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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
22/12/2021 22/12/2021 3 / 5 2 / 5
Distribuidora
Warner/HBO Max
Duração do filme
148 minuto(s)

Matrix Resurrections
The Matrix Resurrections

Dirigido por Lana Wachowski. Roteiro de Lana Wachowski, David Mitchell e Aleksandar Hemon. Com: Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Jessica Henwick, Yahya Abdul-Mateen II, Jonathan Groff, Neil Patrick Harris, Jada Pinkett Smith, Priyanka Chopra Jonas, Christina Ricci, Lambert Wilson, Andrew Caldwell, Toby Onwumere, Max Riemelt, Brian J. Smith, Eréndira Ibarra, Max Mauff, Freema Agyeman.

Nossos amados patrões da Warner Brothers querem uma continuação para a trilogia. (…) Eles a farão com ou sem você.” Não duvido que uma variação destas frases tenha sido ouvida em algum momento – ou em vários – por Lana Wachowski, que em 1999 criou Matrix com a irmã Lilly e, nos quatro anos seguintes, produziu mais duas continuações com resultados cada vez menos satisfatórios (mas que não impediram que o original se firmasse como um dos filmes mais influentes do gênero nas últimas décadas). Assim, quando esta mesma afirmação é feita logo nos primeiros minutos de Matrix Resurrections, mas referindo-se a uma série de games criados por Thomas Anderson (Reeves), protagonista dos capítulos anteriores, uma nova camada da realidade é introduzida no universo da franquia, revelando que, de certo modo, o mundo virtual idealizado pela Matrix contém sua própria versão de Matrix – uma inversão curiosa da teoria que formulei ao escrever sobre Reloaded e que sugeria a possibilidade de que o “mundo real” daquela obra era apenas outro nível de simulação (sim, eu estava errado).


Metalinguístico por natureza, este desdobramento curiosamente reflete a abordagem adotada por outro cineasta para retomar uma série que havia concebido e deixado anos antes: a de Wes Craven em O Novo Pesadelo: O Retorno de Freddy Krueger. Assim, quando os produtores do jogo se reúnem para discutir o que fazer, os obstáculos que identificam são provavelmente idênticos aos enfrentados pela própria Lana Wachowski, que tenta respeitar a mitologia e o legado da trilogia ao mesmo tempo em que busca encontrar formas novas de explorar e expandir a história. A solução apresentada pelo roteiro escrito pela diretora ao lado de David Mitchell (autor do livro que inspirou A Viagem) e Aleksandar Hemon (que roteirizou um episódio de Sense8) é intrigante, conferindo novos rostos para personagens antigos, envelhecendo alguns atores mais do que o esperado e mantendo uma coerência cronológica para outros, justificando estas divergências de modo eficaz, embora nem sempre convincente - especialmente ao explicar como Neo e Trinity podem estar vivos depois de termos testemunhado suas mortes em Revolutions, o que envolve uma capacidade tecnológica por parte das máquinas que, em vez de resolver a questão, abre uma série de indagações que o filme não tem interesse em examinar.

Este desinteresse de Resurrections nas possibilidades filosóficas de sua trama é, a princípio, uma surpresa quando consideramos a ambição que Matrix demonstrava ao mergulhar nas implicações de sua premissa; aos poucos, contudo, se torna claro como esta continuação prefere concentrar seu foco em outro tema caro aos seus antecessores: o amor entre Neo e Trinity (Moss), que ganha contornos quase metafísicos e serve de base para uma narrativa centralizada neste romance e na determinação de Neo para resgatá-la. Com isto em mente, os vários (e breves) flashbacks inseridos pontualmente na projeção exercem um papel simultaneamente dramático e romântico, estabelecendo rimas visuais, paralelos entre personagens e a melancolia provocada pela passagem do tempo e por tudo que foi perdido.

O lado positivo deste tratamento reside na química resgatada por Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss, que reforçam por que Neo e Trinity se tornaram um casal tão icônico da ficção científica contemporânea, contendo em sua trajetória elementos de tragédia, sacrifício e predestinação (a despeito da pieguice ocasional). Aliás, Reeves, que vem se firmando como um ator mais interessante com a idade - mesmo que siga quase inexpressivo -, evoca com eficiência o temor de alguém inseguro quanto à própria saúde mental e quanto à ideia de voltar a uma realidade que sabe ser aterrorizante, o que é essencial para que Neo recobre a vulnerabilidade que havia perdido ao adquirir tantos poderes ao fim do primeiro longa. Enquanto isso, Moss vive um paradoxo irônico, já que a importância crescente de Trinity no universo da série acaba por contrastar com o fato de que a atriz não ganha a oportunidade de fazer muita coisa nesta continuação (ainda que explore ao máximo o pouco que o roteiro lhe oferece). E se Yahya Abdul-Mateen II e Jonathan Groff enfrentam a ingrata batalha de viverem versões de figuras associadas de forma tão intensa a atores específicos (Laurence Fishburne e Hugo Weaving), saindo-se relativamente bem na tarefa, ao menos Neil Patrick Harris e Jessica Henwick podem criar seus personagens a partir do zero, representando bons acréscimos à franquia.

