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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/01/2023 15/01/2023 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
HBO Max
Duração do filme
85 minuto(s)

The Last of Us - S01E01: When You´re Lost in the Darkness
The Last of Us - S01E01: When You´re Lost in the Darkness

Dirigido por Craig Mazin. Roteiro de Craig Mazin e Neil Druckmann. Com: Pedro Pascal, Bella Ramsey, Anna Torv, Nico Parker, Gabriel Luna, Merle Dandridge, Natasha Mumba, John Hannah, Brad Leland, Josh Brener, Christopher Heyerdahl, Marcia Bennett, Logan Pierce.

Em 2015, ao escrever sobre o game The Last of Us (única vez que produzi algo sobre esta mídia até hoje), manifestei admiração pelas estratégias narrativas utilizadas pelo projeto de Neil Druckmann, que envolvia emocionalmente o jogador através de recursos particulares da mecânica destas obras – recursos que, por brincadeira e parafraseando Christian Metz, chamei de “gametográficos”. Poderoso em seus aspectos dramáticos, o jogo trazia personagens complexos em situações extremas, se estabelecendo como uma resposta enfática a qualquer um que ainda mantivesse a posição retrógrada e míope de que “games não são Arte” – o tipo de afirmação que no passado foi direcionada ao Cinema, aos quadrinhos e à televisão.


E é precisamente para esta última mídia que Druckmann aceitou desenvolver uma adaptação, unindo-se, na tarefa, a Craig Mazin, que, depois de passar boa parte da carreira escrevendo paródias medíocres (como Todo Mundo em Pânico 3 e 4), surpreendeu ao roteirizar uma minissérie espetacular para a HBO sobre o maior acidente nuclear da História: Chernobyl. Com uma temporada inicial dividida em nove episódios, The Last of Us nos introduz ao seu universo com este When You´re Lost in the Darkness”, que faz um eficiente trabalho ao estabelecer, ao longo de 80 minutos, o desastre que lança o planeta numa distopia, os personagens que iremos acompanhar e as bases da trajetória principal que irão percorrer. Para isso, Mazin e Druckmann, cientes de que falar sobre uma pandemia em 2023 é bastante diferente do que em 2013 (quando o jogo foi lançado), abrem a narrativa com uma entrevista concedida por dois epidemiologistas em 1968 e durante a qual o dr. Neuman (Hannah) explica que a maior ameaça à humanidade não são os vírus, mas fungos, que, em vez de matarem rapidamente seus hospedeiros, se espalham pelo organismo, passando a controlá-lo. Para nossa sorte, contudo, ele explica que os fungos não sobrevivem em temperaturas um pouco mais elevadas, não havendo pressão evolucionária para que isto se altere – a não ser, claro, que o planeta por algum motivo passasse por um aumento em sua temperatura média: uma espécie de… como poderíamos dizer?… aquecimento global.

Ancorando desta maneira a trama em algo próximo da realidade, o roteiro nos apresenta à jovem Sarah Miller (Parker), uma adolescente que vive com o pai empreiteiro, Joel (Pascal). Sem perder tempo com explicações desnecessárias (como o paradeiro da mãe da menina), Mazin, que também dirigiu o episódio, adota o ponto de vista da jovem como referência, ilustrando seu carinho por Joel, sua iniciativa de consertar um velho relógio de pulso para presenteá-lo em seu aniversário e mesmo sua paciência ao passar algumas horas visitando os vizinhos idosos – e a presença de Joel neste primeiro ato é apenas periférica, já que não vemos nem mesmo os incidentes chocantes que este testemunha quando distante da filha.

E é aqui que aconselho quem nunca jogou The Last of Us a interromper a leitura até assistir ao episódio.

Toda esta abordagem dos realizadores, claro, soará familiar aos fãs do game, podendo perder parte do impacto que os acontecimentos seguintes provocarão em quem, compreendendo as mais básicas convenções narrativas, presuma que a série terá Sarah como protagonista – uma percepção estraçalhada quando esta morre de maneira pavorosa, tomada pela dor e pelo medo, e uma elipse de 20 anos nos arremessa para uma sociedade agora habituada aos terrores causados pela pandemia fúngica e reencontramos um Joel endurecido por sua perda e sem exibir qualquer traço do calor humano que havíamos testemunhado em suas interações com Sarah.

