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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
09/09/2021 10/09/2021 4 / 5 3 / 5
Distribuidora
Warner/HBO Max
Duração do filme
111 minuto(s)

Maligno
Malignant

Dirigido por James Wan. Roteiro de Akela Cooper. Com: Annabelle Wallis, Maddie Hasson, George Young, Michole Briana White, Jean Louisa Kelly, Susanna Thompson, Jake Abel, Jacqueline McKenzie, Christian Clemenson, Amir AboulEla, Mercedes Colon, Zoë Bell, Mckenna Grace, Madison Wolfe, Marina Mazepa.

“Está tudo na minha cabeça!”, diz Madison para si mesma em certo momento de Maligno. Recém-enviuvada depois que um invasor misterioso assassinou seu marido de modo chocante, a protagonista busca se acalmar ao ver uma figura correndo pela casa, a porta dos fundos se abrindo duas vezes sozinha e ao ser perseguida por alguma ameaça que se atira contra a porta do banheiro no qual se encontra escondida. É um momento absurdo em um filme repleto deles e que rivaliza, por exemplo, com aquele no qual um detetive decide, durante uma perseguição, se atirar de uma altura considerável para alcançar o vilão em fuga – num momento diretamente saído da comédia Os Outros Caras.


E, no entanto, Maligno é uma obra que funciona e que acaba fazendo sentido mesmo que para isso realize atos de contorcionismo inacreditáveis.

Isto talvez não devesse ser uma surpresa, já que seu diretor, o malaio-sino-australiano James Wan, há um bom tempo já comprovou seu talento para lidar com o gênero terror em longas como Jogos Mortais, Sobrenatural, Invocação do Mal e na ótima continuação deste, o que sugeria a competência necessária para lidar com um roteiro traiçoeiro (no bom sentido) como o de Akela Cooper para este seu novo esforço. Pois o fato é que, longe de existir num vácuo, Maligno é um filme que não apenas reconhece suas referências dentro do terror como abraça com vigor a absurdez de sua premissa.

A chave para compreender a proposta de Wan e Cooper pode ser encontrada já em seu prólogo, que, ambientado em um hospício de arquitetura gótica localizado (claro) no alto de um precipício à beira-mar, conta com uma energia maníaca em que tudo é exagerado: os movimentos de câmera, o tom dos atores, a trilha sonora e os incidentes retratados. Mas é no uso expressivo do vermelho – que se tornará recorrente ao longo das duas horas seguintes – que surge a pista mais óbvia da principal influência adotada pelos realizadores (presente inclusive no cartaz): o horror dos gialli italianos, com suas heroínas psicologicamente fragilizadas, a violência grotesca e mesmo os vilões que não raramente tinham as mãos cobertas por luvas pretas. Aliás, até a decisão de tingir de preto os cabelos habitualmente loiros de Annabelle Wallis acaba adquirindo peso de homenagem ao transformar a atriz em uma versão convincente de Barbara Steele, estrela de Mario Bava em seu A Maldição do Demônio, precursor do giallo.

Há também, é preciso dizer, influências mais sutis de obras de diversos períodos, de Uma Noite Alucinante: A Morte do Demônio (na câmera veloz que persegue Maddy) a Quando as Luzes se Apagam, passando por Jogos Mortais (a voz do vilão) e, de certo modo, O Vingador do Futuro (aqui terei que ser vago para evitar spoilers). Além disso, James Wan aproveita as antigas passagens subterrâneas de Seattle, bem como as atrações turísticas a estas relacionadas, para brincar de terror gótico ambientado na era vitoriana em uma cena que conta com antigas carruagens e, como não poderia deixar de ser, muito gelo seco. De maneira similar, a residência da protagonista é um daqueles casarões com aposentos amplos, sótãos amontoados e muitos cantos escuros – algo que o cineasta explora em um excelente plano plongé que acompanha a personagem enquanto atravessa quase todos os aposentos (em andares diferentes!) para escapar de uma ameaça.

Gradualmente, porém, Maligno vai conduzindo o espectador rumo à insanidade que tomará conta do terceiro ato e que começa em uma cena sensacional em uma cela abarrotada de estereótipos intencionais (o melhor deles é vivido pela ótima Zoë Bell em uma participação especial excelente) e culmina num massacre que é simultaneamente chocante e divertido. Aliás, julgar que a graça de Maligno é involuntária seria um erro grosseiro, uma absoluta falta de compreensão não apenas acerca da proposta óbvia do projeto como da história do próprio gênero, já que os realizadores inegavelmente têm consciência do ridículo de boa parte do que ocorre ali e o assumem com entusiasmo – uma disposição que já deveria ter ficado transparente quando vemos, ainda no primeiro ato, a estante de uma médica com vários troféus de melhor cirurgiã. (Em contrapartida, as tentativas de fazer piadinhas com a personagem da detetive interpretada por Michole Briana White fracassam completamente, já que a figura se torna apenas irritante – além de fazer uma menção a Goonies que sugere que a policial ou não viu ou não se lembra do filme.)

Com uma revelação – maravilhosa! - que o coloca ao lado de obras como Acampamento Sinistro e Gritos Mortais (do próprio Wan, por sinal) numa lista de conceitos mais “que porra foi essa?” presentes no gênero, Maligno é a comprovação do poder que James Wan adquiriu na Warner com o sucesso de Aquaman. Pois só isto explicaria o fato de os executivos do estúdios darem luz verde a um roteiro como este.

E isto é um elogio, juro.

11 de Setembro de 2021

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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