Infelizmente, se há boas novidades em Resurrections, há também desapontamentos – e o maior destes reside na mediocridade das sequências de ação, justamente um dos pontos mais celebrados da trilogia. Se antes Lana e Lilly Wachowski concebiam as lutas com clareza, aproveitando ao máximo as coreografias orquestradas pelo mestre Yuen Woo-ping, aqui não apenas os confrontos carecem de inspiração (o veterano não participou desta continuação) como são filmadas e montadas no estilo confuso e deselegante de tantas outras produções contemporâneas, apelando para cortes rápidos, planos fechados e movimentos contínuos que jamais permitem que tenhamos uma boa noção do que está acontecendo. Além disso, ao reconhecer como o bullet time revolucionou o cinema de ação (até se tornar clichê pelo excesso de uso), Wachowski se impõe a tarefa de criar um equivalente neste projeto – aparentemente sem perceber que sua solução é idêntica à encontrada para retratar os poderes de Mercúrio em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido. Em contrapartida, ainda que os bots aqui introduzidos sejam obviamente inspirados nos zumbis modernos de filmes como Extermínio e Invasão Zumbi, pelo menos são empregados com eficácia – em especial na sequência que, quase como um pesadelo, os traz em modo kamikaze saltando de prédios altos sobre os heróis.

Pecando pelo excesso de diálogos expositivos (algo recorrente na franquia), Resurrections compensa a falta de originalidade de sua história ao utilizar os capítulos anteriores de maneira instigante, culminando em uma cena que combina a recriação sobre um palco de um cenário do primeiro filme enquanto a cena correspondente é projetada numa tela ao fundo, refletindo bem a dualidade entre ficção e realidade presente na narrativa. E se Matrix gritava suas referências a Alice no País das Maravilhas, aqui a inspiração mais presente é Alice Através do Espelho – não só pelos recorrentes “portais” criados pelos personagens, mas também pela habilidade “premonitória” da Rainha Branca (refletida em Trinity), pelo questionamento sobre quem está no sonho de quem e pela própria frase final daquele livro.

Fotografado por John Toll e Daniele Massaccesi sem a tonalização esverdeada que marcava o mundo virtual nos originais e que aqui ganha cores vivas e quase sempre quentes, Resurrections é fruto claro de uma época bastante distinta: se em 1999 as redes sociais e os smartphones eram fantasia, agora vivemos todos uma existência dupla, dividindo o tempo entre o mundo real e digital com uma vantagem crescente deste último. Não por acaso, um dos problemas enfrentados na libertação dos humanos em Resurrections é o vício despertado pela Matrix e a resistência diante do que se encontra fora desta – e é impossível ouvir o diagnóstico de que a humanidade “não se importa com os fatos”, valorizando mais a ficção que julgar conveniente, e não identificarmos ali a mesma deficiência que vem destruindo a racionalidade de boa parte da sociedade diante de questões cujas respostas deveriam ser patentes.

Pior: quando confrontados com ideias e discussões desafiadoras, há uma tendência cada vez mais preocupante (e potencializada pelas redes sociais) de trivializá-las até que se tornem irreconhecíveis ou mesmo opostas ao que inicialmente representavam – algo que ocorreu até mesmo com o conceito das pílulas vermelhas e azuis, que foi apoderado por segmentos conservadores/libertários a ponto de levar a própria Lilly Wachowski a confrontar de modo hilário (e veemente) seu uso por Elon Musk e Ivanka Trump no Twitter.

E, em última análise, é isso que torna impossível odiar Resurrections: seus subtextos podem ser óbvios ou superficiais, mas não há como duvidar da sinceridade de Lana (Lilly não quis participar do projeto) ao desenvolvê-los. Juvenil ou não, este é um filme que abraça seu otimismo e sua convicção na capacidade do amor de suplantar diferenças e contornar obstáculos que se apresentam intransponíveis. É uma esperança tocante partindo de uma realizadora que pertence a uma das minorias mais vitimadas pelo ódio e pela violência – uma realidade que escapa até mesmo a figuras que se apresentam como progressistas, como a escritora J.K. Rowling.

Não posso dizer que compartilho deste otimismo, mas experimentá-lo brevemente é um pequeno milagre que, mesmo com todas as suas falhas, Matrix Resurrections me proporcionou. E às vezes é bom fugir temporariamente da realidade.

Observação: há uma cena após os créditos finais que não acrescenta absolutamente nada ao filme.

21 de Dezembro de 2021

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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