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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/07/2021 23/07/2021 1 / 5 2 / 5
Distribuidora
Universal
Duração do filme
108 minuto(s)

Tempo
Old

Dirigido e roteirizado por M. Night Shyamalan. Com: Gael García Bernal, Vicky Krieps, Rufus Sewell, Alex Wolff, Thomasin McKenzie, Abbey Lee, Nikki Amuka-Bird, Ken Leung, Eliza Scanlen, Aaron Pierre, M. Night Shyamalan, Alexa Swinton, Gustaf Hammarsten, Kathleen Chalfant, Francesca Eastwood, Nolan River, Kailen Jude, Emun Elliott e Embeth Davidtz.

Tempo parece o resultado de um adolescente imaturo tentando filosofar sobre a efemeridade da vida, mas se distraindo repetidamente com aqueles vídeos de susto que vira e mexe são enviados por algum contato no WhatsApp. É, como A Vila, um episódio de Além da Imaginação que não tem bom senso para compreender que não deve ultrapassar 50 minutos de duração ou que, caso insista em fazê-lo, é necessário desenvolver o roteiro para que não se limite ao conceito central.


Escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, que aparentemente nunca ouviu um ser humano normal conversar, Tempo tem início em uma van na qual encontramos Guy Kapa (Bernal) e sua esposa Prisca (Krieps) ao lado de seus filhos Maddox (Swinton) e Trent (River), uma garota de 11 anos e um menino de 6, respectivamente. Chegando ao hotel que Prisca descobriu na Internet e no qual são recebidos com uma fanfarra similar à vista na (ótima) comédia Duas Tias Loucas de Férias (ignorem o pavoroso título brasileiro), a família se prepara para passar alguns dias de descanso antes que o casal revele às crianças que irá se divorciar. Logo na manhã seguinte, contudo, o gerente do local (Hammarsten) oferece a alguns hóspedes, em segredo, uma visita a uma praia isolada e belíssima cercada por altos rochedos – deixando de informar, contudo, que ninguém poderá deixá-la e que cada meia hora passada ali equivale a um ano de vida dos banhistas.

Esta é uma revelação que talvez os personagens tivessem sido capazes de antecipar caso estivessem ouvindo os próprios diálogos, que introduzem o tema da obra com a sutileza de um pastor evangélico exigindo o pagamento do dízimo: logo nos primeiros minutos, por exemplo, Prisca diz que adora ouvir a filha cantar e emenda “mal (poder) esperar para ouvir sua voz quando for mais velha” e, segundos depois, quando Trent reclama que a viagem está demorando, sua mãe responde “Pare de desejar que este momento passe”. Ainda pior, porém, é a discussão do casal durante a qual a esposa acusa o marido de “sempre estar pensando no futuro” e este rebate: “Você está sempre pensando no passado. Você trabalha em um museu!”. Como se não fosse o bastante, o pequeno Trent tem o hábito de se aproximar de todos que vê e perguntar o nome e a profissão de cada um – e qual é a chance de que esta informação venha a ter importância mais tarde?

Ah, sim: esqueci de dizer que tudo isso ocorre antes da marca de dez minutos de projeção.

Mas se Shyamalan parte para o óbvio logo de cara ao berrar suas preocupações temáticas, ainda pior é a maneira com que desenvolve seus personagens e que se resume à lógica do “somos o que fazemos”, definindo cada indivíduo a partir de sua profissão. Assim, Guy, que é atuário, insiste em recitar estatísticas envolvendo riscos e, em certo ponto, lança um “Deve haver um jeito de sair. É uma certeza matemática que deve haver um meio de sair”, ao passo que a psicóloga Patricia (Amuka-Bird) afirma que todos devem estar vivenciando uma psicose grupal (“Eu estudei isso!”) e Prisca aborda o médico Charles (Sewell) com as palavras “Você não me conhece. Eu faço curadoria de exibições em museus. Estou dizendo isso porque quero que você confie em mim e não ache que estou sendo histérica” (e mais tarde ela calcula a velocidade de decomposição de um corpo… porque sim).

Não é surpresa, portanto, que um elenco composto por tantos intérpretes talentosos acabe oferecendo performances medíocres e artificiais, já que seria absurdo exigir composições multifacetadas a partir de um roteiro com diálogos pavorosos e repletos de exposição – e que, para tornar tudo ainda pior, são ditos com frequência enquanto os personagens se reúnem em círculos e esperam que a câmera chegue até cada um para que possam abrir a boca.