Aliás, uma das principais características de Pedro Pascal como intérprete reside justamente na gentileza que confere aos seus personagens e que, quando presente nos antagonistas eventuais que interpreta (O Protetor 2, Mulher-Maravilha 1984), tende a torná-los mais humanos e, consequentemente, mais interessantes. Aqui, esta doçura é importante não apenas no ato inicial para que sua relação com a filha envolva o espectador, mas também no restante do episódio (e, suponho, da temporada) ao nos levar a lamentar sua ausência e a esperar que a recobre – ainda que seu pragmatismo já se mostre presente nas horas iniciais do desastre, quando impede que o irmão Tommy (Luna) pare o carro para ajudar uma família. Esta sua frieza é instrumental, de modo similar, ao marcar sua relação com Tess, que Anna Torv compõe como uma mulher determinada e cuja força parece servir para manter o foco de Joel, impedindo-o de se precipitar em alguns momentos ou de hesitar em outros. Para completar, Bella Ramsey encarna Ellie com intensidade admirável, projetando inteligência e firmeza sem deixar de explorar sua vulnerabilidade – e o contraste que sua reação ao ver um ato de violência estabelece com a de Sarah no início do episódio é fundamental para que as diferenças entre as duas adolescentes fiquem patentes mesmo que formem uma dinâmica parecida, de pai-filha, com Joel.

Porém, The Last of Us é, lembremos, uma obra de ação e terror, ainda que as relações entre os personagens se mostrem centrais. Neste aspecto, Craig Mazin faz um trabalho correto apesar da pouca experiência na direção (comandou apenas os fracos Os Especiais e Super-Herói: O Filme, ambos com propósitos cômicos e o mais recente lançado há quase 15 anos): no primeiro ato, por exemplo, ele se sai bem ao plantar sugestões do caos que se aproxima, como carros de polícia cruzando a tela ao fundo, e ao criar uma atmosfera de apreensão crescente que culmina em uma sequência no interior de uma caminhonete em fuga que, mesmo reproduzindo passagem idêntica do game, evita parecer uma mera cópia, gerando urgência e evocando bem o pânico experimentado por todas aquelas pessoas. Da mesma forma, não há grande originalidade na cena que antecipa a transformação de uma vizinha idosa, que é mantida ao fundo em um plano com profundidade de campo reduzida a fim de permitir que vejamos algo que Sarah não percebe, mas esta cumpre bem seu objetivo. E se os oficiais da FEDRA (regime autoritário que governa os Estados Unidos nesta distopia) têm seus rostos sempre ocultos para que a impessoalidade reforce a ameaça que representam, isto é um ótimo eco do agente que confronta Joel e Sarah logo no início do caos, demonstrando sabedoria por parte do diretor ao sugerir as raízes da ditadura futura.

Para finalizar, não posso deixar de mencionar as rimas – temáticas e visuais – que Mazin e Druckmann incluem no episódio e que servem para fixar o estado mental e emocional de Joel, como ao mostrá-lo carregando crianças/adolescentes em dois instantes distintos (Sarah em 2003; um garoto anônimo vinte anos depois) e com propósitos tristemente contrastantes (aliás, há uma clara influência de A Lista de Schindler no uso da cor dos sapatos do menino como recurso para identificá-lo). Além disso, há, claro, os confrontos com oficiais que apontam armas para Sarah e Ellie e que expõem a mudança na natureza de Joel através de suas reações em cada momento.

Com um design de produção eficiente ao construir um mundo semidestruído e no qual tudo deve ser improvisado (as cédulas de dinheiro/rações; os blocos envelhecidos de anotações como tíquete de trabalho), esta adaptação de The Last of Us não é, como já apontado, um projeto inovador em termos de trama, empregando um número considerável de clichês do gênero: o apocalipse zumbi no qual os humanos são tão perigosos quanto os monstros; a existência de alguém imune que pode representar a salvação da humanidade; o vizinho que se torna o primeiro contato dos heróis com o perigo; etc. Dito isso, a obra compreende que mais relevante do que o cenário batido é a sua capacidade de habitá-lo com figuras com as quais passemos a nos importar.

E, neste sentido, The Last of Us funciona maravilhosamente bem.

16 de Janeiro de 2023

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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