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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/05/2003 31/12/2002 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
113 minuto(s)

Confissões de Uma Mente Perigosa
Confessions of a Dangerous Mind

Dirigido por George Clooney. Com: Sam Rockwell, Drew Barrymore, Julia Roberts, George Clooney, Rutger Hauer, Maggie Gyllenhaal, Jerry Weintraub, Michael Ensign e Richard Kind.

`Eu tive uma idéia para um novo game show, recentemente. Ele se chama O Jogo dos Velhos. Você coloca três idosos no palco, cada um segurando uma arma carregada. Eles avaliam suas vidas, quem foram, o que fizeram e o quão perto estiveram de realizar seus sonhos. O vencedor é aquele que não estourar os próprios miolos. Ele ganha uma geladeira`.

Quando o produtor de tevê Chuck Barris diz a fala acima, em certo momento de Confissões de uma Mente Perigosa, temos a clara impressão de que ele provavelmente não apostaria em si mesmo caso participasse do tal Jogo dos Velhos. Com a expressão cansada e obviamente decepcionado com as próprias realizações, Barris não é um homem feliz, apesar de ter se tornado milionário e famoso em vários países depois de ter criado programas como The Gong Show e The Dating Game (que, no Brasil, deram origem ao Show de Calouros e ao Namoro na Tevê). Acusado – justamente - pelos críticos de televisão por ter provocado uma queda brutal na qualidade da programação das emissoras americanas, Barris sentia-se culpado e envergonhado. Bom, pelo menos, é isso o que ele afirma em seu livro autobiográfico, que deu origem ao filme homônimo. Mas não é só isso: além de narrar os episódios mais importantes de sua vida como produtor de tevê, Chuck Barris ainda alega ter trabalhado como assassino profissional para a CIA durante mais de 20 anos, sendo responsável pela morte de 33 pessoas.

Verdade ou mentira? Apesar de Barris ter confirmado esta versão em várias entrevistas, o fato é que ele seria perfeitamente capaz de ter inventado tudo apenas para chamar a atenção da mídia – ou, o que seria uma explicação mais interessante, como forma de tentar justificar a própria existência: `Eu criei programas apelativos, mas também protegi o mundo da ameaça comunista`, ele parece dizer. Seja como for, o livro do produtor acabou sendo adaptado para o Cinema pela pessoa mais apropriada para a tarefa: Charlie Kaufman, o gênio por trás de Quero Ser John Malkovich e Adaptação. Aliás, não seria difícil imaginar o roteirista inventando a subtrama sobre a CIA, caso esta já não fizesse parte da narrativa de Barris – basta ver o que ele fez com a obra da jornalista Susan Orlean, que, de tratado sobre orquídeas, transformou-se em uma ácida crítica a Hollywood.

Assim, Confissões de uma Mente Perigosa traz várias cenas aparentemente absurdas, mas que acabam fazendo sentido no contexto das alucinações de seu protagonista – como, por exemplo, no momento em que ele se imagina fuzilando uma cantora pouco talentosa e, a partir disso, cria a base do Show de Calouros. E o que dizer do primeiro encontro entre Barris (interpretado por Sam Rockwell) e sua namorada Penny (vivida por Drew Barrymore), que surpreende pela espontaneidade do casal em uma situação tão inusitada?

Por falar em Barrymore, vale dizer que a garota oferece uma bela atuação neste filme: amalucada e quase ninfomaníaca, Penny poderia ter se transformado facilmente em uma caricatura, mas a atriz consegue evitar a armadilha e converte a personagem em uma figura tocante. Por outro lado, Julia Roberts investe justamente no estereótipo de femme fatale, o que também acaba se revelando uma boa escolha, já que isto fornece a Rockwell a motivação ideal para que Barris se envolva cada vez mais no mundo da espionagem (no qual é introduzido pelo agente interpretado por George Clooney, também eficiente). Enquanto isso, Rutger Hauer, que há um bom tempo não era escalado em uma produção de qualidade, aproveita a chance para criar um personagem misterioso que se transforma em assassino para preencher o vazio espiritual provocado pelo fim da Segunda Guerra Mundial (!). Fechando o elenco, vem Sam Rockwell, que assume seu primeiro grande papel depois de ter brilhado em filmes como À Espera de um Milagre, Heróis Fora de Órbita e O Assalto. Conferindo grande energia a Chuck Barris, o ator sustenta o filme com a segurança de um veterano – e é lamentável que ele não tenha sido indicado sequer ao Globo de Ouro, apesar de ter recebido o Urso de Prata no Festival de Berlim.

No entanto, a ótima direção de atores não é a única surpresa oferecida por Confissões de uma Mente Perigosa, que marca a estréia de George Clooney como cineasta: obviamente influenciado por Steven Soderbergh e pelos irmãos Coen, com quem já trabalhou, Clooney cria transições absolutamente sensacionais ao longo do filme, como no momento em que, através de um zoom in e um zoom out, ele consegue, aparentemente em uma única tomada, avançar no tempo para mostrar Rockwell apresentando a idéia do The Dating Game para os diretores de uma emissora. Aliás, outra bela passagem de tempo ocorre na seqüência em que Chuck Barris visita a NBC ao lado de um guia e decide se tornar funcionário da empresa: também em uma única tomada, Clooney ilustra a passagem dos meses de forma elegante e inventiva. É claro que, em alguns momentos, ele acaba exagerando em seus enquadramentos e nas movimentações de câmera - algo perfeitamente compreensível e perdoável em um diretor estreante, já que, aqui, estes `excessos` não comprometem o ritmo da narrativa (por outro lado, talvez o diretor devesse ter sido mais econômico na edição, já que a subtrama envolvendo o relacionamento entre Barris e Penny se estende um pouco mais do que o aconselhável).

Mesmo sem tentar esclarecer se Chuck Barris realmente trabalhou para a CIA (algo de que duvido), Confissões de uma Mente Perigosa procura conferir um toque de verossimilhança à narrativa ao acrescentar, ao longo da projeção, depoimentos de algumas pessoas que conviveram com o produtor durante sua passagem pela tevê – e, ao falar sobre a `vida secreta` do sujeito, alguém diz: `Isso pode ser verdade ou não`. O curioso é que o mesmo se aplica ao próprio depoimento, que poderia perfeitamente ter sido ensaiado previamente.

Como se vê, os universos de Chuck Barris e Charlie Kaufman são complementares. E igualmente fascinantes.
``

2 de Maio de 2003

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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