Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
26/06/2025 04/10/2024 5 / 5 / 5
Distribuidora
Imovision
Duração do filme
110 minuto(s)

Dreams
Drømmer

Dirigido e roteirizado por Dag Johan Haugerud. Com: Ella Øverbye, Selome Emnetu, Ane Dahl Torp, Anne Marit Jacobsen, Andrine Sæther, Ingrid Giæver, Lars Jacob Holm, Nadia Bonnevie, Ella Bothner-By.

O mestre Roger Ebert costumava dizer que “não importa sobre o que é um filme, mas como ele é sobre o que é” – e o norueguês Drømmer é uma comprovação disso: na superfície, trata-se de uma história sobre a descoberta do primeiro amor por parte de uma adolescente que se encanta pela professora de francês (um tema tratado em centenas, milhares de obras); em sua execução, porém, o que vemos é uma narrativa estruturalmente ambiciosa, emocionalmente complexa e visualmente notável, resultando naquele que, até o momento, é meu título favorito da Berlinale.


Contado em boa parte a partir de flashbacks, Dreams (Sex Love) – como foi traduzido em inglês – tem como protagonista a jovem Johanne (Øverbye), que registra em um diário tudo que vivencia a partir do instante em que conhece uma nova professora, Johanna (Emnetu), enxergando até na similaridade entre seus nomes um sinal do destino. Meses depois, quando tudo parece ter chegado a um fim que ainda desconhecemos, ela decide mostrar o texto para a avó poetisa, Karin (Jacobsen), que se impressiona com a qualidade literária do que a neta produziu, mas também se preocupa com a possibilidade de que esta tenha sido vítima de algum abuso sexual e/ou psicológico, insistindo para que Johanne mostre-o para a mãe, Kristin (Torp). E não demora até que as discussões sobre as implicações de tudo aquilo ocorram paralelamente ao debate sobre se a garota deve publicar o que escreveu em forma de livro ou não.

Como boa parte da projeção se concentra nos registros íntimos feitos por Johanne como forma de preservar suas experiências e seus sentimentos, o filme em si é frequentemente acompanhado pela narração em off da protagonista – mas se isto de modo geral acabaria denunciando um roteiro preguiçoso, em Drømmer o resultado encanta por servir como uma janela para a sensibilidade particular da jovem, ressaltando sua ingenuidade em certos aspectos e sua maturidade em outros. Além disso, o recurso permite que o longa por vezes se entregue a tangentes que enriquecem seu universo e nossa compreensão acerca da personalidade de Johanne, como, por exemplo, na sequência em que esta anda por Oslo e expõe como cada parte da cidade reflete um estrato social, econômico e cultural – e como isto repercute sobre os costumes de seus habitantes. E mais: ao delimitar o ponto de vista destes flashbacks como sendo o de Johanne, o filme mantém o espectador atento quanto à possibilidade de que a subjetividade da personagem influencie nossa percepção sobre o que realmente pode ter acontecido, já que percebemos, por exemplo, como um gesto romântico que a encantou em um livro acaba sendo reproduzido por sua professora, indicando, talvez, que este tenha sido uma projeção idealizada em vez de algo que de fato ocorreu.

Esta subjetividade também é refletida na abordagem visual do projeto: quando Johanne vê Johanna pela primeira vez, por exemplo, a diretora de fotografia Cecilie Semec posiciona a professora diante da luz do sol, permitindo também que os flares resultantes na lente ajudem a compor uma imagem romântica, com uma aura quase etérea, estabelecendo um contraste com os tons frios que cercam a protagonista. Esta romantização da experiência também é ecoada por planos belíssimos como aquele que traz um bule de chá no qual uma pequena bola formada por folhas é mergulhada, abrindo-se lentamente e criando uma metáfora visual para o despertar amoroso/sexual da moça (por falar em metáforas visuais – e sem incluir spoilers -, há um plano lindíssimo no terceiro ato envolvendo dançarinos em uma escada e que certamente estará entre os momentos mais belos do Cinema em 2025).

Não é difícil imaginar, pelo que já apontei, como Drømmer depende de sua performance central para funcionar – e a jovem Ella Øverbye captura perfeitamente a dualidade de uma adolescente que, por um lado, reflete sobre seus sentimentos com uma maturidade surpreendente, mas, por outro, ainda é uma jovem cheia de explosões emocionais típicas da idade. Em certo momento, por exemplo, Johanne decide aprender crochê para se aproximar da professora através do hobby que esta pratica, mas, ao pedir que a mãe lhe ensine, fica furiosa ao não ser atendida imediatamente. Além disso, a atriz é hábil ao ilustrar a evolução da personagem ao longo da narrativa ao alterar sutilmente a maneira como se posiciona em cena, a segurança com que reage em certos instantes e até mesmo o modo como olha para seus interlocutores. Aliás, igualmente dignos de aplausos são os trabalhos de Ane Dahl Torp e Anne Marit Jacobsen, que estabelecem uma dinâmica divertida entre a mãe e a avó de Johanne enquanto se dividem entre a preocupação e a admiração geradas pelo que esta escreveu.

Outro aspecto admirável da produção reside em sua recusa de trazer a natureza homoerótica da paixão de Johanne para o centro dramático do filme: em nenhum momento Johanne se questiona por ter se apaixonado por outra mulher ou teme que a reação de sua mãe seja negativa em função disso (na realidade, seu temor diz respeito às mentiras que contou para poder ficar tanto tempo fora de casa). Assim, Drømmer trata o assunto com a naturalidade que merece, já que o que importa são os sentimentos da adolescente, não sua orientação sexual; amor é amor e ponto final.

Refletindo também a importância da palavra escrita para aquelas personagens, o roteiro presta atenção particular na articulação de suas ideias, na forma como se comunicam: é divertido, por exemplo, perceber como a avó em determinado ponto pede que a filha admire uma transição elegante que fará na conversa – e os diálogos, diga-se de passagem, são instigantes porque permitem que aquelas pessoas mudem de ideia enquanto debatem certos assuntos em vez de apenas recitarem automaticamente conclusões predeterminadas.

E há, claro, os figurinos de Ida Toft, que encantam pela codificação da trajetória interna de Johanne, que tem a cor verde como elemento principal de suas roupas e aos poucos adota paletas mais variadas, sugerindo como as experiências que viveu lhe ofereceram acesso a um número maior de matizes, como a tornaram mais complexa como ser humano e passaram a permitir que a jovem pintasse a própria vida com mais cores.

Um conceito visual lindo para um filme idem.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Berlim 2025

19 de Fevereiro de 2025

(O Cinema em Cena é um site totalmente independente cuja produção de conteúdo depende do seu apoio para continuar. Para saber como apoiar, conhecer as recompensas - além do acesso gratuito a todo nosso conteúdo -, basta clicar aqui. Precisamos apenas de alguns minutinhos para explicar. E obrigado desde já pelo clique!)

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

Você também pode gostar de...

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!