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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
11/03/2005 08/02/2005 3 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
121 minuto(s)

Constantine
Constantine

Dirigido por Francis Lawrence. Com: Keanu Reeves, Rachel Weisz, Shia LaBeouf, Djimon Hounsou, Max Baker, Pruitt Taylor Vince, Gavin Rossdale, Peter Stormare, José Zúñiga, Jesse Ramirez, Tilda Swinton.

John Constantine é um personagem literalmente maldito: capaz de enxergar elementos do mundo sobrenatural desde a infância, foi submetido por seus preocupados pais a tratamentos psiquiátricos (incluindo terapia de choque) ainda na adolescência, chegando a ponto de tentar suicidar-se a fim de se ver livre do sofrimento. Foi então que algo inesperado ocorreu: como prega o catolicismo, a alma do jovem suicida foi parar no Inferno, onde permaneceu por alguns minutos (para ele, uma eternidade) até Constantine ser ressuscitado pelos médicos. A partir daí, o rapaz compreendeu que suas visões eram reais e passou a dedicar a vida à eliminação dos `semi-demônios` que caminham pelo planeta. Infelizmente, porém, sua própria alma já estava condenada; o suicídio é um pecado para o qual não há perdão e, assim, o anti-herói sabe que, não importa o que faça, irá encontrar o próprio Lúcifer depois de morrer – algo que não deverá demorar muito tempo, já que ele acaba de receber o diagnóstico de um câncer em estágio avançado.

Baseado na série em quadrinhos criada por Alan Moore (e com a qual não sou familiarizado, devo confessar), o filme começa de maneira promissora: em uma impressionante seqüência antes do surgimento do título, vemos um mexicano pobre encontrando a lendária Lança do Destino, que teria perfurado o corpo de Cristo na cruz, e experimentando seus poderosos efeitos (uma única ressalva: o diretor Francis Lawrence poderia ter marcado os movimentos do ator de uma maneira que não lembrasse tanto o Gollum da saga O Senhor dos Anéis: ao mostrar o mexicano de cócoras, olhando desconfiado para os lados, Lawrence quase leva o espectador a esperar ouvir um `My preciousss...`, o que diminui o impacto da cena). A partir daí, o roteiro escrito por Kevin Brodbin e Frank Cappello concentra-se numa trama envolvendo o `filho do Diabo` e a policial sensitiva Angie Dodson (Weisz), que procura Constantine para pedir auxílio nas investigações sobre o aparente suicídio de sua irmã gêmea.

Retratado como um indivíduo cínico e solitário, John Constantine é o típico anti-herói cujo charme reside na brutalidade com que lida com o mundo à sua volta – algo que fica claro em sua primeira conversa com Angie. Sem esforçar-se para parece simpático ou mesmo cordial, Keanu Reeves revela-se uma escolha perfeita para o papel, já que suas limitações evidentes como ator contribuem para transformar o protagonista em uma figura ainda mais fria e enigmática. Além disso, o simples fato de ter se eternizado como o Neo da trilogia Matrix (o papel de sua vida) leva o espectador a confiar na capacidade de Constantine de lidar com os obstáculos que surgem em seu caminho – e Reeves exala segurança já em sua primeira participação na história, quando assume o comando de um exorcismo como se estivesse desempenhando uma atividade corriqueira (por outro lado, a inexpressividade do ator tira um pouco da força da cena em que o personagem-título é informado sobre seu câncer).

Mas Constantine não é o único ser sombrio do longa; praticamente todos aqueles que atravessam a história dividem com o protagonista uma amargura incurável – e, neste sentido, o elenco é praticamente impecável: além do trabalho adequado de Reeves, Rachel Weisz brilha ao retratar as dúvidas e receios de Angie, assim como suas assustadoras descobertas. Enquanto isso, Pruitt Taylor Vince deixa uma forte impressão como o Padre Hennessy e Tilda Swinton, como o arcanjo Gabriel, se revela um dos exemplos de casting mais inspirados dos últimos tempos. Por outro lado, a participação de Peter Stormare como Lúcifer me incomodou por seu exagero e pelo tom cômico adotado pelo ator (normalmente eficiente) – sim, é possível que muitos espectadores apreciem as escolhas de Stormare, mas, particularmente, senti que estas destoavam do tom do filme.

Um tom, diga-se de passagem, muito bem desenvolvido pela ótima fotografia de Philippe Rousselot, que aposta em cores apagadas e na granulação para estabelecer o clima de melancolia e tensão que percorre a narrativa – e as referências ao gênero noir apenas contribuem para potencializar estes sentimentos. É uma pena, portanto, que a partir da metade da projeção as prioridades do roteiro pareçam se inverter, relegando a atmosfera a um segundo plano e conferindo maior importância à ação e aos efeitos visuais. Da mesma forma, a abordagem quase realista dos fenômenos sobrenaturais logo cede lugar a uma baboseira fantasiosa que quase estraga o filme (era mesmo necessário introduzir na história um arsenal composto por `bafo de dragão` e `chiado de besouro`? Isto funciona bem no universo mágico de Harry Potter, mas não no mundo claustrofóbico de Constantine.)

Aliás, um dos principais motivos para que o longa consiga sobreviver aos vários furos do roteiro reside na boa direção do estreante Francis Lawrence, que estabelece um ótimo clima de tensão (ver o exorcismo inicial), cria planos de tirar o fôlego (como o suicídio da irmã gêmea) e revela um bom domínio de composição, utilizando enquadramentos inclinados para acentuar o desequilíbrio emocional dos personagens, por exemplo. Além disso, a trilha composta por Brian Tyler e Klaus Badelt evita os clichês do gênero e surge agradavelmente discreta sem que isto comprometa sua eficácia.

Tropeçando feio no terceiro ato, que (entre outros problemas) repete o erro de Elektra ao tentar suavizar o protagonista, tornando-o mais simpático, o roteiro impede que Constantine faça jus ao interessante personagem-título, quase convertendo este último em apenas mais um herói de `filme de terror`. Caso uma continuação venha a ser produzida, espero que John Constantine volte ao seu sombrio humor original – afinal, quem disse que é preciso simpatizar com um personagem a fim de acompanhar suas aventuras?

Observação: há uma pequena cena após os créditos finais.

12 de Março de 2005
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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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