga casa de praia. Em outras palavras: como a areia e a névoa, que parecem compactas à distância, mas que escapam pelos dedos quando tocadas, a casa desejada por Kathy e Behrani é um sonho etereal, fugidio.

Outro elemento fascinante de Casa de Areia e Névoa diz respeito às personalidades de seus protagonistas, que não são divididos entre o `Bem` e o `Mal`. Behrani, por exemplo, é um homem autoritário (herança de seu passado militar) e orgulhoso, mas não é cruel. E, apesar de reconhecer que o meio mais simples de solucionar a questão seria devolvendo o imóvel para o município, o sujeito pondera (com certa razão) que não deveria ser prejudicado por um erro administrativo – afinal, ele trabalhara arduamente para economizar o dinheiro necessário para adquirir a propriedade e reformá-la, e não pode aceitar que o futuro de sua família seja comprometido por burocratas. Aliás, Ben Kingsley, um ator com um currículo já brilhante, oferece uma de sua melhores performances ao ilustrar com perfeição o dilema moral de seu personagem, humanizando-o e transformando-o em uma figura complexa e real. Ao mesmo tempo em que retrata o orgulho do iraniano ao se demitir do subemprego que aceitara para sustentar a família, Kingsley comove o espectador em uma cena na qual o sujeito se torna totalmente vulnerável frente à dor inesperada.

Enquanto isso, a belíssima Jennifer Connelly assume mais uma personagem sofrida e oferece o contraponto ideal ao geralmente seguro Behrani, já que Kathy parece sempre pronta a desmoronar. Por outro lado, o policial Lester, interpretado por Ron Eldard, é o único elemento de Casa de Areia e Névoa que poderia ser considerado responsável por todo o sofrimento que se desenrola, já que é um sujeito egoísta que não hesita em usar o distintivo para tentar intimidar a família de imigrantes, revelando um desprezível traço de xenofobia. E, já que citei a família de Behrani, devo destacar o ótimo desempenho de Shohreh Aghdashloo, que, como esposa do ex-militar, torna-se a pessoa aparentemente mais frágil da história, já que, por não compreender o inglês, depende do marido para entender o que está ocorrendo – e, infelizmente, Behrani não se mostra muito disposto a explicar a situação, levando-a a temer até mesmo a deportação (que resultaria na morte de sua família, que é perseguida no Irã).

Estreando na direção de longas depois de uma fértil carreira em publicidade, Vadim Perelman seguiu os passos de Sam Mendes (outro que estreou no Cinema graças ao apoio da DreamWorks de Spielberg) e requisitou a presença de um diretor de fotografia experiente que pudesse auxiliá-lo em sua transição: Roger Deakins, colaborador habitual dos irmãos Coen (no caso de Mendes, o escolhido foi o lendário Conrad L. Hall). Criando um esquema de cores melancólico e frio, Deakins ajuda Perelman a construir o clima do filme, que acaba sendo conduzido de forma segura pelo estreante – principalmente no que se refere às atuações. Em alguns momentos, Perelman revela sua inexperiência ao incluir tomadas nada sutis (ou eficazes), como aquela em que gira a câmera em torno de Connelly com o objetivo de criar um momento superficialmente dramático, mas estas pequenas falhas não chegam a comprometer o resultado final.

Triste e moralmente complexo, Casa de Areia e Névoa é um filme que se encaixa com perfeição no Grande Tema de 2003: o drama familiar. Aliás, se encaixa tão bem que, como eu disse no início deste artigo, foi o responsável por me levar a constatar a existência deste motivo recorrente nas produções deste ano.
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4 de Janeiro de 2004

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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