Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
29/01/2023 29/01/2023 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
HBO Max
Duração do filme
80 minuto(s)

The Last of Us - S01E03: Long Long Time
The Last of Us - S01E03: Long Long Time

Dirigido por Peter Hoar. Roteiro de Craig Mazin. Com: Pedro Pascal, Bella Ramsey, Anna Torv, Nick Offerman, Murray Bartlett.

Seja como consequência da COVID, de um acidente, da idade avançada ou da infecção por um fungo mutante, todas as jornadas chegam ao fim da mesma maneira. Podemos, claro, discutir se há mortes melhores ou piores, mas em última análise todas são iguais, inevitáveis e definitivas. O que nos difere uns dos outros é o que veio antes: quem fomos, o que fizemos e como (e se) tocamos outras vidas. Aliás, uma característica comum de narrativas sobre o apocalipse (climático ou via zumbis) é o foco no esforço que os personagens fazem para sobreviver; mesmo quando tematicamente a obra investe na (velha) discussão sobre como as maiores ameaças enfrentadas pelos heróis são os demais sobreviventes, o drama frequentemente se resume ao sucesso ou ao fracasso de evitar a morte. Mas o que há além da sobrevivência? Esta representa um objetivo suficiente por si só? Uma vida totalmente solitária e sem sonhos ou ambições não seria um puro desperdício de consciência?


Estas são algumas questões apresentadas por Long Long Time, terceiro episódio desta temporada inicial de The Last of Us: roteirizado por Craig Mazin e dirigido por Peter Hoar, ele se concentra na história de Joel (Pascal) e Ellie (Ramsey) apenas em suas pontas, dedicando a maior parte de seus 80 minutos a dois outros personagens que tocam a trama principal apenas de modo tangencial – uma decisão criativa que, longe de diluir o impacto da série, a enriquece de forma magistral.

(O restante deste texto contém spoilers do episódio.)

Não que deixe de desenvolver o relacionamento entre os heróis: já nos primeiros momentos, uma interação breve, mas fundamental, ocorre quando a menina, percebendo a frieza de Joel após a morte de Tess (Torv), não tenta se desculpar ou apaziguá-lo de algum jeito, optando por expressar como a escolha de levá-la ao seu destino foi feita pelos dois adultos – e Pascal, que vem comprovando sua habilidade de compor uma caracterização complexa através de pouquíssimas palavras, demonstra o respeito que seu personagem tem por aquela postura através de um levíssimo aceno de cabeça. Por outro lado, podemos apenas imaginar sua reação caso percebesse um lado insuspeito de Ellie: sua frieza e seu fascínio diante do horror e da violência. Se no piloto ela já havia exibido esta característica ao testemunhar a morte de um oficial da FEDRA sob os punhos de Joel, aqui a garota age com curiosidade quase clínica ao encontrar um zumbi imobilizado por um desabamento, cortando sua pele para verificar o que esta escondia e – talvez – para testar a resistência da criatura à dor. Ao mesmo tempo (e é um mérito de Bella Ramsey que estas facetas contrastantes da adolescente se complementem), a jovem expressa sua pouca idade através de sua empolgação diante de tudo que a destruição da sociedade lhe negou conhecer, de uma máquina de fliperama à “mágica” da aviação.

Dito isso, a magnitude desta destruição e também sua natureza são expostas pelo longo flashback que domina Long Long Time: retornando ao início da pandemia fúngica, em 2003, a narrativa revela como o exército norte-americano executou milhares de pessoas sadias por não poder abrigar todas na zona de quarentena e evitar que se transformassem em zumbis, num ponto ilustrado de modo tocante pela transição entre os restos mortais envolvidos por roupas de estampa colorida que, vemos a seguir, pertenciam a uma mulher e seu bebê. A partir daí, somos apresentados a Bill (Offerman), um destes indivíduos paranoicos que enxergam conspirações em tudo e estão sempre se preparando para o colapso da civilização – e, não à toa, a expressão em seu rosto quando suas desconfianças se confirmam não revela qualquer tristeza, mas júbilo. Passando a viver sozinho em sua pequena cidade, Bill constrói cercas para protegê-la, prepara armadilhas para eliminar zumbis desgarrados e mantém uma rotina sustentável que lhe permite viver com boa parte dos confortos que se tornaram fantasia para o resto da humanidade – até que, um dia, um estranho cai em um de seus fojos e, sem muito esforço, consegue convencê-lo a lhe oferecer banho e comida.

