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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
23/02/2001 09/02/2001 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
131 minuto(s)

Hannibal
Hannibal

Dirigido por Ridley Scott. Com: Anthony Hopkins, Julianne Moore, Ray Liotta, Giancarlo Giannini, Francesca Neri, Frankie R. Faison, Zeljko Ivanek e Gary Oldman.

O Silêncio dos Inocentes é um filme fabuloso: além de contar com um roteiro envolvente e recheado de diálogos inteligentes, ele ainda brinda o espectador com dois personagens absolutamente marcantes: a decidida estagiária do FBI Clarice Starling, e o brilhante psiquiatra Hannibal Lecter, que foi condenado a passar a vida em um hospício por insistir em comer alguns de seus pacientes. Envolto em um clima de constante tensão, o filme prende o espectador à cadeira ao mesmo tempo em que o deixa curioso para saber mais sobre aquelas pessoas.


Infelizmente, nada disso acontece em sua mais do que aguardada continuação, Hannibal: o suspense deu lugar a sustos ocasionais; Starling tornou-se uma pálida sombra do que era; e a trama é medíocre. Lecter, por outro lado, continua a ser uma figura fascinante - e, por incrível que pareça, isso é o que basta.

Quando o filme tem início, reencontramos Clarice durante uma batida policial que resulta em tragédia: cinco agentes são mortos e a moça (agora uma `agente especial do FBI`) é acusada de ter atuado de maneira incorreta. Sua carreira, porém, acaba sendo salva por Mason Verger, um milionário desfigurado que intervém em seu favor - em troca, ele quer que as investigações sobre o paradeiro de Hannibal sejam reiniciadas (seus motivos são claros: foi Lecter quem o levou a retalhar o próprio rosto). Porém, tudo acaba se complicando quando um policial italiano descobre, em Florença, o `esconderijo` do doutor e resolve vender a informação para o vingativo milionário.

A maior proeza do roteiro de Steven Zaillian (David Mamet é creditado, mas seu trabalho foi descartado pelo estúdio) é levar a platéia a mergulhar no enredo criado por Thomas Harris sem permitir que esta questione seus absurdos (em certo momento, descobrimos que Verger pretende fazer com que Lecter seja devorado por porcos selvagens). Aliás, o roteirista conseguiu aproveitar a maior parte dos bons elementos do livro, como a história do antepassado de Pazzi e o incidente envolvendo o batedor de carteiras, ao mesmo tempo em que descartou os piores, como o flashback que revelava a infância de Hannibal e as `enguias assassinas` utilizadas pela irmã lésbica do milionário. Apesar disso, Zaillian não conseguiu evitar que Clarice se tornasse uma personagem superficial e levemente antipática - o que é uma pena, já que Lecter age impulsionado por sua fascinação pela agente (ou, pelo menos, pela Clarice de O Silêncio dos Inocentes).

Enquanto isso, o `bom doutor` continua a impressionar: é realmente fascinante observar este homem refinado e inteligente que, apesar de agir como um perfeito cavalheiro em público, é capaz de realizar atos de extrema crueldade sem sentir o menor remorso - e Anthony Hopkins prova, mais uma vez, que conhece o personagem como ninguém: as pausas em seus diálogos, sua entonação calma e seu olhar frio jamais deixam de assustar (qualquer outro ator acabaria optando por uma atuação equivocadamente mais histérica). É uma pena, portanto, que seus antagonistas não lhe ofereçam a oportunidade de provar sua imensa perspicácia: ao contrário do filme anterior, no qual foi enganado por Starling e Jack Crawford, Lecter está sempre à frente de seus inimigos nesta continuação, o que elimina o suspense da história. Além disso, o diretor Ridley Scott comete um grave erro ao mostrar Hannibal preparando-se para cometer seu crime `final`: é como se víssemos um mágico escondendo um coelho dentro da cartola antes do espetáculo (em O Silêncio..., Jonathan Demme jamais permitia que o público percebesse as intenções do personagem).

Em contrapartida, é fácil compreender por que Jodie Foster se recusou a voltar ao papel que lhe rendeu o segundo Oscar: a Clarice Starling desta continuação nada tem de intrigante, permanecendo sempre em segundo plano - mesmo nas cenas em que deveria ocupar o primeiro. Aliás, a verdade é que só nos interessamos pela personagem por já a conhecermos tão bem (obra do filme anterior). Em compensação, desta vez somos apresentados ao angustiado detetive Rinaldo Pazzi (o sempre ótimo Giannini), que se torna realmente interessante ao longo da trama (ele ocupa, em parte, o lugar que pertenceu a Starling no original). Ray Liotta, por sua vez, cria um Paul Krendler unidimensional, mas não por culpa própria: o personagem já era assim no livro. E Gary Oldman, como Mason Verger, parece deixar que a excelente maquiagem criada por Greg Cannom faça todo o seu trabalho. O vilão, que poderia ter se tornado memorável, acaba sendo apenas uma aberração curiosa.

Com relação às cenas mais `pesadas`, devo dizer que Ridley Scott prefere ignorar o conceito de `sutileza` e jamais desvia a objetiva de sua câmera nos momentos violentos. O resultado é óbvio: ao chocar o espectador, ele consegue resgatar parte da forte impressão causada por O Silêncio dos Inocentes - mesmo que o suspense ininterrupto daquele filme tenha sido inquestionavelmente substituído, nesta continuação, pelo impacto de algumas poucas cenas (especialmente aquele provocado pela seqüência final).

E, já que estamos falando do final da trama, devo confessar que achei o desfecho visto no filme bem mais satisfatório do que aquele apresentado no livro de Thomas Harris: particularmente, jamais consegui acreditar que Clarice pudesse agir da maneira descrita pelo autor (o que não deixa de ser curioso, já que estamos falando do criador da personagem). Assim, a conclusão desta adaptação não é apenas menos `revoltante`; é, também, mais plausível.

Hannibal é, em suma, um filme que merece ser conferido: apesar de não conseguir atingir o mesmo patamar de qualidade de seu antecessor, é interessante o bastante para manter o espectador atento, graças ao doutor Lecter - um dos personagens mais fascinantes (e assustadores) da história do cinema moderno.

23 de Fevereiro de 2001

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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