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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
05/11/2021 05/11/2021 1 / 5 2 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
156 minuto(s)

Eternos
Eternals

Dirigido por Chloé Zhao. Roteiro de Chloé Zhao, Patrick Burleigh, Ryan Firpo e Kaz Firpo. Com: Gemma Chan, Angelina Jolie, Salma Hayek, Kumail Nanjiani, Kit Harington, Richard Madden, Lia McHugh, Brian Tyree Henry, Barry Keoghan, Lauren Ridloff, Harish Patel, Ma Dong-seok, Harry Styles, Patton Oswalt e as vozes de David Kaye e Bill Skarsgård.

A esta altura do campeonato, a Marvel já refinou a fórmula de seus produtos com tanta precisão que é possível quase antecipar os instantes exatos em que incluirão um plano-detalhe para revelar um easter egg, mencionarão um dos Vingadores ou farão referência a um personagem que apenas os fãs mais ardorosos identificarão com orgulho de si mesmos; bem mais difíceis de encontrar nestas produções são momentos minimamente densos, que soem remotamente reais – e se alguém descobre que o mundo está prestes a chegar ao fim, uma piada virá logo em seguida para evitar qualquer desconforto da plateia de consumidores. Empregando 157 minutos para contar uma história povoada por figuras unidimensionais, Eternos é o exemplar mais recente da fábrica de bonecos pertencente à Disney e que escancara mais uma vez algo que deveria ser óbvio para seus clientes: que o produtor Kevin Feige encara os fãs como uma massa de tolos, um bando de cifrões que atirarão dinheiro sobre o estúdio assim que sua galeria de personagens surgir no interior das letras de sua logomarca.


Abrindo a projeção com um letreiro que apresenta a mitologia envolvendo os heróis do título e as ameaças genéricas vindas do “espaço profundo” (isto é uma citação), os monstros Deviantes, que nada mais são do que variações do mesmo tipo de criatura que já vimos dúzias de vezes em tramas similares. Liderados por Ajak (Hayek), os Eternos têm instruções para exterminar os tais bichos, mas nada mais – o que “explica” por que não interferiram quando Thanos exterminou metade da vida no Universo. É uma explicação preguiçosa, mas até razoável se considerarmos o desinteresse que os quatro roteiristas exibem no restante do tempo – um descaso tão grande que, em certo ponto, a protagonista Sersi (Chan) afirma ter tido um relacionamento com o colega Ikaris (Madden) por 5.000 anos apenas para, minutos depois, uma legenda situar o início do namoro em 575 a.C. – o que, se o fato de ser de Humanas não me impede de calcular, resulta em cerca de metade deste período.

Carregado de diálogos expositivos que se tornam especialmente exagerados em duas ou três sequências que destroem qualquer ritmo narrativo para preencher lacunas, o roteiro tem tão baixa estima por seu público-alvo que repetidas vezes retrata um acontecimento apenas para em seguida incluir um personagem verbalizando o que acabamos de ver (“Ele se curou?”) – e o exemplo mais hilário é aquele em que alguém conta a Gilgamesh (o sempre carismático Ma Dong-seok) sobre o retorno dos Deviantes apesar de terem acabado de ver carcaças dos monstros do lado de fora de sua casa. Já em outras ocasiões, um ou outro herói faz resumos de todas as informações importantes acumuladas até então (“Então você quer dizer que estou esperando há séculos para retornar a Olympia… e agora você está me dizendo que (blábláblá)?” – e de novo: estou citando). Aliás, trata-se de um trabalho tão esquemático que os quatro roteiristas (a propósito: Zhao é citada duas vezes na função, escrevendo sozinha e em parceria com Patrick Burleigh) incluem uma crise emocional da protagonista apenas para imediatamente a resolverem com uma breve conversa iniciada por Thenas (Jolie).

