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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
18/01/2008 11/12/2007 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
101 minuto(s)

Eu Sou a Lenda
I Am Legend

Dirigido por Francis Lawrence. Com: Will Smith, Alice Braga, Charlie Tahan, Salli Richardson, Willow Smith, Darrell Foster, Dash Mihok, Emma Thompson.

Publicado em 1954 pelo escritor Richard Matheson, Eu Sou a Lenda é um caso raríssimo de livro cujas adaptações vão se tornando melhores a cada nova versão: a primeira e mais fiel, Mortos que Matam (de 64), trazia um ótimo e amargurado Vincent Price, mas falhava em função dos vampiros zumbificados que não representavam ameaça alguma, ao passo que A Última Esperança da Terra (de 71), com um Charlton Heston divertidamente antipático, afundava parcialmente graças ao estilo “líder de seita satânica” adotado pelo vilão de Anthony Zerbe, já que o filme fizera a péssima opção de combinar, numa só criatura, as duas versões de vampiros existentes na obra de Matheson. Já este novo Eu Sou a Lenda, embora descarte o fascinante conceito dos “vampiros vivos” do livro, se destaca por estabelecer uma eficaz atmosfera de solidão e decadência, além de criar um forte clima de tensão em suas ótimas seqüências de ação.


Escrito por Mark Protosevich (Poseidon, A Cela) e pelo geralmente incompetente Akiva Goldsman (e duvido que ele tenha algo a ver com o que há de bom nesta produção), o filme tem início com uma entrevista durante a qual uma certa Dra. Alice Krippin confirma ter descoberto a cura do câncer – algo que Emma Thompson (em ponta não-creditada) anuncia depois de uma pausa sutil, como se mal pudesse acreditar em si mesma, comprovando que uma boa atriz não precisa de um grande papel para causar forte impressão. Logo em seguida, porém, a história salta três anos no tempo e, num choque realçado pelo contraste com a notícia que viera antes, descobrimos uma Nova York tomada pela relva e por animais selvagens. É então que somos apresentados ao protagonista, o tenente-coronel (e médico) Robert Neville – aparentemente, o último sobrevivente da espécie humana depois que o vírus Krippin exterminou a maior parte da população e transformou o restante em aberrações que se alimentam de sangue.

Assim como Tom Hanks em Náufrago, aqui Will Smith tem a difícil missão de carregar sozinho a narrativa, despertando o interesse do público pelas atribulações de seu personagem sem poder depender muito dos diálogos – e, comprovando o carisma exibido em filmes como À Procura da Felicidade, Homens de Preto e Independence Day, o ator se sai admiravelmente bem na tarefa. Retratando Neville como um sujeito que se apega à rotina para não enlouquecer, Smith confere um aspecto tocante à forma com que o personagem insiste em assistir a programas gravados em vídeo ou em conversar com manequins com o intuito de simular uma normalidade que está longe de existir. Da mesma maneira, o caráter obsessivo de sua pesquisa por uma cura (como ele pretende convencer os monstros a se submeterem ao tratamento?) revela uma negação comovente de sua condição de solidão eterna – e é justamente ao julgar ter visto alguém vivo no meio da cidade que ele finalmente deixa sua máscara de passividade cair, revelando um quase princípio de insanidade ao gritar com um manequim num dos momentos mais dramáticos da narrativa (e que encontra eco na cena em que ele implora, num desespero contido, por uma resposta que nunca virá).

E se Hanks contava com a bola de vôlei Wilson, Smith aqui ganha um parceiro bem mais expressivo, a cadela Sam: único ser vivo a fazer companhia para o médico, ela se torna um de seus últimos elos com o passado – e o ator, inteligente, demonstra compreender a importância do animal para seu personagem ao retratar o pânico de Neville ao perceber que Sam se colocou em perigo. Aliás, esta seqüência, que se passa num depósito escuro, é vital por exercer dupla função, já que também apresenta o público aos vilões do filme – e, mais uma vez, Smith acerta ao demonstrar o verdadeiro pavor que o protagonista sente das criaturas: respirando pesadamente e obviamente contendo o impulso de simplesmente sair correndo dali, ele insiste em sua missão apenas pelo amor a Sam. Além disso, o ator também merece aplausos por segurar o olhar cruel da câmera na cena em que o vemos em close enquanto, fora de campo, ele executa uma ação particularmente dolorosa, em mais um momento de grande impacto.

