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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
16/03/2001 05/01/2001 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
147 minuto(s)

Traffic
Traffic

Dirigido por Steven Soderbergh. Com: Michael Douglas, Benicio Del Toro, Catherine Zeta-Jones, Don Cheadle, Luis Guzmán, Dennis Quaid, Erika Christensen, Topher Grace, Amy Irving, Steven Bauer, Jacob Vargas, Tomas Milian, Albert Finney e Miguel Ferrer.

As autoridades internacionais freqüentemente incluem, em seus discursos, frases categóricas sobre `como devemos agir para vencer a guerra contra as drogas`. Da forma como isso é dito, podemos até pensar que este é um objetivo facilmente alcançável, desde que os programas propostos pelos governos espalhados ao redor do mundo sejam cumpridos. Em seu mais recente filme, Traffic, o cineasta Steven Soderbergh consegue nos mostrar que não é bem assim.

Inspirado em uma minissérie da tevê britânica produzida há cerca de dez anos, Traffic traça um complexo painel sobre o narcotráfico, desde a origem das drogas, nos campos de plantação do terceiro mundo, até os consumidores finais, residentes em (literalmente) todo o planeta. De maneira didática e provocante, Soderbergh explica como a droga atravessa fronteiras com relativa facilidade; ilustra os meios utilizados para isso; revela que até mesmo as costumeiras apreensões feitas pela polícia atuam em favor dos traficantes (o que não é de se surpreender; pondera sobre a importância dos programas de reabilitação de viciados; e, como se não bastasse, ainda nos faz ficar interessados sobre o destino dos personagens que atravessam o filme.

O roteiro de Traffic, habilmente escrito por Stephen Gaghan (que assume ter sido dependente químico), acompanha três narrativas que se desenvolvem simultaneamente: a primeira gira em torno de um correto policial mexicano que se vê envolvido em uma guerra entre os dois principais cartéis de seu país, e que, mesmo correndo um terrível risco, insiste em manter-se honesto e em cumprir a lei; a segunda história traz um renomado magistrado americano que assume o cargo de líder da cruzada anti-drogas, mas que, enquanto isso, testemunha o mergulho da própria filha no vício; e, finalmente, a terceira e última trama centraliza-se na figura de uma socialite que, depois de descobrir que o próprio marido é um grande traficante, é obrigada a assumir os negócios da família para garantir a manutenção de seu status quo.

Uma das maiores proezas do filme é conseguir fazer com que o espectador acompanhe estas três histórias sem jamais sentir-se perdido ou entediado. Graças ao excelente trabalho de edição feito por Stephen Mirrione, as narrativas fluem facilmente, interligando-se em alguns momentos. Além disso, Soderbergh prova, mais uma vez, ser um excelente diretor de atores, já que todo o elenco da produção oferece desempenhos memoráveis. No entanto, não há dúvidas de que o grande destaque é mesmo Benicio Del Toro, que cria um personagem real como poucos. Seu policial não é um destes heróis de cinema, que costumam partir em cruzadas ideológicas suicidas. Ao contrário: ele procura se preservar ao mesmo tempo em que faz aquilo que está ao seu alcance, chegando mesmo a auxiliar alguns traficantes como forma de derrubar um cartel (seu maior sonho é iluminar o campo de beisebol local para que as crianças do bairro possam jogar à noite, em vez de trabalharem vendendo drogas).

Outra que chama a atenção é Catherine Zeta-Jones, que surpreende em uma atuação contida, mas tocante (embora a confiança adquirida por sua personagem venha de maneira muito súbita). Finalmente, temos Michael Douglas oferecendo, pela segunda vez no mesmo ano, um desempenho de mestre (o primeiro foi como o desleixado professor de Garotos Incríveis). É uma pena que a Academia tenha optado pelo trabalho apenas correto de Russell Crowe em Gladiador.

Porém, a maior injustiça desta última edição do Oscar é a não-inclusão de Traffic na categoria de Melhor Fotografia. Criada pelo próprio Soderbergh (sob o pseudônimo Peter Andrews), a fotografia do filme não é apenas bonita; ela exerce, também, uma importante função na narrativa, já que auxilia o espectador a identificar, de imediato, qual das três histórias está sendo enfocada naquele momento. Além disso, os filtros de cor ajudam a criar o clima adequado para cada ambiente: a azulada frieza opressiva do universo do juiz de Michael Douglas; a miserável aridez amarelada do mundo de Del Toro; e a realidade cotidiana do tráfico nas ruas, observada na subtrama que envolve Zeta-Jones e os policiais de Don Cheadle e Luis Guzmán. Para completar, Soderbergh mantém o hábito de mover a câmera ininterruptamente, conferindo um ar documental ao filme.

No final das contas, Traffic não oferece soluções prontas ou traça conclusões miraculosas sobre o problema do narcotráfico - e isso pode incomodar alguns espectadores. Porém, é justamente aí que reside a força do filme: suas possíveis conclusões poderiam até soar plausíveis, mas se resumiriam apenas a frases de efeito, já que o próprio roteiro se encarregara, nas duas horas anteriores, de mostrar que este é um problema complexo e de difícil solução. Ao manter a sobriedade em seu desfecho, Soderbergh atinge um objetivo maior e mais nobre: nos leva a pensar e a discutir o assunto. Neste sentido, o filme presta um grande favor à sociedade.

E, tratando-se de Hollywood, este é um fato raro.
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25 de Março de 2001

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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