Mas talvez eu não devesse reclamar dos diálogos, já que, quando não estão conversando, os heróis têm o hábito de parar em formação (todos virados para a câmera, claro) enquanto fazem poses que ficarão boas no trailer – algo que acontece tantas vezes que cheguei a esperar que algum deles fizesse um comentário irônico a respeito. (Ninguém faz.) Feitas as poses para o departamento de marketing, eles logo voltam a trocar clichês e, como não poderia deixar de ser, a fazer promoções cruzadas dos outros produtos do catálogo da Disney, como Star Wars e os Vingadores. Sim, é como se os realizadores nem mesmo tentassem disfarçar o fato de que estão mais interessados em vender bonecos, games e outros produtos do que em contar uma história coesa, o que evidentemente os obriga a manter os filmes acessíveis ao maior público possível, criando um universo tão infantil que uma cena de cinco segundos retratando dois personagens transando pode ser vista quase como um ato revolucionário por parte da diretora Chloé Zhao.

E por falar na cineasta, por que contratar alguém com um olhar tão particular apenas para amarrá-la criativamente? Basta ter visto um frame de seus trabalhos anteriores para constatar que o máximo que Zhao consegue em termos autorais é incluir um plano ou outro em que a câmera se move em torno dos personagens enquanto estes são filmados na “hora mágica” (durante o nascer ou o pôr do sol) e enfeitados por flares. No restante do tempo, Eternos é, em essência, um produto da Marvel – e se você tem qualquer dúvida sobre isso, basta dizer que pela primeira vez Zhao não pôde empregar seu parceiro habitual Joshua James Richards como diretor de fotografia (que foi relegado a operador de câmera pela primeira vez na carreira), já que a função ficou a cargo de Ben Davis, que claramente tem a confiança do chefão Kevin Feige depois de trabalhar em Guardiões da Galáxia, Era de Ultron, Doutor Estranho e Capitã Marvel).

Se eu fosse um pouquinho mais cínico, aventaria a possibilidade de Zhao ter sido escalada por Feige apenas para que o material de divulgação da produção pudesse se vangloriar da “diversidade” do Universo Marvel, ignorando convenientemente que isto não é o mesmo que representatividade se você se recusa a oferecer liberdade ao artista. Esta estratégia de soar inclusivo sem sê-lo de fato, transformando minorias históricas em defensores de sua corporação apenas por iniciativas cosméticas, pode ser exemplificada também na presença de um casal gay na trama – um casal essencialmente assexualizado que troca um selinho rápido presente em uma cena pronta para ser descartada do filme nos países em que pudesse representar um problema que impediria a exibição (e, consequentemente, a receita) do longa. O que, para a surpresa de absolutamente ninguém, foi o que aconteceu em vários mercados, como nos Emirados Árabes, Egito, Etiópia, Líbano, Iraque, Síria e Turquia (já nas nações ainda mais autoritárias, que baniram o filme totalmente, a Marvel alegou que se recusou a excluir a cena, o que é curioso, já que não teve problema em fazê-lo nas demais – leia-se: novamente puro marketing, usando uma causa importante para ganhar publicidade ao redor do mundo).

Esta covardia está presente também no desenvolvimento das ideias mais ambiciosas da trama, como na frustração de Sprite (McHugh) por ter um corpo eternamente preso na pré-adolescência e que a impede de viver experiências importantes – um dilema que é sabotado pelo modo juvenil com que esta pessoa de sete mil anos de idade manifesta suas emoções e sua paixão por um colega (para ver esta mesma ideia explorada de maneira intrigante, assista às performances magníficas de Kirsten Dunst em Entrevista com o Vampiro e de Lina Leandersson em Deixa Ela Entrar). E se eu quisesse ser implicante de fato, apontaria também como é problemático que o roteiro tenha escolhido justamente uma personagem feminina para retratar como mentalmente desequilibrada, mas acho que já me fiz entender.

Incapaz de resistir a obviedades que os realizadores provavelmente acharam brilhantes (adivinhem o destino de Ikaris?), Eternos inclui ainda uma fala inacreditável sobre como “as guerras na verdade levam a avanços tecnológicos para salvar vidas e também da medicina”, demonstrando infinita disposição de se contradizer de um minuto para outro em seus esforços para não desagradar ninguém, criticando o fundamentalismo religioso aqui apenas para citar a Bíblia acolá (coincidência ou não, João 8:32, que populistas da extrema-direita – incluindo Bolsonaro – adoram citar: “Conheceis a verdade e a verdade vos (zzzzz)”).

O que não é surpresa numa franquia que não se cansa de defender a ideia de que a humanidade ficará melhor se confiar nas grandes figuras de poder que farão de tudo pela manutenção do status quo.

16 de Janeiro de 2022

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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