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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
16/01/2009 01/01/1970 3 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
166 minuto(s)

O Curioso Caso de Benjamin Button
The Curious Case of Benjamin Button

Dirigido por David Fincher. Com: Brad Pitt, Cate Blanchett, Taraji P. Henson, Julia Ormond, Tilda Swinton, Jason Flemyng, Jared Harris, Mahershalalhashbaz Ali, Elle Fanning, Phyllis Sommerville, Elias Koteas.

 

Salvo engano, foi George Bernard Shaw quem disse que a juventude era uma coisa maravilhosa demais para ser desperdiçada com os jovens. Pois ao sair do cinema depois de assistir a este O Curioso Caso de Benjamin Button, lembrei-me desta frase e calculei que Shaw provavelmente concluiria que, ao menos no caso do personagem-título desta produção, o rejuvenescimento pareado ao amadurecimento mental e emocional não valeu de muita coisa, já que Button parece tão miserável em seu final de vida quanto soava no início. Posso até mesmo imaginar o dramaturgo passando as mãos em sua longa barba e parafraseando a própria afirmação: “A vida é uma coisa maravilhosa demais para ser desperdiçada com Benjamin Button”.

 

Inspirado num bom conto (mas não mais do que isso) de F. Scott Fitzgerald, o roteiro de Eric Roth é uma adaptação livre que, contando com um argumento concebido ao lado de Robin Swicord (Memórias de uma Gueixa), acerta ao alterar a base da história do escritor norte-americano: em vez de nascer com corpo e mentalidade de um adulto idoso e regredir mentalmente à medida que seu corpo rejuvenescia, o Benjamin Button (Pitt) do filme surge como um bebê com rosto envelhecido que, embora nascido com o organismo de um homem em fim de vida, revela-se psicologicamente como uma criança – o que permite ao filme testar a tese de Shaw ao levar o personagem a amadurecer emocionalmente à medida que seu corpo se torna mais forte e jovem. Abandonado pelo pai (ao contrário do conto), Button cresce, ironicamente, num asilo para idosos, onde, criança num corpo de velho, brinca com sua cadeira de rodas e com velhos soldadinhos de chumbo. Adotando uma estrutura narrativa em flashbacks, sua história é recriada a partir da leitura de seu diário, que agora se encontra na posse de Daisy (Blanchett), sua mais duradoura paixão e que, já idosa, encontra-se à beira da morte num hospital em New Orleans durante a tempestade provocada pelo furacão Katrina, em 2005.

 

Esta estrutura, diga-se de passagem, não difere muito daquela vista em Forrest Gump, outro roteiro escrito por Roth e que também contava com a narração do protagonista – e não é à toa que menciono esta “coincidência”, já que Benjamin Button divide com Gump uma série de outros elementos que certamente poderiam servir de base para uma clara acusação de auto-plágio. Em primeiro lugar, ambos os personagens-título atravessam décadas enquanto participam, direta ou indiretamente, de importantes momentos históricos (para citar um único exemplo, o avô do padrasto de Button revela-se camareiro de John Wilkes Booth, assassino de Lincoln, num tipo de brincadeira histórica que abundava no longa de 94). Além disso, Button e Gump enfrentam dificuldades para caminhar na infância, são criados por mulheres fortes, eventualmente partem para a guerra (onde testemunham a morte de grandes amigos), tornam-se fascinados com barcos, mantém longas paixões por mulheres independentes com as quais se encontram de tempos em tempos e, em certo momento, chegam mesmo a manifestar a preocupação de que seus filhos herdem suas “características” mais marcantes. E mais: nos dois filmes, os personagens secundários – sempre excêntricos - são apresentados com pequenos retrospectos de suas histórias, ao passo que os temas principais das histórias são simbolizados por objetos flutuantes/voadores (uma pena lá, um beija-flor aqui).

