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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
27/11/2009 07/08/2009 3 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
123 minuto(s)

Julie e Julia
Julie & Julia

Dirigido por Nora Ephron. Com: Meryl Streep, Amy Adams, Stanley Tucci, Chris Messina, Linda Emond, Helen Carey, Mary Lynn Rajskub, Jane Lynch, Vanessa Ferlito e a voz de Mary Kay Place.

Antes de falar sobre qualquer aspecto de Julie e Julia, duas observações: 1) Amy Adams continua adorável; e 2) Não assista ao filme com fome. Dito isso, o fato é que o novo trabalho de Nora Ephron na realidade poderia ser descrito como dois médias-metragens montados paralelamente num único longa – e o fato é que, por mais adorável que Adams seja, é a história protagonizada por Meryl Streep que segura o projeto.


Inspirando-se nas autobiografias da blogueira Julie Powell e da cozinheira Julia Child, o roteiro de Ephron usa como centro narrativo o projeto concebido pela primeira em 2003: funcionária de uma agência do governo criada para lidar com os parentes das vítimas do 11 de Setembro, Powell (Adams) encontra-se frustrada por ter abandonado seus projetos de se tornar escritora e, como uma espécie de terapia, decide criar um blog no qual descreverá, durante um ano, seus esforços para preparar todas as 524 receitas presentes no consagrado livro co-escrito por Child (Streep) décadas antes. Enquanto acompanhamos o cotidiano da moça, o filme salta para o final da década de 40 e passa a seguir também a trajetória de Child, que, esposa de um adido cultural (Tucci), chega à França e fica maravilhada com a culinária local, decidindo aprender mais sobre o assunto e enfrentando o preconceito de um meio profissional dominado por homens.

Numa análise superficial, portanto, Julie e Julia emprega uma estratégia narrativa não muito diferente daquela vista no ótimo As Horas (também com Streep), no qual a obra de Virginia Woolf servia como ligação entre três histórias ambientadas em épocas diferentes – num paralelismo que Ephron busca ressaltar através de rimas visuais como aquela envolvendo a torre Eiffel e uma caixa d’água. Da mesma maneira, as próprias trajetórias das protagonistas trazem similaridades curiosas: ambas eram funcionárias do governo que se mudam em função do emprego de seus maridos; sentem-se igualmente frustradas com as dificuldades impostas pelo universo literário; são casadas com homens que as apóiam incondicionalmente; são criticadas pela figura p(m)aterna; e decidem mudar os rumos de suas vidas durante conversas mantidas ao longo de um jantar.

Infelizmente, ao contrário do que ocorria em As Horas, porém, Ephron e o montador Richard Marks não conseguem alcançar a fluidez visual obtida por Stephen Daldry e Peter Boyle naquele longa, investindo em transições sem imaginação e raccords terrivelmente óbvios. Além disso, o diretor de fotografia Stephen Goldblatt perde uma imensa oportunidade de criar uma lógica plástica interessante, já que não estabelece qualquer diferenciação entre as seqüências envolvendo Powell e Child – ignorando não só os tons diversos das linhas narrativas, mas também as personalidades das personagens, as épocas de cada seqüência e mesmo a natureza possivelmente idílica de tudo que envolve Child, já que, aqui e ali, o filme sugere que aquelas seqüências estejam sendo remoldadas de acordo com a visão idealizada de Powell, que enxerga a outra como uma mulher absolutamente perfeita. E se o design de produção faz um bom trabalho de recriação de época e também ao estabelecer o apartamento da blogueira vivida por Adams como um local aconchegante, mesmo que tumultado e repleto de adereços, a trilha instrumental de Alexandre Desplat peca pelo excesso, buscando telegrafar para o espectador todas as intenções da diretora – especialmente no que diz respeito ao tom cômico de várias cenas. Finalmente, volto a reclamar de algo que já observei em várias ocasiões: por que os designers de som insistem em acrescentar ruídos de mastigação e de deglutição sempre que alguém surge comendo ou bebendo? Será que eles realmente acham que não acreditaríamos que os personagens estão se alimentando caso não os ouvíssemos? Pois confesso que, ao ser torturado por esses sons, consigo apenas pensar que aquelas pessoas deveriam fazer uma aula de etiqueta para aprenderem a evitar o excesso de barulhos à mesa.

Povoado por uma galeria de personagens secundários terrivelmente caricaturais (como as amigas “executivas” e a mãe que liga apenas para criticar a filha), Julie e Julia peca também ao tentar adicionar um drama artificial à narrativa através de uma briga entre Powell e o marido (Messina), que, depois de uma discussão trivial, sai de casa nervoso, levando a garota a dizer que ele a “deixou” – apenas para, duas ou três cenas depois, ele retornar arrependido. Felizmente, bem melhor se sai Stanley Tucci, que, como marido de Child, consegue estabelecer o sujeito como um indivíduo simpático que oferece seu apoio irrestrito à esposa sem que isso pareça falso, mas apenas um sinal claro de seu imenso amor pela companheira. Já Amy Adams (adorável, eu já disse isso?) pouco pode fazer com uma personagem ingrata cujos traços principais são a insegurança e o narcisismo – e se o filme parece parar sempre que ela surge em cena, isto se deve mais ao roteiro de Ephron do que à boa atuação da garota.

E então chegamos – como sempre – à Meryl Streep, uma atriz geneticamente incapaz de oferecer uma performance ruim. Medindo apenas 1,68m, ela surge em cena encarnando de maneira convincente os 1,88m de Julia Child não só graças às trucagens de câmera e plataformas, mas principalmente através de sua expressão corporal ao mover-se de maneira atabalhoada e desengonçada, como alguém que não soubesse lidar com a própria altura (e vê-la ao lado da alta Jane Lynch na melhor cena do longa é um prazer particular). Absorvendo os maneirismos de fala e a respiração ofegante da cozinheira de forma impecável (basta conferir os vídeos de Child no YouTube para confirmar isso), Streep concebe a personagem como uma mulher dona de uma personalidade contagiante e de uma força de vontade imbatível – o que, somado ao seu preciso timing cômico, a transforma na protagonista inquestionável do filme, eclipsando todos os demais.

A atuação de Streep, aliás, eleva Julie e Julia a um outro patamar, quase levando o espectador a ignorar os claros problemas da narrativa, como a abordagem preguiçosa, quase casual, da investigação à qual o marido de Child foi submetido e da própria atmosfera política da época, que desempenhou um enorme papel na trajetória daquela carismática mulher.

Que aqui, infelizmente, tem que dividir a história de sua vida com uma jovem desinteressante e imatura. Mas adorável.

27 de Novembro de 2009

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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