Mais frustrante, no entanto, é constatar como a premissa (adaptada de uma graphic novel francesa) tem seu potencial desperdiçado por um diretor mais interessado em choques fáceis do que nas implicações dos acontecimentos que retrata: se Denis Villeneuve (alerta de gatilho para os fãs raivosos de Shyamalan) usou a linda base fantasiosa criada por Ted Chiang para discutir questões complexas de modo adulto no magnifico A Chegada, aqui o cineasta consegue a proeza de trazer crianças envelhecendo décadas em questão de horas enquanto resume a experiência ora com um “perdemos nosso baile de formatura”, ora com um “vai ficar tudo bem” que trata tudo mais como uma inconveniência do que como a tragédia que é. Além disso, ao que parece Shyamalan acredita que nosso amadurecimento intelectual/emocional decorre de mudanças fisiológicas, não das experiências que acumulamos, já que indivíduos que tinham 6 ou 11 anos em um momento são capazes de processar e articular impressões adultas em menos de 24 horas – e o máximo que o filme consegue dizer a respeito é que “novas cores” estão surgindo na mente dos jovens. Para completar, a estratégia do roteiro para evitar que um homem de 50 anos soe ridículo ao falar como uma criança de seis anos de idade é transparente e artificial como todo o resto: ele simplesmente fala como adulto desde o início (ou melhor: como um adulto cujas falas foram escritas por alguém desacostumado a conversar na vida real).

Em vez de explorar temas tão fascinantes, Shyamalan opta apenas por criar uma narrativa que tenta nos distrair, como já apontado, através de incidentes chocantes contínuos que invariavelmente estão relacionados ao processo de envelhecimento e decadência física: aqui, um personagem percebe que sua visão está falhando; ali, outro nota que perdeu a audição em um ouvido; acolá, um terceiro demonstra vergonha das rugas e da flacidez da pele. E ainda que eu tenha mil ressalvas ao conceito de “furo de roteiro” (que na maioria das vezes se trata na verdade de uma incapacidade de aceitar que personagens podem agir de um modo diferente do esperado), aqui a tarefa de ignorá-los se torna impossível, já que o filme espera que aceitemos, entre outras coisas, que estar com o passaporte de alguém permite que todos os traços de uma viagem sejam apagados, ignorando passagens aéreas, aduanas e, claro, a possibilidade de que os viajantes contem seus planos para qualquer pessoa.

E é aqui que um autêntico fã de M. Night Shyamalan intercederia com o argumento de que um filme não é feito apenas de seu roteiro – uma afirmação ao mesmo tempo óbvia e desonesta: óbvia por ser indiscutível que a narrativa cinematográfica envolve um número colossal de decisões criativas que influenciam a experiência (e não é à toa que todos os meus textos buscam abordar elementos “técnicos” dos longas discutidos); desonesto por sugerir não apenas que a importância de um roteiro é menor, mas também que Shyamalan é um mestre na concepção da mise-en-scène, da montagem, da fotografia, do design de som e de todo o resto quando, na realidade, vem se estabelecendo como um diretor cujas decisões são cada vez mais previsíveis e sem imaginação (ou apenas ineficazes).

Observemos, como exemplo, as duas principais estratégias visuais adotadas em Tempo: a profundidade de campo reduzida e os movimentos de câmera quase ininterruptos. Se em um instante ou outro o foco limitado produz suspense ao apresentar a sugestão de ameaça (até um relógio parado acerta duas vezes ao dia), na maior parte da narrativa ele é empregado quase como um tique visual para isolar os personagens uns dos outros – mesmo em passagens nas quais a coletividade/universalidade da experiência que vivem deveria se destacar. Para piorar, quando ele se torna necessário para evocar a subjetividade visual de um personagem, a ansiedade que isto deveria provocar é anestesiada por tudo que a precedera. De forma similar, o excesso de movimentos de câmera anula qualquer impacto que estes poderiam ter – em especial por raramente serem concebidos de maneira imaginativa, já que na maior parte do tempo se limitam, como já dito, a saltar de uma figura a outra durante trocas de diálogos. Quanto à obviedade simbólica, aponto para a cena embaraçosa em que duas crianças deixam os bonecos que brincavam em pé na areia e Shyamalan cria dois planos que saltam de Guy para Prisca enquanto vemos um brinquedo na frente de cada um, sugerindo não só o papel que estes ocupavam na brincadeira dos pequenos (que refletiam as brigas testemunhadas entre os pais) como o fato de que todos ali estão sendo manipulados por algo maior. Como se não bastasse, é impossível não achar graça do instante em que um personagem sofre os efeitos de um corte com um objeto enferrujado, quando Shyamalan parece confundir os efeitos do tétano com os de uma maldição lançada por Saruman.

Representando mais uma evidência de que O Sexto Sentido, Corpo Fechado e partes de Sinais foram o suficiente para esgotar a criatividade de um cineasta antes visto como promissor, Tempo é uma daquelas produções que inspiram piadas frustradas e rasas sobre como há ironia no fato de que um filme – teoricamente – sobre a efemeridade da vida acaba por desperdiçar 108 minutos da existência do espectador. Infelizmente, nem correta esta observação seria, já que a esta altura Shyamalan já nos custou bem mais do que isso.

18 de Novembro de 2021

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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