E é esta relação forjada por acidente graças ao fim do mundo que move o episódio. Sensível e repleto de calor humano, Frank (Bartlett) é o oposto de Bill em quase tudo, insistindo para que se preocupem não só com os aspectos mais pragmáticos do cotidiano (comida, segurança), mas também com os sociais, como cuidar da aparência do jardim e de vários dos prédios vizinhos e tentar estabelecer amizade com outras pessoas com as quais conversa por rádio. Ah, sim: não menos importante é o carinho que os dois homens exibem um pelo outro e que permite que Bill, cuja única experiência sexual (ruim, supomos) havia sido com uma mulher, possa finalmente expressar sua homossexualidade – e o fato de o personagem ser vivido por Nick Offerman, um comediante notório por viver brilhantemente estereótipos masculinos, é uma escolha fantástica por parte dos realizadores, empregando seu histórico (e a relação pré-estabelecida com parte do público) para subverter quaisquer expectativas sobre o rumo da trama. Offerman, diga-se de passagem, faz um trabalho maravilhoso ao usar a misantropia de Bill como uma fachada para ocultar sua vulnerabilidade e um escudo para evitar dores – e a exclamação aguda, de surpresa e deleite, que solta ao experimentar um morango depois de anos representa um dos pontos mais emocionantes da série até agora.

Aliás, são estes instantes de reencontro com tudo que perderam que tornam Long Long Time tão memorável, seja ao derramarem lágrimas quando se beijam pela primeira vez, seja ao compartilharem as emoções despertadas pela música que dá título ao episódio e que ganhou fama na voz de Linda Ronstadt. Assim, passamos a nos importar profundamente com o casal e seu destino enquanto os anos transcorrem de maneira fluida em sequências que os trazem trocando beijos, brigando ou apenas apreciando o mundo – e o design de produção de John Paino merece fartos elogios ao usar as transformações da pequena cidade para refletir o que os dois vivem, começando com o descuido estético de Bill, passando pelo capricho e pelos cuidados influenciados por Frank, até chegarem ao melancólico desfecho de ruas tomadas por folhas, de paredes descascadas e flores murchas. Do mesmo modo, a trilha de Gustavo Santaolalla é, como de hábito, evocativa tanto ao comentar a doçura do casal quanto ao lamentar seus instantes de tristeza. Para completar, a sequência que acompanha o dia derradeiro daquela jornada é soberba ao encerrar ciclos através da repetição de imagens específicas (o fojo, o jantar, o vinho) e ao usar com eficácia a linda música instrumental “On the Nature of Daylight”, de Max Richter, que já havia me devastado em A Chegada.

O que Long Long Time (e a série à qual pertence) demonstra compreender é que não há valor dramático e humano em simplesmente criar um universo composto apenas por horror e barbárie; se o horror existe, é porque ameaça algo que vale a pena ser protegido (uma lição que The Walking Dead, por exemplo, esqueceu ao longo do caminho). Quando Bill, que tanto lutou para garantir a própria sobrevivência, diz “Estou satisfeito” – e com uma expressão de imenso amor pelo companheiro -, torna-se impossível enxergar tragédia no fim de suas trajetórias na Terra.

E isto me faz pensar num elemento que surge em cena por poucos segundos, mas que sintetiza este sentimento: a tela pintada por um Frank já em estágio avançado de uma doença neurodegenerativa e que traz, como a maioria dos quadros espalhados pela casa, o rosto do homem que ama – mas com apenas metade finalizada com definição, já que a outra exibe o resultado do tremor de suas mãos.

Pois são as irregularidades e imperfeições da segunda metade da pintura que nos fazem enxergar de verdade como a primeira merece apreciação. E mais: como mesmo os traços tremidos que representam sua conclusão expressam a beleza da experiência acumulada ao longo da vida.

Não sei se podemos pedir mais do que isso.

30 de Janeiro de 2023

Os textos sobre os demais episódios de The Last of Us podem ser lidos aqui.

(Curtiu o texto? Se curtiu, você sabia que o Cinema em Cena é um site totalmente independente cuja produção de conteúdo depende do seu apoio para continuar? Para saber como apoiar, basta clicar aqui - só precisamos de alguns minutinhos para explicar. E obrigado desde já pelo clique! Mesmo!)

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

Você também pode gostar de...

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!