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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/03/2002 05/10/2001 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
122 minuto(s)

Direção

Antoine Fuqua

Elenco

Denzel Washington , Ethan Hawke , Scott Glenn , Raymond J. Barry , Cliff Curtis , Snoop Dogg , Macy Gray , Tom Berenger

Roteiro

David Ayer

Produção

Jeffrey Silver

Fotografia

Mauro Fiore

Música

Mark Mancina

Montagem

Conrad Buff IV

Design de Produção

Naomi Shohan

Figurino

Michele Michel

Direção de Arte

David Lazan

Dia de Treinamento
Training Day

Dirigido por Antoine Fuqua. Com: Denzel Washington, Ethan Hawke, Scott Glenn, Raymond J. Barry, Cliff Curtis, Snoop Dogg, Macy Gray e Tom Berenger.

Como a polícia deve agir em um mundo no qual até mesmo crianças de dez anos de idade têm que ser revistadas durante uma batida, já que poderiam perfeitamente acabar matando alguém? Em Dia de Treinamento, Denzel Washington interpreta um detetive que pensa ter encontrado a solução para este problema ao agir de forma questionável, espancando suspeitos, falsificando mandados e utilizando provas apreendidas como forma de pagamento de seus informantes. No entanto, friso a palavra `pensa`, pois, na verdade, há um limite tênue entre combater o crime de forma brutal e também transformar-se em um criminoso.


É justamente isso que o novato Jake Hoyt (Hawke) descobre ao ser escalado para passar o dia com o detetive vivido por Washington, Alonzo Harris. A princípio, Hoyt se mostra ansioso para impressionar seu superior, por quem tem grande admiração. Porém, à medida em que vai testemunhando os métodos de trabalho pouco convencionais do veterano, o rapaz começa a questionar a eficácia e o valor dos resultados obtidos. E o que é pior: o simples fato de acompanhar Alonzo ao longo do dia pode lhe custar a carreira e, assim, o jovem policial mergulha progressivamente em um emaranhado de delitos e de questionamentos pessoais.

A grande tragédia neste caso é que o personagem de Washington é um profissional competente, possuindo um currículo impressionante de prisões efetuadas. Graças à sua experiência e ao seu `faro` policial, ele sabe onde encontrar informantes e identifica com relativa facilidade os grandes criminosos de sua cidade. Infelizmente, sua lógica distorcida leva-o a cometer atos inaceitáveis (que ele simplesmente não enxerga como incorretos). Alonzo não se tornou corrupto por interesse, mas sim como forma eficaz de tirar o crime das ruas – e, em certo momento, quando explica o funcionamento do `sistema` para seu pupilo, seus olhos ficam marejados, como se ele lamentasse esta dura realidade. (E é por isso que é tão frustrante vê-lo ser transformado em uma caricatura pelo roteiro – algo que discutirei mais adiante.)

Como não poderia deixar de ser, Denzel Washington explora ao máximo a ambigüidade de seu personagem, retratando-o como um sujeito repleto de energia que parece se esforçar, durante todo o tempo, para conter sua natureza selvagem. Enquanto isso, Ethan Hawke assume um papel ingrato, já que Hoyt é um indivíduo sem características marcantes ou uma personalidade explosiva. Porém, devo dizer que, ao contrário do que dizem outros críticos (que condenam a indicação do ator ao Oscar), acredito que parte da força do desempenho de Washington se deve justamente ao efeito que Alonzo provoca em Hoyt, pois é através da reação do jovem policial que avaliamos verdadeiramente a gravidade dos atos de seu superior. Neste sentido, é agradável ver a Academia indicando uma performance sutil como a de Hawke.

Infelizmente, o roteiro de David Ayer compromete o filme ao falhar grosseiramente no terceiro e último ato da história, quando parece desistir de conferir realismo aos seus protagonistas e resolve transformá-los em caricaturas pouco inspiradas de `herói` e `bandido`. A partir deste momento, Dia de Treinamento abandona a ambição de seu tema e se esforça para ser apenas mais um thriller policial. Em contrapartida, a direção de Antoine Fuqua jamais perde o dinamismo, mergulhando o espectador em um incrível estado de tensão (como na seqüência em que Hoyt joga pôquer com três marginais). Além disso, o cineasta não evita o aspecto gráfico da violência e choca o público ao não desviar sua câmera nos momentos mais fortes (há um confronto que ocorre em uma banheira que me fez lembrar de Scarface, de Brian De Palma).

Em uma sociedade violenta como a nossa, é cada vez mais natural que tenhamos o impulso de apoiar atitudes como as do detetive Alonzo, já que queremos recuperar um pouco de nossa antiga tranqüilidade a qualquer custo (e, assim, muitos podem argumentar: `ele é corrupto, mas ao menos está fazendo alguma coisa contra o crime`). Lamentavelmente, a única forma que Dia de Treinamento encontra para mostrar o equívoco desta postura é transformar o personagem de Washington em um monstro.

A explicação correta, no entanto, já foi discutida com competência em 1973, no excepcional Serpico, estrelado por Al Pacino: quando analisada em caráter minimalista, a corrupção de um único detetive pode ser vista de forma condescendente, quase inofensiva. Porém, esta corrupção inevitavelmente se espalha como um câncer pela força policial – e, então, esta se torna obviamente incapaz de combater a criminalidade, tornando-se parte do problema. Não é uma questão de `mocinhos` e `bandidos`, mas sim de bom senso.

16 de Março de 2002

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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