Voltando à cadeira de diretor dois anos após sua estréia em Constantine, Francis Lawrence comprova o talento exibido naquele filme apenas mediano (cujas falhas eram principalmente de roteiro) ao conferir forte realismo à trama de Eu Sou a Lenda. Confiando na inteligência do espectador, ele não perde tempo martelando informações através de diálogos expositivos, optando, em vez disso, por apresentá-las sutilmente através de uma capa de revista (a Time) colada na porta da geladeira do herói ou de um folheto informativo sobre “cães-vampiros” visto rapidamente num apartamento abandonado. Da mesma forma, em vez de incluir uma cena desnecessária na qual Neville explicaria como evita que os monstros o farejem, Lawrence simplesmente inclui um plano rápido no qual vemos o sujeito espalhando vinagre na porta de seu prédio, deixando que tiremos nossas próprias conclusões. Finalmente, ao incluir um flash da família do protagonista na cozinha, quando ele vê uma mulher e uma criança desconhecidos no aposento, o cineasta retrata de maneira sutil e elegante todo o tumulto emocional que aquela visão evoca para o sujeito.

Mas não é só: a própria apresentação dos vilões é feita de maneira gradual e extremamente eficaz pelo cineasta, que inicialmente revela apenas o efeito que o vírus Krippin provoca em ratos. A partir daí, escutamos os gritos das criaturas à distância até que, finalmente, na já discutida seqüência do depósito, Lawrence e o montador Wayne Wahrman constroem um quase insuportável clima de tensão ao intercalarem quadros fechados que mostram Neville e outros mais abertos e tomados pela escuridão, quando vemos apenas o facho da lanterna do herói percorrendo o ambiente. E, mesmo assim, o diretor adia o quanto pode o instante da revelação, chegando, primeiro, a mostrar apenas as costas de seus monstros.

E é uma pena, portanto, que as criaturas em si sejam tão decepcionantes: criadas em computador, elas nada mais são do que bonecos digitais terrivelmente artificiais que surgem quase como um anti-clímax à cuidadosa apresentação feita pelo filme. Aliás, elas são uma síntese perfeita dos perigos da tecnologia no que diz respeito ao Cinema: o fato de ser possível criar personagens digitais não significa que esta é a melhor opção para todos os casos, já que Eu Sou a Lenda se beneficiaria tremendamente do bom e velho trabalho de maquiagem feito por mestres como Rick Baker ou Greg Cannom – e a tensão criada por um ator de carne-e-osso devidamente maquiado seria infinitamente maior, já que o público registra inconscientemente o fato de que, ao menos naquele universo, a ameaça é real e não um conjunto de zeros e uns criado num computador da Industrial Light & Magic (ou, neste caso, diversas outras empresas trabalhando em aspectos diferentes dos monstros).

Lamentavelmente, outro aspecto pouco eficaz do longa reside na personagem da brasileira Alice Braga. Não que a culpa seja da atriz, que faz o que pode com a unidimensional Anna: atrelada a um roteiro que a enxerga apenas como artifício dramático para conferir peso ao terceiro ato, Braga já entra em cena de maneira artificial, atuando como um frustrante deus ex machina para tirar Neville de uma situação difícil (para não dizer impossível). A partir daí, ela é utilizada (por Akiva Goldsman, aposto, já que isto é típico de seus fracos roteiros) para tentar atribuir relevância temática à história, entregando-se a um discurso bobo e superficial sobre Deus. É como se Goldsman tivesse concluído que faltava uma discussão teológica ao filme e decidido atirá-la de qualquer maneira na história para simbolizar a redenção emocional do protagonista, que nega Deus num momento apenas para, minutos depois, aceitar a Divina Providência como lógica que rege o mundo. Para finalizar, a única forma que Goldsman (juro que foi ele!) encontra para aproximar Neville e Anna é através da música de Bob Marley... de quem a moça nunca ouviu falar. Faça-me o favor...

Apesar destes problemas óbvios (e de descartar a subtrama dos “vampiros vivos” que justifica o título do livro de maneira fascinante), Eu Sou a Lenda é um filme que funciona em seu aspecto mais importante: nossa identificação com o protagonista. Robert Neville. E o impacto dramático de seu desfecho é um tributo não só à narrativa construída com talento pelo diretor, mas também ao carisma do cada vez mais eficiente Will Smith.

18 de Janeiro de 2008

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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