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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
15/02/2024 15/12/2023 5 / 5 5 / 5
Distribuidora
Diamond
Duração do filme
105 minuto(s)

Zona de Interesse
The Zone of Interest

Dirigido e roteirizado por Jonathan Glazer. Com: Christian Friedel, Sandra Hüller, Johann Karthaus, Luis Noah Witte, Medusa Knopf, Sascha Maaz, Max Beck, Daniel Holzberg, Ralph Herforth, Freya Kreutzkam.

Apenas os dois minutos iniciais de Zona de Interesse já são o bastante para que o espectador perceba estar diante de uma obra única. Funcionando como uma espécie de prólogo sonoro que estabelece a natureza angustiante do universo no qual seremos mergulhados a seguir, a passagem usa a trilha dissonante, incômoda, de Mica Levi como única informação na tela – até que subitamente somos apresentados ao cotidiano da família Höss e ao seu patriarca, o comandante Rudolf Höss (Friedel), responsável por administrar o campo de extermínio de Auschwitz.


Divertindo-se ao lado da esposa Hedwig (Hüller) e dos filhos em um belo dia de sol ao lado de um lago cercado de verde, o sujeito logo passa a ser visto enquanto desempenha suas tarefas cotidianas em reuniões mantidas em casa ou discute trivialidades com a família; quando encontra-se ausente, o centro narrativo é deslocado para Hedwig, que cuida do lar – ou melhor: ordena suas criadas a fazê-lo -, dos filhos e recebe visitas de amigas sempre impressionadas com seu estilo de vida, o que inclui caras peças de roupa cujas origens só são discutidas quando o propósito é criticar suas antigas donas.

Construído a partir de tableaux que transformam as cenas diárias da família Höss em pequenos quadros simétricos que refletem a obsessão daquelas pessoas com a ordem (ou com um conceito de “ordem” particular), o filme jamais mostra os horrores que estão acontecendo do outro lado dos muros vistos ao fundo da casa – e nem precisa, já que o excepcional desenho de som nos mantém cientes o tempo inteiro dos ruídos vindos das câmaras de gás e dos crematórios e que são intercalados pontualmente por tiros, choros e gritos à distância. Porém, se as implicações de todos estes sons são claras e pavorosas para o público, os personagens jamais parecem reconhecer sequer a existência dos barulhos ou da fumaça que se ergue dia e noite a alguns metros de distância, demonstrando como aquelas pessoas se tornaram imunes à barbárie e à dimensão do horror que constroem através da ação ou da omissão.

Enquanto isso, o conceito da “banalidade do mal” descrito por Hannah Arendt é perfeitamente representado pela natureza burocrática das discussões mantidas por Rudolf, por exemplo, ao receber a visita de engenheiros que desenvolveram uma forma eficiente de executar prisioneiros e destruir seus corpos – um projeto que é debatido não em termos de moralidade ou legalidade, mas de custos, rendimentos e logísticas. Além disso, o cineasta Jonathan Glazer não se preocupa em destrinchar o contexto político que permitiu o surgimento de um regime tão brutal, já que compreende que trata-se de um tema já fartamente explorado ao longo das décadas e que, em sua essência, se resume à manipulação das insatisfações de segmentos da sociedade para que atribuam as causas de suas frustrações a grupos específicos em vez de enxergarem o problema maior de um sistema criado para gerar desigualdade e injustiça – o que é sintetizado pela postura da mãe de Hedwig, que antes da guerra trabalhava na casa de uma mulher judia que posteriormente foi enviada para um campo de concentração, o que confere imensa satisfação à sua antiga funcionária.

De forma similar, o filme compreende que não há como aquela perversão generalizada (e legalizada) se manter contida, não sendo surpresa quando um dos filhos do casal começa a exibir um comportamento nazificado em suas pequenas maldades que indicam uma distorção de mundo que só tende a se expandir e a se tornar mais chocante.

Obra difícil de assistir justamente por ser tão eficiente em seu propósito de expor a natureza banal de todo aquele horror que muitas vezes é retratado como espetáculo por filmes de gênero, Zona de Interesse é uma experiência única. Pavorosa, mas única.

Texto originalmente publicado como parte da cobertura do Festival de Cannes 2023

20 de Maio de 2023

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

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