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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
10/03/2015 09/03/2015 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
AMC/Netflix
Duração do filme
42 minuto(s)

Better Call Saul - S01E06: Five-O
Better Call Saul - 1x06: Five-0

Dirigido por Adam Bernstein. Roteiro de Gordon Smith. Com: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Rhea Seehorn, Patrick Fabian, Michael Mando, Michael McKean, Kerry Condon, Faith Healey, Barry Shabaka Henley, Omid Abtahi, Billy Malone, Lane Garrison, Joe DeRosa.

Criada em 1968, a série norte-americana Havaí 5-0 girava em torno de um grupo de investigadores que, atuando no 50º. (e mais recente) território a ganhar o status de Estado no país, protagonizaram aventuras exibidas ao longo de 12 temporadas, alcançando uma popularidade tão grande que “cinco-zero” se tornou uma gíria para “polícia” em inglês – e, assim, é apropriado que “Five-O” seja o título de um episódio que se dedica a revelar parte da trajetória de Mike Ehrmantraut (Banks), seu passado como policial e as circunstâncias em que perdeu seu único filho, também agente da lei.


Roteirizado por Gordon Smith, que começou a carreira como assistente da equipe de roteiristas de Breaking Bad e foi conquistando espaço até assinar sozinho mais de uma dezena de roteiros de Better Call Saul (incluindo um dos melhores, “Chicanery”), vindo também a dirigir dois episódios da série, este “5-0” tem início com a chegada de Mike à cidade de Albuquerque depois de abandonar a Filadélfia a fim de ficar mais próximo da nora Stacey (Condon) e da netinha Kaylee (Healey). Exibindo certa fragilidade e uma expressão de dor, ele é recebido por Stacey na estação ferroviária e age como se estivesse apenas cansado quando, logo descobrimos, carrega um buraco de bala no ombro esquerdo – uma síntese perfeita de como agirá nos anos seguintes, comportando-se como um avô atencioso e dedicado (que de fato é) e sem jamais deixar que sua família descubra suas reais atividades profissionais.

Encarnado pelo maravilhoso Jonathan Banks como um homem que testemunhou horrores que acabaram por lhe devorar a alma e qualquer traço de felicidade pouco a pouco, o Mike visto neste episódio demonstra a dureza e o ar eficiente que se tornarão cada vez mais característicos do personagem, mas também uma vulnerabilidade emocional surpreendente que em determinados momentos parece arrebentar suas gigantes barreiras, trazendo lágrimas aos seus olhos geralmente frios e tremor à voz sempre grave – em particular quando se trata de defender a honra do filho Matt.

Não à toa, a fotografia de Arthur Albert é concebida, na maior parte do tempo, como representação da subjetividade emocional de Mike, mantendo-o nas sombras, encurralado no canto do quadro (pelo trem parado na plataforma, por exemplo) ou, em certo instante, fora de foco no fim de um balcão enquanto os sons ao redor surgem abafados e ininteligíveis. Da mesma forma, frequentemente o vemos cercado por grades (ou persianas que remetem a grades) ou pelas sombras destas – e a sugestão de prisão, de uma vida limitada pela perda, está presente também na blusa com listras de sua nora e no quintal deprimente na qual esta vive com a filha (aliás, o único instante em que vemos uma luz mais aconchegante, calorosa, é aquele no qual o vemos brincando com a neta).

As sombras, porém, evocam não apenas a tristeza do personagem como também a imoralidade do submundo que passou a ocupar ao se tornar corrompido e que levaria, de modo indireto, à morte do filho – e há, por exemplo, imensa similaridade estética entre o plano aberto que o traz no estacionamento com os policiais Fenske e Hoffman (Malone e Garrison) e aquele, dois episódios antes, em que víamos Saul Goodman e seu parceiro Marco em um beco escuro de Chicago. Esta lógica também é refletida, claro, na clínica veterinária do doutor Caldera (DeRosa) e nas luzes douradas e vermelhas que acompanharão Mike em vários instantes de “Five-O”, já que, como já discuti algumas vezes, os tons quentes estão normalmente associados a personagens ou a atos criminosos em Better Call Saul. Além disso, é interessante perceber como Mike, assim como Jimmy nos episódios anteriores, aqui surge posicionado entre os dois policiais responsáveis pela morte de Matt, na Filadélfia, e mais tarde entre os dois investigadores que o interrogam em Albuquerque – neste último caso, contudo, apenas até a chegada de Jimmy (Odenkirk), quando, então, é a dupla McGill-Ehrmantraut que passa a dominar os investigadores, sugerindo a força que têm juntos. Para completar, Albert cria quadros elegantes ao empregar com pontualidade composições que investem na diagonalidade para conduzir o olhar do espectador – como na posição do trem, na direção das luzes da estação e dos trilhos no pátio escuro.