 

Porém, talvez o maior problema nesta abordagem pouco original de Roth resida no fato de que, em ambas as produções, o protagonista não tem uma personalidade particularmente atraente ou complexa, resumindo-se a uma figura unidimensional definida por sua condição médica. Quem é, afinal, Benjamin Button? Como ele enxerga o mundo ou a si mesmo? O que move suas decisões? O que ele busca? Em certo instante, ele decide se afastar da mulher que ama ao alegar que não poderia assumir a responsabilidade de ser pai, mas ao menos 15 anos se passam até que ele realmente comece a exibir traços que o impediriam de exercer a função – e, ao contrário dos pais que envelhecem naturalmente e estão sujeitos a doenças e acidentes, ele ao menos podia prever com razoável segurança o tempo que poderia permanecer com a filha, o que denota um imenso egoísmo e uma colossal imaturidade por parte de um homem supostamente já amadurecido (a título de comparação: meu pai morreu quando eu tinha cinco anos. O que eu não daria por ao menos outros dez anos ao seu lado...). Em contrapartida, as mulheres que cruzam o caminho de Button se revelam bem mais interessantes – especialmente aquelas interpretadas por Blanchett e Swinton -, o que não é o bastante para compensar a falta de complexidade do rapaz. Já Queenie, sua mãe adotiva, é interpretada como a “negra sulista” de maneira tão caricatural por Taraji P. Henson que, em vários momentos, me lembrei da Mammy vivida por Hattie McDaniel em ...E o Vento Levou – com a importante diferença de que aquela performance, caricata mas importante em sua época, foi concebida há 70 anos.

 

Já tecnicamente, O Curioso Caso de Benjamin Button realmente impressiona, mesmo que a maquiagem digital criada para rejuvenescer Brad Pitt o transforme num boneco de cera (não é à toa que ele é mantido nas sombras, nestas sequências) e a técnica similar empregada em Cate Blanchett surja mais como uma versão sofisticada do velho soft focus - com a diferença de que, em vez de sujar toda a lente com vaselina, o leve embaçamento é centralizado apenas no rosto da atriz, o que não elimina aquela antiga e estranha luminosidade que conferia um caráter etéreo aos rostos das atrizes nos longas em preto-e-branco. Por outro lado, o envelhecimento digital surge bem mais convincente, assim como a ótima sequência aquática da batalha entre um pequeno barco e um submarino alemão. E se os efeitos visuais fogem do naturalismo na maior parte do tempo (observem, por exemplo, o plano geral da cidade russa coberta pela neve), isto se adequa perfeitamente ao caráter de fábula da história, revelando-se um grande acerto.

 

Da mesma maneira, os figurinos de Jacqueline West não apenas se mostram consistentes em todas as várias décadas abordadas pela narrativa (a direção de arte também se destaca neste sentido) como ainda primam pela inteligência ao lidarem com a condição atípica de seu protagonista: reparem, neste sentido, como as roupas de Button em seu início de vida combinam a austeridade das vestes de um senhor idoso e a leveza das calças curtas de um garoto. Mas não é só: o diretor de fotografia chileno Claudio Miranda também brilha na construção das cores e da luz do filme ao longo da projeção, desde os tons em sépia da primeira fase da história até o dourado intenso do período mais feliz da vida do personagem-título (aquele dividido com Blanchett), chegando, finalmente, ao naturalismo dos dias atuais. Além disso, não deixa de ser interessante que o primeiro close verdadeiro de Brad Pitt aconteça com mais de uma hora de projeção e no exato momento em que alguém comenta sua aparência física “perfeita”. Por outro lado, a cena em que Blanchett dança num parque, à noite, em contraluz e diante de uma cortina de fumaça pode até ser plasticamente belíssima, mas falha narrativamente ao criar um clima excessivamente artificial que leva a personagem da atriz a soar como uma criatura presunçosa e distante.

