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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
06/11/2014 01/01/1970 3 / 5 3 / 5
Distribuidora
Warner Bros.

Interestelar
Interstellar

Dirigido por Christopher Nolan. Roteiro de Christopher e Jonathan Nolan. Com: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Wes Bentley, David Gyasi, Topher Grace, John Lithgow, Mackenzie Foy, Casey Affleck, William Devane, Ellen Burstyn e Michael Caine.

Sou um admirador confesso de Christopher Nolan. De Following a O Cavaleiro das Trevas Ressurge, admirei todos os seus trabalhos até hoje – e três de seus filmes me levaram, inclusive, a escrever textos divididos em duas partes a fim de analisá-los com mais cuidado (O Grande Truque, Batman Begins e A Origem). Amnésia me levou a brincar com a estrutura de minha crítica e O Cavaleiro das Trevas permanece, para mim, como um dos melhores exemplares do subgênero “filme de super-herói”. Se realmente há “nolanzetes”, creio que sou um deles.


E é por isso que é tão frustrante ter que apontar que Interestelar, seu novo filme, é uma obra inquestionavelmente problemática. Sim, ali estão as ideias ambiciosas do cineasta e as ótimas sequências em montagem paralela que caracterizam seus trabalhos; em contrapartida, seus pontos fracos surgem com força total, desde a dificuldade recorrente para organizar a ação no espaço até os diálogos frágeis e repletos de exposição. Para piorar, se seus longas costumam primar pelos ótimos desfechos, aqui o terceiro ato representa sua maior fragilidade, revelando-se desastroso e artificial.

Co-escrito por Nolan ao lado de seu irmão (e parceiro habitual) Jonathan, o roteiro nos apresenta a Cooper (McConaughey), que vive ao lado dos filhos e do sogro (Lithgow) em uma fazenda numa Terra que obviamente passou por algum tipo de catástrofe. Constantemente lutando contra pragas que insistem em destruir todas as plantações, a população do planeta se vê cercada por tempestades de areia e pela ameaça de fome – e é neste contexto que o protagonista acaba descobrindo que a NASA (ou o que resta desta) planeja enviar uma expedição em busca de outros planetas que possam abrigar nossa espécie. Dividido por ter que deixar os filhos para trás – especialmente a pequena Murph (Foy) -, Cooper acaba partindo na jornada que inclui a dra. Brand (Hathaway) e os especialistas Doyle (Bentley) e Romilly (Gyasi).

Não é, claro, a mais original das premissas, mas Nolan ao menos faz o possível para ancorá-la num universo suficientemente realista para que compreendamos que as leis da física quântica são levadas a sério e impactam as decisões dos personagens – bem como a Teoria da Relatividade de Einstein e suas implicações na passagem do tempo. Neste aspecto, aliás, Interestelar lembra bastante o jovem clássico Contato, embora bem menos sutil e coeso. Além disso, os irmãos Nolan sempre tiveram um problema grave com exposição em seus roteiros e, assim, o primeiro ato do longa é repleto de longos diálogos que tentam explicar a natureza das pragas que acometem o planeta, as mensagens enviadas através da gravidade, os planos desenvolvidos pelo cientista vivido por Michael Caine, os obstáculos que este ainda enfrenta, as possíveis soluções e assim por diante.

Povoado por personagens unidimensionais (as exceções ficam por conta do protagonista e do Dr. Mann, cujo intérprete manterei em segredo), Interestelar ainda exibe o velho problema de Christopher Nolan em articular movimento na mise-en-scène – e, talvez para evitar que isto fique óbvio, o cineasta mantêm seus quadros constantemente fechados mesmo quando está acompanhando ações intensas como o pouso problemático de uma nave. Porém, isto serve apenas para impedir que o espectador compreenda exatamente o que está acontecendo, representando um problema em vez de uma solução. Da mesma forma, esta insistência em planos fechados impede até mesmo que a constituição dos robôs TARS e CASE fique clara para o público durante a maior parte do tempo, o que é frustrante.