Dirigido por Adam Bernstein, que havia comandado oito episódios de Breaking Bad e dirigiria outros três de Better Call Saul, “Five-O” encontra espaço também para explorar Jimmy e seus esforços para se manter como um advogado ético. No entanto, apesar de a princípio se recusar a seguir as instruções de Mike para ajudá-lo a roubar o caderninho de anotações do investigador, o protagonista comprova sua incapacidade de resistir a estratagemas duvidosos depois de perceber a natureza das perguntas feitas durante o interrogatório – e sua comunicação com Mike é feita de modo tão sutil por Bob Odenkirk que precisei rever a cena algumas vezes para confirmar o levíssimo aceno de cabeça que Jimmy faz para indicar que irá derrubar o café como solicitado. Ainda assim, ilustrando como o sujeito se frustra por não ser levado a sério como advogado íntegro, ele pergunta a Mike como este sabia que aceitaria auxiliá-lo, ouvindo, como resposta, um riso que diz mais do que qualquer explicação. (Aliás, é durante esta breve conversa que os irmãos Marx, já mencionados em “Hero”, voltam a ser citados na série, que também inclui uma referência clara a O Poderoso Chefão Parte II na cena em que Mike abraça os assassinos do filho e sussurra, como Michael para Fredo em Cuba, a frase “I know it was you” (“Eu sei que foi você/foram vocês.”)

 

Eficaz ao realizar as transições entre presente e passado através de movimentos fluidos de câmera (primeiro, usando as costas do doutor Caldera e, mais tarde, girando em torno de Mike enquanto este caminha), “Five-O” é uma oportunidade para que conheçamos melhor um personagem que, mesmo taciturno, exibe um imenso carisma, sendo vivido pelo veterano Jonathan Banks com uma complexidade emocional notável – sendo capaz de em um momento encarar alguém com frieza absoluta antes de executá-la apenas para, instantes depois, surgir com a voz embargada ao expressar suas dores e remorsos. Além disso, Banks evoca o carinho de Mike pela neta através de seu sorriso quase imperceptível (típico do personagem) ao brincar com a menina, demonstrando também o afeto pela nora interpretada com talento por Kerry Condon.

Protagonizando uma trajetória que se tornará tão interessante quanto à de Saul Goodman ao longo das seis temporadas desta série, Mike Ehrmantraut é um homem que claramente conquistou cada ruga e linha de expressão em suas feições sempre rígidas, mas também os olhos tristes e cansados - e o modo como diz “Eu quebrei meu garoto” no clímax do episódio é de partir o coração. Para ele, seu maior crime foi corromper o filho – mesmo que para protegê-lo -, não seus demais atos de violência brutal. “Eu o fiz ser menor. Eu o fiz ser como eu”, ele lamenta.

Enquanto a câmera de Bernstein e Albert se afasta, encolhendo-o no quadro e levando-o a ser abraçado pela escuridão que o cercará pelo resto de sua vida.

 

Adendos que podem ser spoilers de Better Call Saul, Breaking Bad ou ambos:

A curiosidade do doutor Caldera com relação aos planos de Mike é reveladora, indicando como o veterinário está sempre à procura de novos contatos para incluir em seu infame livrinho de anotações.

Os fatos sobre o passado de Mike revelados em “Five-O” se tornam ainda mais tristes quando avaliamos sua resposta à pergunta de Saul no último episódio da série, quando primeiro diz que, caso pudesse voltar no tempo, retornaria a 8 de Dezembro de 2021 – o dia em que o filho foi morto –, mudando de ideia logo a seguir ao mencionar que iria para 17 de Março de 1984, quando aceitou suborno pela primeira vez, indicando mais uma vez como se considera diretamente responsável pelo destino de Matt.

29 de Agosto de 2022

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Os textos sobre os demais episódios de Better Call Saul podem ser encontrados aqui.

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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