 

Mas talvez o grande problema de O Curioso Caso de Benjamin Button resida mesmo na atmosfera excessivamente fria, técnica, de David Fincher. Diretor de currículo impecável (até mesmo seu Alien3 conta com atrativos inquestionáveis, ao passo que Se7en, Clube da Luta e Zodíaco se estabeleceram, para mim, como jovens clássicos), Fincher é um cineasta claramente cerebral que sempre se destaca quando lida com narrativas que dependem de uma abordagem racional e controlada – e se há algo que ele definitivamente não consegue fazer muito bem é criar personagens ou situações centrados na emoção (a relação entre Jodie Foster e a filha em O Quarto do Pânico, por exemplo, é um dos grandes problemas daquele ótimo filme). Aliás, talvez seja esta sua eterna tendência à racionalização que tenha levado Eric Roth a incluir uma introdução que busca explicar, mesmo tangencialmente, a origem de Button (refiro-me à dispensável história do relojoeiro vivido por Elias Koteas). Da mesma forma, as grandes explosões emocionais do longa acabam surgindo artificiais, falsas, como o pedido de Daisy para que Button saia de sua vida (algo que parece acontecer apenas para criar um conflito dramático) e, claro, o discurso inapropriadamente articulado que certo personagem faz no momento de sua morte.

 

Já outros elementos do roteiro pecam simplesmente pela inconsistência: a princípio, por exemplo, todos os grandes acontecimentos ou mudanças na vida de Button parecem ser acompanhados pela morte de outro personagem (como sua mãe e o pastor que “cura” suas pernas), mas este conceito logo é abandonado por Roth. Além disso, a personagem de Julia Ormond, que lê o diário do protagonista para Daisy, é absolutamente dispensável, já que, além de nada contribuir para a narrativa, jamais experimenta qualquer alteração em consequência do que descobre em suas leituras – e sua falta de importância é denunciada pelo próprio roteiro, que a tira de cena sem qualquer cerimônia depois que ela chega ao fim do texto (por que Roth não entregou a tarefa a uma enfermeira? Por que conferir importância a Ormond ao estabelecê-la como figura relevante nas vidas de Daisy e Button?). Porém, talvez o maior crime do roteirista seja usar a tragédia do Katrina como amarras da narrativa para que isto confira peso ao projeto, mas sem jamais se preocupar em justificar organicamente a citação ao furacão. Pergunto: em que a história se beneficia ao utilizar o Katrina? Que diferença isto faz para o filme? Nenhuma; é apenas uma menção gratuita e mesmo ofensiva ao trivializar uma tragédia real e recente.

 

Aliás, nem mesmo a justificativa de comentar o racismo de um país que entregou uma população predominante negra à enchente provocada pela falta de infra-estrutura e pelo descaso do governo pode ser empregada aqui, já que o longa busca evitar esta discussão a todo custo, chegando ao absurdo de fugir de qualquer menção à discriminação racial mesmo contando uma história que se passa no Sul dos Estados Unidos no início do século e envolve uma mulher negra criando uma criança branca. Vale dizer, também, que o roteiro de Roth erra mesmo ao acertar: a belíssima sequência que discute o acaso a partir de um atropelamento, por exemplo, é inspirada, mas parte de um furo do roteiro, já que Benjamin Button, que a descreve, não teria a menor condição de estar a par de todos aqueles incidentes que, ao se acumularem, levam a um acidente.

 

Apesar de todos estes problemas, porém, O Curioso Caso de Benjamin Button jamais soa desinteressante ou cansativo – e a história de amor que o impulsiona é curiosa e original ao seu próprio modo. Ainda assim, não há como negar que, comparado às duas parcerias anteriores entre Fincher e Pitt (Se7en e Clube da Luta), este filme surge irregular e mesmo decepcionante, mesmo que não se revele uma bomba como Velha Juventude, que, dirigido por Francis Ford Coppola, também girava em torno de um homem que começava a rejuvenescer. De todo modo, num ano que contou com o fabuloso Sinédoque, New York, que discutia a efemeridade do amor, a perda, a passagem inexorável do tempo e a morte de maneira infinitamente superior, este Benjamin Button acaba soando tão imaturo e sem personalidade quanto seu personagem-título. 

 

21 de Janeiro de 2009

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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