Enquanto isso, o diretor investe em uma salada de frutas temática que, mesmo merecendo aplausos pela ambição, é superficial demais para se tornar eficiente. Buscando introduzir discussões existenciais, filosóficas e científicas sem jamais desenvolvê-las com o cuidado necessário, Nolan ainda comete o erro grave de tentar introduzir o Amor (com letra maiúscula mesmo) como fator determinante na trama – e ouvir os personagens discutindo seus sentimentos soa sempre artificial, como se estivéssemos acompanhando um androide enquanto este analisa o conceito do afeto. Aliás, é curioso notar como Interestelar insiste em criar cenas de forte conteúdo emocional que acabam apenas lutando com a natureza fria, racional, da narrativa, num embate com resultados bastante irregulares.

Ainda assim, o filme é particularmente bem sucedido ao criar um mundo futurístico que, vitimado pelo colapso produzido pela superpopulação, vive sob um manto constante de poeira e medo da fome. Além disso, o segundo ato, que traz a jornada empreendida pelos heróis, é fascinante ao introduzir o tempo como um recurso dramático e ao nos apresentar a planetas hostis à sua própria maneira, ganhando pontos também graças à complexidade com que o Dr. Mann (de novo: não revelarei o ator, mas faz um trabalho excepcional) é retratado, já que surge como um homem fragilizado pelo instinto de sobrevivência, mas que jamais se sente confortável diante das próprias ações. Vale apontar, diga-se de passagem, que ao final do segundo ato Nolan demonstra seu conhecido talento para a montagem paralela, criando um clima de tensão sem que consigamos exatamente perceber de onde surge nossa inquietação, já que o diretor sugere, através dos cortes e da trilha, que algo está para acontecer sem permitir que decifremos o quê.

A trilha de Hans Zimmer, aliás, é uma de suas melhores, investindo em acordes de órgão que ao mesmo tempo sugerem o sacro e o clássico, remetendo a 2001 e a Solaris. Por outro lado, a mixagem é claramente problemática, tornando vários diálogos ininteligíveis (em diversos momentos, a legenda traduz falas que mal podemos ouvir) enquanto são sufocados pelos efeitos sonoros. Além disso, a voz do robô TARS se confunde constantemente com as dos personagens humanos, já que nada a diferencia dos demais, num tropeço óbvio do design de som. Ainda assim, é interessante reparar como Nolan faz questão da verossimilhança científica ao usar o silêncio como elemento recorrente das cenas que se passam no espaço – e, em certo momento, o choque de determinado acontecimento é ressaltado quando entramos em uma nave e subitamente o caos sonoro toma conta da trilha.

Portanto, é uma pena que o excelente segundo ato acabe sucumbindo ao desastre representado pelo terceiro e final: apostando numa reviravolta que Matthew McConaughey quase consegue vender graças à intensidade admirável de sua performance, Interestelar aposta todas as fichas numa saída absurda que trai o realismo no qual o filme insistira até então, criando um deus ex quantum que tenta usar um paradoxo temporal que pode até ser plausível do ponto de vista cientifico (eu não saberia dizer, já que não sou especialista em física quântica), mas que definitivamente falha em seus aspectos dramáticos e narrativos. Para piorar, o roteiro jamais consegue explicar como (e não leia o restante deste parágrafo caso não tenha visto o longa) como Murph consegue perceber tão facilmente que o “fantasma” era seu pai ou como Cooper consegue “programar” o relógio com uma infinidade de dados obtidos por TARS ao observar o buraco negro (suponho que as informações consumiriam horas e horas e horas de “transcrição” para o binário). Isto para não mencionar o paradoxo criado e que não consegue explicar como a dra. Brand poderia coexistir com o mundo idílico construído pelos terráqueos expatriados.

De todo modo, ainda há o segundo ato que, ocupando a maior duração da projeção, jamais deixa de fazer jus ao restante da filmografia de Christopher Nolan. E é uma pena que isto não se aplique também ao terceiro.

06 de Novembro de 2014

Videocast sobre o filme (sem spoilers):

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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